‘Sorriso largo’: família e amigos se despedem de instrutor da FitDance morto com leptospirose

Instrutor e coreógrafo do FitDance morreu nesta quarta, vítima de leptospirose e insuficiência renal

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  • Yasmin Garrido

Publicado em 18 de abril de 2019 às 12:31

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Yasmin Garrido/CORREIO

“Barata conseguia transformar o triste no alegre”. Foi com essa frase que o professor Jader Santos, um dos coreógrafos do FitDance, descreveu o amigo Cleidson Salustiano Francisco dos Santos, 37 anos, conhecido por todos como Barata. Ele foi enterrado nesta quinta-feira (18), no Cemitério Campo Santo, na Federação, sob fortes aplausos e música, após morrer vítima de leptospirose nesta quarta-feira (17).

Na capela 8 do Campo Santo, uma multidão - com bonés, camisas e acessórios do FitDance - estava reunida para prestar a última homenagem ao amigo. Um dos sócios do Centro de Estudos FitDance (CEF), do qual o instrutor e coreógrafo fazia parte há 3 anos e meio, Mestre Nonga, disse que, quando Barata chegava no QG da empresa, “o astral de todo mundo mudava”.

“Imagine um ser humano diferenciado, que transmitia alegria, humildade. Ele era um dos melhores instrutores do FitDance. Fica, para a gente, a imagem de uma pessoa alegre, humilde, que amava a dança e a vida. O sorriso dele vai ficar sempre guardado em nossa memória”, disse ele.

E o sorriso de Barata era uma das características mais marcantes do coreógrafo. Para o professor Jader, o amigo “era um fenômeno, um ponto fora da curva”.

O assessor do FitDance e amigo de Barata, Jiovani Soeiro, descreveu ele como alguém que estava sempre disposto a ajudar o outro.

“Barata era um cara que o tempo inteiro vestia a camisa da empresa e estava disposto sempre a ajudar. É mais uma pessoa muito do bem que a gente perde. Ele estava o tempo todo sorrindo, ajudando, disposto a colaborar e somar”, destacou o amigo. Ainda segundo Jiovani, nos últimos dias de vida, quando já estava em coma no hospital, Barata conseguia sentir a presença de amigos e familiares.

“Nos últimos dias, a resposta que a gente tinha dele eram os batimentos cardíacos mais acelerados e fortes quando as pessoas queridas estavam perto. A gente sentia que ele ficava mais feliz por ter quem ama ali por perto. O que fica é a alegria dele, deixando a mensagem de que a vida é para ser vivida de uma forma mais leve”, contou.

‘Barata Show’ Unanimidade entre os amigos, o sorriso largo e a alegria de Barata eram inconfundíveis. O professor Jader, que o definiu como um fenômeno, disse que ele era o “Barata Show” e que fazia questão de levar essa alegria para as aulas, alunos, colegas e amigos do FitDance.

Por isso, durante o enterro do instrutor, além de cânticos religiosos durante o cortejo, a multidão que acompanhou o sepultamento com rosas brancas nas mãos, pediu para que o momento fosse de muita música. “É assim que ele gostaria de nos ver, cantando os pagodes que ele tanto gostava”, disse um amigo.

E não faltaram aplausos para Barata, que se misturaram com as palmas no ritmo das músicas cantadas durante e cerimônia. Uma delas foi ‘Saudade de Você’, da banda Filhos de Jorge. Em coro, todos cantaram (e se perguntaram): “E o que é que eu vou fazer com essa saudade? Oh, saudade de você”.

E foi com esse sentimento de saudade, ainda dolorido pela tristeza da perda, que familiares, amigos e fãs se despediram de Barata nesta quinta-feira (18). Para todos, vão ficar o sorriso largo e a forma leve dele encarar a vida. Instrutor e coreógrafo na empresa FitDance há 3 anos e meio, Barata foi vítima de leptospirose, tendo desenvolvido, por causa da doença, insuficiência renal e hemorragia. Ele morreu nesta quarta (17), no Hospital Couto Maia, onde estava internado.

Doença Com suspeita de resfriado e de Chikungunya, Barata nem chegou a descobrir a doença que tinha, já que entrou em coma um dia antes de morrer. Segundo amigos do instrutor, os primeiros sintomas apareceram no dia 31 de março. Com queixas de dor e febre, o coreógrafo procurou atendimento na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Brotas, onde recebeu atendimento médico, foi medicado e liberado.

Como não apresentou melhora e a dor piorou, ele retornou à unidade médica no dia 3 de abril. Tomou uma injeção para dor e foi levantada por médicos a hipótese de Chikungunya, mas nenhum exame de sangue chegou a ser feito para comprovar o vírus. Barata continuou, então, a tomar remédios para dor.

O CORREIO teve acesso a uma mensagem enviada por Barata em um grupo de WhatsApp, no dia 6 de abril. No texto, ele relatou aos alunos que estava infectado pela doença. "Boa noite, galera. Fui diagnosticado com Chikungunya. Estou fazendo tratamento com medicamentos e, se melhorar, já na segunda eu volto direto para a aula", escreveu.

O tratamento para a doença só começou, de fato, no dia 10 de abril, quando, ainda na UPA, Barata recebeu o diagnóstico da leptospirose. Essa doença é causada por uma bactéria chamada Leptospira, presente na urina de alguns animais. Embora geralmente associada aos ratos, a transmissão pode ocorrer por contato direto ou indireto também com a urina de outros animais, como bois, porcos, cavalos, cabras e até cães. Coreógrafo Barata morreu na madrugada desta quarta-feira, vítima de leptospirose (Foto: Instagram/Reprodução) Ao saber do diagnóstico, os médicos indicaram que ele fosse transferido para o Instituto Couto Maia, em Águas Claras, referência no tratamento da doença. "Ele recebeu um atendimento maravilhoso lá, mas desenvolveu insuficiência hepática aguda durante o processo e não resistiu", contou um amigo do coreógrafo. A morte foi confirmada por volta da 1h de manhã desta quarta (17).

Os sintomas da leptospirose e da Chikungunya, segundo o infectologista e professor da Faculdade Bahiana de Medicina, Robson Reis, são parecidos. Segundo ele, ambas as doenças manifestam sintomas como febre alta, dor no corpo e na cabeça.

Aumento de casos De acordo com o infectologista e professor da Faculdade Bahiana de Medicina, Robson Reis, a leptospirose é transmitida quando a água contaminada pela urina de animais entra em contato com a pele ou mucosas do corpo, como a boca e os olhos. Também é possível ser infectado colocando a boca diretamente em latas de refrigerante antes de lavá-las, por exemplo, e comendo alimentos contaminados - essa forma de contágio, no entanto, é rara.

O CORREIO levantou os dados de internamento em razão da doença registrados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de 2008 a 2018, no estado e na capital baiana. Há um aumento considerável dos casos nos meses de Outono, entre março e junho.

Entre 2008 e 2018, no Outono, Salvador teve 297 internamentos por sintomas da leptospirose - 62% dos casos na Bahia no período. No total de 10 anos, foram 757 casos na capital. Comparado ao restante do ano, nos últimos dez anos, 40,13% dos casos de leptospirose na Bahia aconteceram no Outono. Foram 1.191 casos no total - 478 de março a junho.

A proporção é igualmente alta quando comparados os números da Bahia com os da capital baiana. Em Salvador, durante 10 anos, foram 757 casos de leptospirose que levaram à internação da população em hospitais ligados ao SUS. Esse total corresponde a 63,56% das ocorrências de todo o estado no mesmo período.

Já na comparação dos registros da capital, dos casos registrados em 10 anos, 39,23% ocorreram ao longo dos meses de outono, quando são cai maior volume de chuva na cidade. Isso quer dizer, seguindo o que afirmam os pesquisadores do ISC/Ufba, que é possível pesquisar a relação entre as chuvas e o aumento dos casos de leptospirose na Bahia e em Salvador entre março e junho, meses de outono.

De acordo com o coordenador do serviço de infectologia da Faculdade de Tecnologia e Ciência (FTC), Antônio Bandeira, existem dois tipos de leptospirose. "No primeiro, os sintomas se assemelham à dengue. Febre, dor no corpo e na cabeça. Nesse, não há grandes riscos. O problema é quando ela evolui para o segundo estágio, com sintomas parecidos com a hepatite. O paciente apresenta olhos amarelos, insuficiência renal grave e hemorragia pulmonar. Nestes casos, a taxa de morte chega a 10%", explicou. Barata foi vítima do segundo caso.

Segundo a Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), o número de mortes aumentou no período de 2017 a 2018, no estado, saltando de seis para nove. Já em Salvador, como afirmou a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), no mesmo período, houve uma queda na quantidade de mortos por causa da doença, de seis para quatro. Barata é o quarto caso de morte por conta de leptospirose na Bahia em 2019, terceiro em Salvador. O outro óbito foi constatado no município de Boa Nova, no centro-sul baiano.

Ao CORREIO, o infectologista Robson Reis explicou que a doença pode demorar a se manifestar, graças à incubação da bactéria Leptospira no corpo. "A doença pode se manifestar de 1 a 28 dias após o contato com a bactéria. Leptospirose é uma doença que tem cura, tratamento específico com antibióticos e, na maioria dos casos, não causa grandes complicações. Mesmo assim é preciso ficar atento, se mantendo longe de enchentes, esgoto", destacou.

*com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier