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Wendel de Novais
Publicado em 12 de maio de 2021 às 06:37
- Atualizado há 2 anos
Lotadas de filhotes de tartarugas recém-nascidos. Foi assim que cinco praias do litoral norte de Ilhéus amanheceram no último domingo (9). Ao todo, 700 tartarugas mirins faziam a tradicional caminhada entre seus ninhos e o mar ao longo do dia por lá. Destas, 592 eram tartarugas-de-pente e 108 eram tartarugas cabeçuda, espécie que até é corriqueira na região, mas não costuma dar as caras nessa época.>
De acordo com informações do projeto (A)mar, que monitora e preserva animais marinhos no sul da Bahia e encontrou a ninhada, não há registro anterior de nascimento da espécie em maio, pelo menos, nos últimos 15 anos. Isso porque as cabeçudas nascem, no mais tardar e em raras situações, no início de abril.>
Um nascimento que, para o projeto, pode indicar a ampliação do ciclo reprodutivo da espécie. Wellington Laudano, médico veterinário e coordenador de campo do projeto (A)mar, que monitora 240 km de litoral entre Maraú e Canavieiras, afirma que o acontecimento é uma alteração no que se costuma ver no ciclo das cabeçudas. "Ela é uma espécie que sempre desova na área que a gente observa, mas o nascimento não ocorre depois de março. No máximo, acontece no começo de abril. O nosso projeto, que tem seis anos, nunca viu nada assim e outros projetos, que têm 15 anos de existência, também não viram acontecer nascimentos de cabeçudas nesse mês", relata.>
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Calor para reproduzir Como Laudano explica, as tartarugas têm reprodução sazonal e o período em que sobem à areia para reproduzir é, normalmente, o mais quente. Segundo o (A)mar, podem existir vários fatores que influenciem na ampliação do ciclo e no aparecimento em maio. O mais é cogitado é a mudança climática, que fez com que meses de temperatura mais amena passassem a ter períodos tão quentes quanto no verão, época de ouro para a espécie desovar na areia. >
"Nos últimos anos, a gente tem percebido uma mudança no ciclo de nascimento na região. O que provavelmente mais influencia nisso são as mudanças climáticas. O aumento da temperatura alonga o ciclo reprodutivo das tartarugas, que preferem se reproduzir em temperaturas mais quentes, o que tem acontecido também no outono por aqui", conta Laudano. Tartarugas nasceram em praias do litoral norte de Ilhéus (Foto: Reprodução/Projeto (A)mar) Para Paulo Lara, biólogo da Fundação Projeto Tamar, o evento até pode ser fruto do aumento do calor, mas é necessário um período maior para que a hipótese se torne conclusão. "É preciso ter uma série de dados de, pelo menos, três décadas para afirmar isso. Essa é uma variação que pode acontecer naturalmente. A tartaruga poderia estar apta para desovar mais vezes e ficado um pouco mais, o que aumentaria a temporada. Agora, a temperatura pode ser um fator nesse aumento sim, mas só uma amostragem maior poderia dar uma certeza", alerta.>
Tempo de vida A ampliação do ciclo reprodutivo e o nascimento de mais filhotes da espécie pode parecer uma notícia positiva à primeira vista, mas pode não ser garantida. "Não dá pra saber se a extensão do período em que se reproduzem é positiva. Porque, se por um lado, elas trazem mais tartarugas para o mundo, por outro, as mães fazem um esforço maior do que é comum porque, como toda a espécie, as tartarugas passam por um desgaste para se reproduzir e isso pode reduzir o tempo de vida", salienta Laudano.>
O coordenador do (A)mar diz ainda que a ampliação pode ter efeito no número de ovos colocados pela espécie. "E, quando se amplia o número de ciclos, pode ser que ela tenha ninhadas menores. Então, ela pode fazer o processo de subir para pôr os ovos mais vezes, o que pode desgastar o animal e reduzir o número da ninhada. Por exemplo, no caso da tartaruga cabeçuda, normalmente, coloca 120 ovos e temos nesse nascimento 108, o que já é uma redução", conclui. Laudano cogita que o aumento na reprodução possa diminuir número de filhotes em ninhadas (Foto: Reprodução/Projeto (A)mar) Sobre isso, Lara diverge do que é dito por Laudano. Segundo ele, a ampliação não tem impacto na expectativa de vida da espécie. "A tartaruga vem quando está apta para desovar. Ela se alimenta e só vem quando está preparada para aguentar o tranco. Então, se ela está apta e se ajusta para fazer isso, o processo de reprodução não resulta em uma redução na vida dela. Quando o período de reprodução aumenta, elas podem estar aumentando o número de desovamentos porque estão ainda mais aptas pra isso. Como disse, há uma variação muito grande", afirma.>
Em 2020, contando as espécies de tartarugas que desovam na região observada pelo (A)mar - oliva, pente, cabeçuda, verde e de couro - o projeto registrou 75 mil filhotes nascidos, número que dobrou em relação a 2019, quando nasceram 30 mil. Mesmo com a chegada inesperada dos filhotes, para 2021, a expectativa é que esse número caia. É que a variação é comum já que existem temporadas melhores que outras pelo fato de que, quando uma tartaruga desova, ela só volta a fazer isso dois anos depois. Então, existem anos em que há mais tartarugas reproduzindo do que outros, o que gera uma variação de natalidade natural.>
*sob supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro>