Terreiro Ilê Axé Abassá de Ogum realiza ato ecumênico contra intolerância religiosa

Celebração ocorreu na Praça do Abaeté, em Itapuã, onde fica busto de Mãe Gilda de Ogum

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  • Eduardo Dias

Publicado em 28 de novembro de 2019 às 15:50

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

O busto da yalorixá Gildásia dos Santos, a Mãe Gilda de Ogum, no Largo do Abaeté, em Itapuã, completou cinco anos de instalação nesta quinta-feira (28). Para comemorar seu aniversário, o terreiro Ilê Axé Abassá de Ogum, hoje comandado pela yalorixá Jaciara Ribeiro, filha biológica de Mãe Gilda, promoveu um ato ecumênico para debater formas de combate à intolerância religiosa em Salvador. Em 2016, o monumento e o terreiro foram alvos de intolerância religiosa - na ocasião, ambos foram vandalizados e depredados.

O evento, que tinha como tema 'Heroínas de ontem e hoje', homenageou grandes nomes das religiões de matriz africana, como Dandara, Luiza Mahin, Mãe Gilda, Mãe Stella de Oxóssi e Makota Valdina. Em seu discurso, Mãe Jaciara relembrou o ato de vandalismo contra o busto de sua mãe, pregou o respeito entre as religiões e classificou o ato ecumênico realizado como um dia histórico.  "O que fizeram não foi apenas vandalismo, foi falta de respeito. Um busto que representa não só Mãe Gilda, mas sim a todas as mulheres de candomblé do estado da Bahia. Todos os terreiros da Bahia foram, de alguma forma, violados", disse Mãe Jaciara."Nós fazemos caminhadas, seminários, buscamos todos os mecanismos para tentar dar visibilidade e denunciar todo e qualquer caso de intolerância. Hoje, para mim, é um dia histórico, poder estar celebrando neste ato ecumênico, com todos os segmentos religiosos, as posições para o futuro, de como a gente pode coibir essa violência. É um ato de reparação, de amor e respeito, é um momento de luta e de resistência por um futuro melhor”, completou.

O evento contou com as presenças do padre Lázaro Muniz, da paróquia Santa Cruz do Engenho Velho da Federação, da pastora Sônia Mota, da Igreja Presbiteriana Unida do Garcia, que também é coordenadora da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese), a Suma Sacerdotisa Senhora Graça Azevedo, do Templo Casa Telucama de Bruxaria Tradicional, e a secretária de Promoção da Igualdade Racial do Estado (Sepromi), Fabya Reis.

De acordo com a pastora Sônia, é preciso acreditar no Deus do amor, que não permite olhar para o outro como um inimigo ou alguém que eu tenha que se combater. No entanto, é preciso falar mais sobre o racismo religioso do que intolerância religiosa.

“O reconhecimento da pluralidade é um princípio divino e a gente achar que todo mundo tem que pensar igual, que professar a mesma fé, adorar o mesmo Deus, é um desconhecimento desse Deus que é da diversidade e da pluralidade. É um desconhecimento também de todo princípio religioso, da espiritualidade que é o amor”, disse a pastora, que afirmou ainda se sentir privilegiada em participar desses espaços com forma de reafirmar sua fé. (Foto: Marina Silva/CORREIO) Já a Sacerdotisa Graça Azevedo revelou que a religião que segue sofre a mesma intolerância dos candomblecistas. Segundo ela, é preciso desmistificar a palavra bruxa e desassociar a palavra de algo ruim ou do demônio.

“Esses encontros são muito importantes e a nossa tradição já está inserida no Brasil desde 1900. Precisamos desmistificar a palavra bruxa, que na verdade significa sabedoria. Ser um bruxo ou uma bruxa é se tornar uma pessoa que busca conhecer tudo que tem a ver com a vida no planeta terra, toda a trajetória humana no planeta. Nós vivemos para a terra, por isso celebramos todos os elementos, todas as estações do ano em suas entradas e saídas, são nossos ritos sagrados. Nós nos aliamos a esses movimentos, principalmente os de origem africanas, porque eles também sofreram o que os nossos ancestrais sofreram", lembrou.

Para o padre Lázaro, as religiões possuem uma tarefa muito especial: ajudar na construção da paz e na edificação de um mundo melhor. Ele defende que as religiões não podem ser instrumentalizadas para se tornarem armas para matar uns aos outros.

"É uma honra poder estar num evento como esse, reunido com várias outras comunidades religiosas. Claro que nas religiões existem diferenças doutrinais, litúrgicas, de cultos, mas que devem ser respeitadas e usadas como instrumento de enriquecimento e complementariedade, uma coisa de uma religião para a outra, por mais que pareça estranho. A minha fé é para mim o que a fé do outro é para ele”, afirmou o padre.

Intolerância Mãe Gilda de Ogum se tornou um símbolo de resistência das religiões de matriz africana a partir de sua morte, em 21 de janeiro de 2000, quando sofreu um infarto fulminante após ver seu nome e foto veiculados no jornal Folha Universal, da Igreja Universal do Reino de Deus, chamando-a de "macumbeira charlatã".

Após o episódio, Mãe Gilda foi homenageada com o busto no Parque do Abaeté, que dois anos após sua inauguração foi vandalizado. A homenagem veio dois meses após o terreiro Ilê Axé Abassá de Ogum, no bairro de Itapuã, ter sido invadido e depredado.

Sete anos depois de sua morte, o Congresso Nacional aprovou, e o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 11.635, de 27 de dezembro de 2007, que criou o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. O marco ficou sendo justamente a data da morte da yalorixá.

À época, a Igreja Universal foi processada e condenada a pagar R$ 1,372 milhão de indenização à família da líder religiosa, referente a R$ 1 por jornal veiculado. O processo ficou 10 anos em curso, a igreja recorreu e conseguiu reduzir o valor para R$ 600 mil. Depois, a Justiça concedeu uma nova redução, desta vez para R$ 150 mil. Com os juros e correção monetária, os sete herdeiros de Mãe Gilda receberam cerca de R$ 260 mil - cerca de R$ 36 mil por filho. (Foto: Marina Silva/CORREIO) Combate à intolerância Em 2018, 141 casos de violação de direitos foram registrados pelo Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela: 84 de racismo e 47 de intolerância religiosa e 10 outros fatos correlatados. O Centro é vinculado à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado (Sepromi) e faz o levantamento de dados de denúncias de intolerância religiosa e casos de racismos registrados na Bahia.

Neste ano, no entanto, o número de registros, até o mês de novembro, deu uma diminuída. No total, são 130 casos, com 82 relatos de racismo, 39 de intolerância e 9 outros casos correlatados. O Centro de Referência começou a fazer o levantamento em 2013 e até a última atualização neste mês de novembro, cerca de 610 casos já foram registrados no total.  

O centro oferece apoio psicológico, jurídico e social a vítimas de racismo e intolerância religiosa no estado. O local também possui uma biblioteca especializada em relações raciais e realiza atividades formativas com o público interno e segmentos variados da sociedade civil.

À frente da pasta, a secretária Fabya Reis reforçou a importância de denunciar os casos através do telefone 071 3117-7448, onde o Centro de Referência Nelson Mandela tem apontado que todas as ocorrências de intolerância religiosa têm aumentado significativamente contra as religiões afro-brasileiras.

“Essa é uma ação para visibilizar e trazer à tona esse debate para as garantirias constitucionais do respeito e da diversidade religiosa do nosso estado. Nós, que apoiamos a laicidade do estado, precisamos visibilizar esse problema e apoiar, e estar lado a lado dessas iniciativas que pedem paz, respeito e a convivência inter-religiosa em todo o Brasil”, pontuou a secretária.

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier