Terapia na rede: entenda como funciona o atendimento psicológico online

Permitida desde novembro, a modalidade atrai cada vez mais pacientes

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  • Thais Borges

Publicado em 6 de janeiro de 2019 às 06:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: Almiro Lopes

A primeira demanda foi há três anos. Um paciente se mudou para São Paulo e não quis interromper o tratamento. Na época, a psicóloga e psicopedagoga Cláudia Cavalcante só atendia de forma presencial em seu consultório, em Salvador. Para resolver o impasse, recorreu à tecnologia e começou a fazer sessões por Skype, ferramenta gratuita que permite chamadas de vídeo e áudio.  Cláudia Cavalcante iniciou atendimento de terapia online há três anos (Foto: Almiro Lopes) De lá para cá, a demanda aumentou – a cada paciente que se mudava, mas queria continuar a se consultar, mais a lista de sessões online crescia. E foi assim que Cláudia passou a usar uma das plataformas digitais desenvolvidas para terapeutas. Em alguns sites, o paciente pode buscar o profissional e o atendimento pode ser totalmente virtual. Ou seja, ela pode atender pessoas que jamais verá na vida.“Você entra, escolhe o profissional que quer, de acordo com a linha de trabalho e a abordagem. O retorno tem sido extremamente positivo, tanto para os pacientes que já foram presenciais, quanto os virtuais. Têm pacientes que estão comigo há quase um ano”, conta Cláudia. A psicopedagoga estima que, atualmente, 15% dos pacientes já sejam atendidos virtualmente. Para ela, esse número deve crescer nos próximos anos, especialmente pela comodidade. Ela reforça, porém, que é preciso entender que a psicologia vai além da terapia e do divã, e que o contato presencial é importante. 

“Às vezes você abraça, pega na mão. O contato físico, esse olho no olho, é algo que a tecnologia não dá”, opina.

Clientes presenciais Para a psicanalista Maria da Conceição Nobre, o atendimento por Skype ou WhatsApp é natural. Até então, ela só teve experiências com pacientes que já atendia presencialmente. A primeira vez foi há dez anos e o cliente, um pesquisador, se mudou para fazer doutorado em Londres. 

“Ele quem instalou o Skype no meu computador. Eu nem tinha. Trabalhamos até hoje”, conta. Para ela, não há nenhuma diferença no atendimento online e presencial. “Conduzo (a sessão) da mesma forma que conduziria se a pessoa estivesse ali. Como são pessoas que eu já trabalhava, é normal”. 

Foi o caso da fisioterapeuta Layla Cupertino, 26 anos. Ela já fazia terapia presencial quando teve que viajar. No entanto, precisava de uma sessão com urgência. Por estar longe, sua terapeuta sugeriu que conversassem por Skype ou telefone. “Me senti reconfortada, porque não estava bem psicologicamente. Aí ela deu essa opção da terapia online, que funcionou, me ajudou bastante”, diz.

No começo, foi difícil. Ela diz que se sentia envergonhada quando estava de frente para a tela do celular, mas a psicóloga também ajudou nesse processo.“Ela me fez esquecer que a terapia era online. Começamos com assuntos leves e depois falamos sobre o que me angustiava”, lembra ela, que fez quatro sessões online. Somente na web A psicóloga Mariza Lencioni, hoje, atende exclusivamente online. Ela usa a plataforma Vittude, uma ferramenta digital que conecta psicólogos e pacientes – seja para buscar atendimento presencial na cidade ou para ter acesso ao consultório virtual, onde tudo é feito online. 

O consultório virtual é criado 15 minutos antes da consulta e depois é apagado. Ou seja, não fica nenhuma conversa armazenada em nuvem ou em máquina.

Psicóloga há 34 anos, Mariza trabalhou por 30 na área de recursos humanos. Em 2015, passou a atender em uma casa assistencial ou na casa de pacientes. Foi assim até agosto do ano passado, quando entrou na Vittude. Pacientes têm buscado cada vez mais atendimentos online (Foto: Divulgação) A primeira paciente foi uma moradora de Luís Eduardo Magalhães, no Extremo-Oeste do estado, de 43 anos. Ela tinha orientação de um médico para fazer acompanhamento psicológico, mas a cidade tinha poucos profissionais. Na internet, pesquisou por terapia online e encontrou Mariza.

“(A Vittude) é um site de fácil acesso. Fiz uma sessão e gostei. Não senti prejuízo em relação à sessão presencial. Consegui um horário flexível, com a comodidade da minha casa”, relata ela, que prefere não expor o nome. 

Hoje, Mariza também atende brasileiros que moram em Portugal, nos Emirados Árabes e na Inglaterra. 

Para tornar a sessão mais aconchegante, ela se apresenta por WhatsApp antes da primeira consulta.

Criada em maio de 2016, a Vittude começou apenas como uma plataforma para facilitar o atendimento presencial. A ideia veio justamente por uma necessidade da CEO da startup, Tatiana Pimenta, diagnosticada com depressão na época.

Ela precisava de acompanhamento profissional, recorreu aos psicólogos da lista do plano de saúde, mas não gostou da experiência. 

“Tínhamos a ferramenta de geolocalização e a gente foi desenvolvendo o atendimento online para dar acesso às populações que não tinham psicólogos”, diz, referindo-se a cidades pequenas. 

Hoje, a demanda online é bem maior do que o atendimento presencial. A Vittude conta com 6949 pacientes adastrados – desses, 155 são da Bahia. Ao todo, são 2469 psicólogos, sendo sete ativos em Salvador e 15 na Bahia. Há usuários de mais de 50 países – no caso, principalmente brasileiros que moram fora e estão com algum problema de adaptação ou sofrimento por estar longe da família.  Atendimentos presenciais não foram deixados de lado por parte dos profissionais (Foto: Divulgação) Resolução do Conselho Federal de Psicologia permite atendimento online  Desde novembro, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) tem novas orientações para a terapia online. As normas foram editadas na Resolução 11/2018, publicada em maio, e vieram ampliar uma resolução anterior, válida desde 2012. 

Uma das mudanças foi a limitação de sessões – até então, só podiam ser feitas 20, e apenas com orientações psicológicas. Agora, não há limite e é possível fazer consultas e atendimentos.  “A resolução foi elaborada para regulamentar uma prestação de atendimento que já acontecia. Até pela rapidez com que os meios de comunicação avançaram, isso foi entrando na vida das pessoas e dos profissionais, porque os psicólogos começaram a receber solicitações dos pacientes”, explica a psicóloga Rosane Granzotto, conselheira do Conselho Federal de Psicologia. 

O CFP percebeu que a resolução de 2012 estava obsoleta para a realidade atual e, um ano antes de publicar a medida, estudou a legislação internacional e trabalhos científicos feitos no Brasil. 

Outra mudança foi nas plataformas aceitas. Antes, era obrigatório ter cadastro em um site de psicologia para oferecer o serviço. Agora, é preciso ter também um cadastro individual junto ao Conselho Regional de Psicologia e sua autorização. “É importante para sabermos quem está oferecendo esse serviço, onde esse psicólogo reside, qual é o projeto de trabalho, qual é a tecnologia que usa. A ideia é garantir a qualidade técnica e ética do serviço”, diz Rosane.Até o fim de 2018, o CFP já tinha mais de 2,5 mil cadastros de psicólogos em todo o Brasil. 

Uma das formas de garantir a segurança do atendimento é que, no cadastro, o psicólogo especifique qual será a tecnologia utilizada e quais cuidados serão tomados para preservar o sigilo do atendimento. Após o cadastro, o CFP avaliará se as medidas são suficientes.“É exigido que o profissional use uma tecnologia que tenha criptografia e que o atendimento seja feito em um ambiente protegido, fechado, sem circulação de outras pessoas. Essa também é uma orientação para a pessoa atendida, para que ela se preserve”, completa Rosane. Pela resolução, crianças e adolescentes só podem ser atendidos online se o profissional tiver autorização, por escrito, dos responsáveis. No entanto, o CFP vetou consultas virtuais para emergências ou desastres; casos de urgência como crises e surtos; e casos de violência e violação a direitos humanos. 

“Isso é necessário porque uma pessoa que está vivendo uma situação dessas está vulnerável. Ela precisa de uma equipe presencial, inclusive que acompanhe a família. Exige acolhimento”, justifica a conselheira. "É necessário observar a formação técnica dos profissional de saúde', diz pesquisador O pesquisador e professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), Daniel Marques, cuja pesquisa de doutorado envolve cultura digital, novas mídias e privacidade, faz alguns alertas sobre a nova modalidade de atendimentos online no campo da psicologia. 

Para ele, é fundamental observar a formação técnica dos profissionais que oferecem os serviços por meio das tecnologias digitais. “Os profissionais são treinados para a relação face a face. É necessário adaptar as técnicas terapêuticas para o ambiente tecnológico, que não foram pensadas para isso anteriormente”, adverte.O especialista acrescenta que as tecnologias não devem ser apenas mediadoras da relação entre profissional e paciente. “Se as tecnologias variam, consequentemente, o sujeito ou paciente também muda. Isso pede o desenvolvimento de novas técnicas. Uma pessoa sentada numa poltrona não é a mesma que está no WhatsApp ou no Skype, por exemplo”, opina.

Além disso, o especialista ressalta a importância da desmistificação da tecnologia no meio profissional, até mesmo para que ela possa se desenvolver. “Há uma dimensão política em torno desse assunto que reforça o preconceito dos profissionais de saúde”. De acordo com ele, o uso desses artefatos pode, inclusive, facilitar o acesso às pessoas, principalmente as mais tímidas.* Colaborou Marina Aragão, integrante da 13ª turma do Correio de Futuro, sob supervisão de Fernanda Varela