Substância da Cannabis tem proposta semelhante à de um medicamento, diz Anvisa

Norma que determina liberação da venda em farmácias tem validade de três anos

Publicado em 8 de dezembro de 2019 às 06:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: Lilian Suwanrumpha/AFP

Ao autorizar a comercialização de produtos à base de Cannabis em farmácias do Brasil, a Anvisa estabeleceu um prazo de três anos para que a norma seja revisada. Até lá, as pesquisas tendem a avançar. Em consulta pública feita este ano, 67,8% das contribuições consideravam o impacto positivo e só 2,3% achavam negativo.“As empresas não devem abandonar as suas estratégias de pesquisa para comprovação de eficácia e segurança das suas formulações, pois estamos diante de uma situação em transição regulatória, uma vez que as propostas para os produtos derivados de Cannabis se assemelham às mesmas estratégias terapêuticas de um medicamento”, explica a Anvisa, em nota.O neurologista Antônio Andrade, do Instituto do Cérebro, comemorou a decisão da Anvisa, embora acredite que ela já devesse ter sido tomada. “A Cannabis não vive um passado nem o presente, ela vive o futuro e nós estamos atrasados 5 milhões de anos”, aponta.

A psiquiatra Eliane Nunes, diretora geral da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis (Sbec), considera a aprovação muito importante:“A gente precisa falar disso, da Cannabis medicinal, que não tem a ver com comprar maconha no tráfico. Ela trata uma série de doenças, como diabetes, câncer, autismo, doenças degenerativas do cérebro”, afirma Eliane Nunes.A substância atua no sistema nervoso e também tem efeito antiinflamatório. Os médicos destacam o uso religioso milenar da planta e o preconceito por trás disso. “Ela faz parte da religião de umbanda, do daime, do rastáfari e há preconceito sobre quem faz esse uso”, diz Nunes. Substância atua no sistema nervoso e também tem efeito inatiinflamatório (Foto: Lilian Suwanrumpha/AFP) O uso da planta foi proibido em 1937. Começou pelos Estados Unidos, com uma verdadeira ‘cruzada’ comandada pelo chefe do escritório federal de narcóticos, Harry Anslinger, que conseguiu convencer o Congresso de que a maconha induzia ao sexo promíscuo e a crimes violentos, como estupro. “Transformou uma coisa que já tinha uma tradição milenar, no tratamento de doenças reumáticas, dermatológicas e até epilepsia, em algo ilícito”, afirma Andrade.Hoje, ele acompanha 200 pacientes que fazem uso do óleo. “Examinei um paciente com Parkinson usando o produto há dois anos e ele hoje joga bola. Temos quatro pacientes com tumores usando, os resultado são excelentes, ele atua na neurogênese dos tumores, inibe até fator RNA do vírus da Aids”, declara.

Entenda a nova norma da Anvisa:

Como vai funcionar a regulamentação? Foi criada na Anvisa uma categoria chamada “produtos derivados de Cannabis”. Esses produtos receberão uma Autorização Sanitária para que possam ser comercializados no Brasil, exclusivamente em farmácias e drogarias. Além disso, tais produtos não poderão ser elaborados em farmácias de manipulação e a indicação será exclusiva de profissional médico. 

Quais formas serão aceitas? Os derivados de Cannabis poderão ser produzidos para administração via oral e nasal. 

Por que produto e não medicamento? A regra para o registro de medicamentos novos ou inovadores prevê a realização de pesquisas clínicas que sejam capazes de comprovar a eficácia, além de outros requisitos para o seu enquadramento como medicamento. O atual estágio técnico-científico em que se encontram os produtos à base de Cannabis no mundo não seria suficiente para a sua aprovação como medicamentos. A nova categoria vai permitir que os pacientes no Brasil tenham acesso a esses produtos. 

Quando a norma começa a valer?  Entrará em vigor 90 dias após a sua publicação. Somente após este prazo, a Anvisa começará a receber os pedidos de empresas interessadas em comercializar os produtos no Brasil.

Como será a prescrição? As regras variam de acordo com a concentração de tetra-hidrocanabinol (THC). Nas formulações com concentração de THC de até 0,2%, o produto deverá ser prescrito por meio de receituário tipo B, com numeração fornecida pela Vigilância Sanitária local e renovação de receita em até 60 dias. Já os produtos com concentrações de THC superiores a 0,2% só poderão ser prescritos a pacientes terminais ou que tenham esgotado as alternativas terapêuticas de tratamento. O receituário para prescrição será do tipo A, com validade de 30 dias, fornecido pela Vigilância Sanitária local, padrão semelhante ao da morfina.

Como ficam as importações?  As importações de produtos derivados de Cannabis, como o canabidiol, continuam autorizadas. Para a solicitação desta autorização é necessário acessar a página de serviços do Governo Federal neste link.

Quem poderá produzir? Empresas nacionais ou estrangeiras. Os fabricantes nacionais poderão importar a matéria-prima semielaborada para fabricação no Brasil. As empresas que pretendem solicitar a Autorização Sanitária do produto deverão ter:Autorização de Funcionamento de Empresa emitida pela Anvisa com atividade de fabricar ou importar medicamento; Autorização Especial; Certificado de Boas Práticas de Fabricação de medicamentos; Boas Práticas de Distribuição e Armazenamento de medicamento; Racional técnico e científico que justifique a formulação do produto e a via de administração; Documentação técnica da qualidade do produto; Condições operacionais para realizar as análises do controle de qualidade em território brasileiro; Capacidade para receber e tratar as notificações de efeitos adversos e queixas técnicas sobre o produto; Conhecimento da concentração dos principais canabinoides presentes na formulação, dentre eles o CBD e o THC, além de ser capaz de justificar o desenvolvimento do produto.