Somos todos Dulce: conheça os 7 guardiões do legado da freira baiana

'Jeitinho' de Dulce é profissionalizado para manter as Osid

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  • Thais Borges

Publicado em 19 de maio de 2019 às 06:33

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação/Osid

Parece que ela não morreu. Para Maria, Osvaldo, Milton, Jorge, Sérgio, Lucrécia e Sandra, a sensação é de que Irmã Dulce ainda está nos corredores das obras sociais que fundou em 1959, realizando - em inspirações - seus pequenos milagres a cada dia. Os sete estão no comando das principais áreas das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) e são responsáveis por manter vivo o legado deixado pela freira baiana. Eles representam as equipes dos cerca de 4 mil funcionários do lugar. Todos com o mesmo sentimento: de manter vivo o legado de Dulce.

Com o passar do tempo e a morte da religiosa, os processos foram atualizados e profissionalizados. Nenhum deles sai - literalmente, como Dulce fazia quase todos os dias da sua vida - de pasta na mão, atrás de donativos. Contudo, se mantêm firmes e persistentes no propósito de fazer crescer ainda mais a obra que atualmente é um dos maiores complexos de saúde 100% atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) do país, com cerca de 3,5 milhões de atendimentos por ano.

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Maria Rita, a superintendente

A primeira reportagem assinada pela jornalista Maria Rita Pontes, no jornal carioca O Globo, foi sobre Irmã Dulce. Ela tinha prometido que faria tudo que estivesse ao seu alcance para que o trabalho da religiosa - sua tia - fosse ainda mais conhecido. Só que Irmã Dulce tinha planos maiores para a sobrinha que recebeu seu nome de batismo: queria queela levasse sua obra adiante. Escolhera a sobrinha como sucessora, ainda que, a princípio, ela relutasse. Maria Rita já estava trabalhando nas Osid nos últimos meses de vida da tia, mas achava que era um trabalho temporário. Foto: Marina Silva/CORREIO “Mas, Irmã Dulce sempre me ensinou a ver o todo”, diz Maria Rita, superintendente das Osid há 27 anos. Nesse período, mergulhou no processo de canonização. Chegou até a aprender um pouco de italiano para compreender melhor o que teria que enfrentar. “Eu respirei o processo cada dia. Foi um processo de muito amor. Talvez, eu tenha focado muito na canonização porque sabia que era o caminho da perpetuidade tanto quanto a gestão das obras”, conta.

Osvaldo, a memória 

O museólogo Osvaldo Gouveia chegou às Osid em 1993 - exatamente um ano após a morte de Irmã Dulce. Foi convidado para assumir a implantação do Memorial dedicado à religiosa, inaugurado naquele ano. Quando começou a pesquisa, o então professor adjunto da Universidade Federal da Bahia largou tudo. Deixou o emprego de concursado e a própria empresa de museologia para se dedicar a tornar a história e o legado de Irmã Dulce mais conhecidos. Foto: Evandro Veiga/CORREIO “Desde então, é uma paixão visceral. Me tornei outra pessoa. Ela virou minha vida”, revelou o atual assessor de memória e cultura das Osid. Gouveia foi um dos maiores atuantes no processo de canonização da religiosa, inclusive recebendo cada um dos mais de 10 mil relatos de graça que já chegaram à entidade. Mesmo assim, parece não gostar de atrair olhares para si. Em todas as entrevistas, faz questão de falar apenas sobre Irmã Dulce. “É uma mulher que venceu preconceitos. Venceu barreiras”, reforça. 

Milton  Carvalho, o homem do dinheiro

Todos os dias, quando chega para trabalhar, o administrador Milton Pinto de Carvalho Júnior, 65, se depara com um quadro com a fotografia de Irmã Dulce. Religiosamente, pede que ela lhe dê forças e habilidades para pagar as contas das Osid.  A tarefa de Milton é deixar as finanças das obras no azul sem comprometer o atendimento às pessoas - um milagre que nem Dulce conseguiu fazer. Afinal, desde a sua fundação, as obras convivem com a falta de dinheiro.

“Fechamos o ano de 2018 com um déficit nas contas de R$ 11,2 milhões. Nossa maior fonte de renda (90%) vem dos contratos com o Estado e a União pelas receitas do Sistema Único de Saúde (SUS). Infelizmente, esses valores estão sem reajuste há três anos, enquanto a inflação só sobe”, conta Milton, que destaca que há muitos gastos nas obras com a manutenção e folha de pagamento dos quase 3 mil funcionários. Apenas 6% da receita das obras vem de doações e outros 4% de vendas de produtos licenciados que levam o nome da freira.  Foto: Evandro Veiga/CORREIO No passado, Dulce usava uma pasta preta para bater de porta em porta atrás de recursos. Hoje, seriam necessárias muitas pastas para caber os donativos para cobrir a despesa média de R$189,7 milhões por ano. “No lugar da pastinha preta de Dulce, hoje temos campanhas de arrecadação, bazar, venda de produtos e outras ações que fazemos para tentar reduzir o déficit e manter a qualidade dos serviços”, conta Milton, que é católico, devoto de Dulce e está nas Osid desde abril de 1993. Atualmente, ele é gestor administrativo e financeiro responsável por 11 áreas. 

Jorge Eduardo, o engenheiro 

Dos ‘guardiões do legado’ de Dulce, o engenheiro Jorge Eduardo Ferreira, 50 anos, é o que tem menos tempo de trabalho nas Osid. Depois de passar por companhias internacionais e trabalhar até no Equador, Jorge foi convidado para o desafio de gerenciar a área de infraestrutura das obras. Sob sua responsabilidade estão todos os projetos de engenharia, obras, equipamentos hospitalares e metalurgia, além do plano de expansão física da sede da instituição, no Largo de Roma. 

“Hoje, temos uma demanda crescente e não temos espaço físico para crescer na região onde estamos na Cidade Baixa. No plano da instituição, pensamos em um crescimento vertical, mas há uma limitação de altura (no máximo, quatro pavimentos para esse trecho da cidade). Há uma previsão para criação de novas torres de internação junto da Unidade de Alta Complexidade em Oncologia, mas para isso estimamos que precisamos de um recurso de R$ 25 milhões. Com isso, conseguiríamos aumentar em 500 o número de leitos”, explica Jorge.  Foto: Evandro Veiga/CORREIO Se, no passado, Irmã Dulce contou com a ajuda de grandes empreiteiros como Norberto Odebrecht para erguer as estruturas das Osid, Jorge hoje conta com  uma equipe que atua no gerenciamento de projetos e captação de recursos para tentar investir em melhorias de infraestrutura. 

Sérgio Lopes, o cuidador 

Uma das principais missões da vida do administrador de empresas Sérgio Lopes, 50,  é cuidar da ‘jóia da coroa’ deixada por Irmã Dulce. Está sob sua responsabilidade a gestão do Centro Educacional Santo Antônio (CESA), fundado pela freira em 1964 em Simões Filho para abrigar crianças em situação de vulnerabilidade.  Atualmente, o espaço abria 750 crianças em tempo integral.

“O Cesa era um orfanato que recolhia meninos em situação de vulnerabilidade na época que eram chamados de capitães da areia. Em 1994, virou uma escola em tempo integral. Mas a lógica é a mesma: fazer a transformação social na base”, explica Sérgio, que é gestor operacional das Osid. O centro tem uma parceria com o governo do estado e com a prefeitura de Simões Filho para se manter aberto. Além desses recursos, no local funciona o centro de panificação - que fabrica o panetone e o pão de Irmã Dulce. O Cesa tem um custo anual de R$ 12 milhões, mas só arrecada R$ 11 milhões com o dinheiro do governo e da venda dos pães.  Foto: Evandro Veiga/CORREIO Sérgio ainda é responsável pelas unidades hospitalares das Osid no interior do estado (Barreiras, Irecê e Santa Rita de Cássia), do complexo geriátrico no Largo do Roma, do centro de acolhimento de pessoas com deficiências, de atenção social e alcoolistas. 

“Estamos hoje oferecendo uma rede grande de serviços até mais do que poderíamos. Mas, Dulce faz pequenos milagres diários. O que mantém essa obra viva é a energia de percebermos que o grande milagre de Irmã Dulce é a obra que ela deixou”, explica Sérgio, que trabalha nas Osid desde 2005. Foi parar nas obras depois de atuar no Grupo de Apoio à Prevenção à Aids da Bahia (GAPA), em Londres e na indústria farmacêutica. 

Lucrécia, a médica 

A vontade da médica Lucrécia Savernini de Freitas, 47 anos, é fazer valer o desejo de Irmã Dulce de que as portas do Hospital Santo Antônio estejam sempre abertas para quem precisa. Porém, para manter a porta sempre aberta é preciso que a médica mantenha o mesmo jogo de cintura que a freira tinha a frente da unidade de saúde. Ao contrário de Dulce que - literalmente - pegava os médicos pelo braço e levava para atender no hospital, Lucrécia conta com a sensibilidade dos profissionais para que seja mantido o nível do atendimento.  Foto: Arisson Marinho/CORREIO “Eu, hoje, não posso pegar no braço de ninguém para atender pacientes de graça. Mas, contamos aqui nas Obras com muitos profissionais que já foram médicos residentes. Isso é muito importante porque esses profissionais sentem uma gratidão com a instituição e voltam para trabalhar aqui, mesmo recebendo um salário não tão atrativo”, explica Lucrécia, que é a gestora de saúde da Osid em Salvador. 

Ela é um exemplo vivo dessa gratidão com a instituição. Começou nas obras quando era recém-formada e hoje é responsável pela equipe com cerca de 2,5 mil profissionais de saúde - dentre esses, 330 médicos. “Hoje, somos referência nacional para alguns atendimentos como o tratamento do que é popularmente chamado de lábio leporino, através do Centro de Reabilitação de Anomalias Crânio faciais. Tem que fazer valer a história dela. Nós respiramos todos os dias a mesma inspiração que ela para que as pessoas continuem sendo assistidas”, ressalta a médica, que atua nas Osid desde os anos 2000. 

Sandra Ohlweiler,  a apoiadora 

Um ano após o falecimento de Irmã Dulce, Sandra Ohlweiler, 48, começou sua trajetória na instituição que foi seu primeiro e único emprego formal até hoje. Cabe a Sandra dar apoio na implementação de planos estratégicos e profissionais, assim como as ações de captação de recursos. À frente da  assessoria institucional e da coordenadora do programa de integridade e compliance (conjunto de ações para fazer cumprir as normas legais e regulamentares da instituição), cabe a Sandra substituir a atual superintendente Maria Rita, quando ela precisa se ausentar das Osid.  Foto: Arisson Marinho/CORREIO Formada em administração hospitalar com MBA em gestão financeira, Sandra explica que há um plano anual de captação de recursos. “Hoje o nosso maior problema é a captação de recursos. Pensamos nas mais variadas formas e ações para que consigamos manter o nível de excelência. Buscamos ajuda de emendas parlamentares, programas de incentivos e campanhas para estimular doações”, conta Sandra, que chegou nas Osid com 22 anos, após ter se formado no interior de São Paulo.