Tempo de constituição ou de desconstituição?

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Publicado em 18 de maio de 2022 às 05:17

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Nos últimos dias, as quatro universidades estaduais baianas colocaram-se no centro da discussão político-jurídica no Estado. UESC, UESB, UNEB e UEFS abriram concursos para docentes do magistério superior, contudo, surpreendentemente, não aplicaram a política de cotas raciais estabelecida no Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa do Estado da Bahia e o respectivo decreto que preveem a reserva de 30% das vagas dos concursos à população negra.

Já causaria surpresa que uma universidade pública brasileira não previsse algum mecanismo de promoção da equidade racial em seus concursos, pois envolve a democratização do acesso aos cargos públicos e uma expressão da materialização da igualdade racial.

A surpresa converte-se em perplexidade quando recordamos que a Bahia é o estado de maior população negra no país, com movimento negro organizado longevo e atuante, que alcançou a inscrição legal das cotas raciais nos concursos públicos como medida de promoção à equidade racial e possui uma secretaria específica para essa temática, a Sepromi.

Além disso, a UNEB, foi pioneira no país na política de cotas para a graduação. Portanto, a necessidade de promoção da equidade racial no âmbito universitário não é novidade. O que levou, então, a que essas universidades tenham recuado em seu papel histórico na luta antirracista?

Expedita e exemplarmente, a Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo - única da espécie no país - recomendou que as universidades adequem seus editais para prever a reserva de cotas raciais com aplicação do piso de 30% sobre o número total de vagas ofertadas em cada edital e não por departamento ou área.

Esse episódio é revelador de uma adesão enviesada das universidades à política, com uma interpretação da legislação que  inviabiliza a aplicação da lei e uma negligência na organização do aparato administrativo para efetivá-la.

Assim se concretiza o risco contra o qual recentemente alertamos em artigo publicado pelo IPEA: a política de cotas raciais, a ser aplicada em concursos fracassará se o arcabouço institucional do serviço público não criar as condições para sustentação da igualdade material pretendida pela lei. Ou, como já disse frei Davi, desse modo, o direito administrativo desconstituirá o direito constitucional.

O tempo oportuniza aprendizado, mas também é uma medida severa que posiciona na história as decisões institucionais perante a luta (anti)racista. Esperamos que as universidades baianas não tardem a se reposicionar.

Lidyane Maria Ferreira de Souza e Maria do Carmo Rebouças dos Santos são professoras de Direito na UFSB.