Somos todos suspeitos até que se prove o contrário

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  • D
  • Da Redação

Publicado em 1 de junho de 2019 às 06:40

- Atualizado há um ano

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O Facebook, uma das maiores redes sociais do mundo, utiliza o mecanismo de reconhecimento facial a partir das fotos postadas pelos seus usuários. Não é difícil encontrar um alguém que já tenha sido marcado numa foto publicada por um amigo. É o reconhecimento facial ali.

O sistema tecnológico é um mecanismo da identificação biométrica, operado por inteligência artificial, baseada no scaneamento do rosto. A técnica utiliza cerca de 80 pontos chamados como nodais da face humana - que nada mais são do que as distâncias entre os olhos, o comprimento do nariz, tamanho do queixo e a linha da mandíbula. Cada um desses pontos são medidos e armazenados num banco de dados, formando uma assinatura facial, uma espécie de RG - digital - da pessoa.

A tecnologia ultrapassou os muros sociais e tem, no entanto, se tornado um dos novos instrumentos de vigilância e Segurança pública. Isso já acontece em alguns países. Os métodos de identificação e individualização têm origem nos documentos de identidade civil e, em sua coirmã, a ficha criminal - que nasceram a partir da necessidade de controle social, proporcionada pelo surgimento da sociedade de massa formada pelo capitalismo industrial do século XIX. 

Voltemos ao Facebook, onde, segundo uma pesquisa realizada pela Universidade de Northeastern, na Califórinia, os algoritmos não só identifica, mas distribui os anúncios específicos para cada público. O exemplo, neste caso, é que as vagas de emprego e vendas de imóveis eram levadas a um público formado de 70 a 90% de homens e brancos. 

A ferramenta recém implantada pela Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP) viola o direito à intimidade e a privacidade, por impor a todos o scaneamento dos rostos e o cruzamento com o banco de dados com informações da Justiça Criminal, eliminando a noção de cidadania, operando numa lógica de suspeição generalizada, como ocorreram no Carnaval de Salvador e do Rio de Janeiro. 

Os interesses do Estado, contudo, não podem se sobrepor às garantias individuais, como propõe um monitoramento feito em locais públicos, 24 horas por dia. 

Nos EUA, funcionários da Amazon protestaram contra a venda da tecnologia de reconhecimento facial à polícia. O presidente da Microsoft publicou uma carta, em 2018, pedindo uma regulamentação do uso do reconhecimento facial, pelos governos e pelas empresas.

Alguns dados podem explicar. O relatório de 2018 do Institu AI Now, da Universidade de Nova York, emitiu um alerta em relação ao reconhecimento de emoção, uma subclasse do reconhecimento facial, que relaciona personalidade, sentimentos, saúde mental e envolvimento do trabalhador com base nas imagens ou vídeos de rostos. 

Entre tantos argumentos, a tecnologia pode ser utilizada, por exemplo, para a perseguição política de dissidentes ao sabor do grupo que esteja no poder. A prática atualiza a utopia do pai da Antropologia Criminal, Césare Lombroso, na qual o criminoso pode ser reconhecido pelos traços faciais. 

Para além disso, para onde vão? Como serão usados esses dados? Um caso a se pensar. Por trás da inteligência artificial que opera os programas de reconhecimento, é difícil não pensar que há a (grande) possibilidade de propiciar um cenário ainda maior de representação do racismo em Salvador, a cidade mais negra do país, onde mais da metade da população já é, com reconhecimento ou não, fadado à suspeita. 

A disseminação do reconhecimento facial e da tecnologia, a serviço da investigação policial, não deve autorizar a implementação de um Estado Policial, onde o sistema de vigilância parta do pressuposto de que todo mundo é suspeito - até que se prove ao contrário.

* Henrique Oliveira é historiador, mestrando em História Social pela Ufba e pesquisa a Institucionalização da Identificação Criminal.