‘Teve espaço para tristeza, mas a alegria tem sido predominante’, diz técnica que conseguiu se formar na pandemia

A alegria é uma das cinco emoções básicas; saiba mais sobre os sentimentos na pandemia

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  • Thais Borges

Publicado em 12 de junho de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução/Disney Pixar

Para lidar com os sentimentos da pandemia de forma saudável, devemos entender o que se passa. Na Psicologia, os 'estados afetivos emocionais' são justamente os sentimentos, emoções, humores e afetos. Apesar de serem tratados como sinônimos, não são a mesma coisa. 

As emoções do filme Divertida Mente de fato têm um papel importante para os humanos. Segundo a professora Sônia Gondim, do Instituto de Psicologia da Ufba, esses cinco estados - medo, tristeza, raiva, nojo e alegria - são as emoções básicas. 

Leia a reportagem principal: Quando seus 'divertidamentes' começam a brigar: entenda como ficam os sentimentos na pandemia

O CORREIO conversou com pessoas que estão passando por diferentes estágios desses ciclos de emoções e sentimentos. Confira, a seguir, dois relatos de pessoas que estão vivendo a alegria. 

‘Teve espaço para tristeza, mas, colocando tudo na balança, a alegria tem sido predominante para mim’, diz técnica que conseguiu se formar na pandemia

A técnica em eletrotécnica Victória Lopes Carvalho, 21 anos, realizou alguns de seus maiores sonhos na pandemia. Nem tudo foi felicidade: ela chegou a perder um tio para a covid-19 e viu o pai ficar à beira da morte pela doença. Mas, hoje, depois de vê-lo recuperado e vacinado, além de ter conseguido se formar e entrar no estágio dos sonhos, ela enxerga a vida de outra forma. 

“Eu cursava o curso técnico em Eletrotécnica no Ifba quando a pandemia começou. Faltava muito pouco para acabar, mas fiquei até setembro sem ter nada. Nesse início, foi um misto de ansiedade, tristeza e ócio porque fiquei totalmente dentro de casa, tanto que eu comecei a ter acompanhamento psicológico. Em setembro fiz as últimas provas e consegui passar, mas foi uma luta muito grande e tive muita insegurança de conseguir terminar. Mas fiquei com um sentimento de vazio, de muita tristeza em 2020. Para eu me formar, eu preciso fazer um TCC ou concluir o estágio. Eu realmente queria o estágio, porque tinha dúvidas se a área era o que eu queria. Comecei a mandar currículo para várias empresas, fazer entrevistas e não tinha sucesso. Você vai desanimando, desanimando. Mas passou um tempo e consegui passar um estágio na Coelba, que é o sonho de qualquer aluno que faz eletrotécnica. Essa conquista me deixou nas nuvens. Acabei criando duas empresas também, porque como estava parada em casa, precisava fazer algo. Meu tio é fotógrafo de aves e a gente teve a ideia de eu começar a vender as fotos deles emoldurava. Também abri uma empresa vendendo brownies, porque no Ifba eu vendia e o pessoal gostava bastante. Essas duas coisas me mantiveram com a cabeça no lugar. Eu adoro cozinhar. Passava um dia inteiro na cozinha fazendo os brownies, mas me deixava muito feliz. 

No dia 28 de outubro, viajei a Brasília com meus pais e meu irmão, porque a família de meu pai é de lá. Acabou que eu voltei por conta do estágio e eles, como estavam em home office, ficaram lá. Em fevereiro, eles pegaram covid e foi terrível porque meus pais e meu irmão são grupo de risco. Meu pai chegou à beira da morte porque é diabético. Minha mãe lutou em Brasília porque o plano deles não atendia lá. Ele não conseguiu ser internado, porque não tinha leito. 

Minha mãe levava ele para a UPA e só deixavam no oxigênio. Não teve nenhum auxílio, ele não foi assistido. Tivemos que contratar enfermeira particular e uma médica amiga da família foi orientando de longe. Foi um mês nisso e eu de longe, sem ter notícias o tempo todo. Fizemos até uma vaquinha para ajudar a cobrir os custos. Quem passou para eles foi um tio meu que contraiu e estava assintomático. Depois que meu pai melhorou, esse tio veio a falecer. Ele tinha 38 anos. Foi internado, intubado, passou sete dias na UTI e morreu há dois meses. Acho que minha ficha não caiu ainda porque, como ele morava em Brasília, apesar de termos muito contato por Whatsapp, eu não o via. Mas enfim, o que nos alegra hoje é meu pai estar bem, minha mãe estar bem. Meu pai foi vacinado na semana passada e é algo de emocionar por ver o que ele passou.  Uma das felicidades de Victória foi ver o pai superar a covid. Hoje, ele já recebeu a segunda dose da vacina (Foto: Acervo pessoal) Hoje, estou indo trabalhar presencial e está sendo incrível. Não consigo descrever o quanto o pessoal tem me ajudado em minha formação pessoal e profissional. Os pilares da minha vida hoje são minha família como um todo, meu relacionamento e meu trabalho. Antes, me via uma pessoa que não sabia o que eu queria, não sabia se ia conseguir me formar. Hoje, estou estagiando muito feliz, tanto que fiz o Enem para engenharia elétrica. Tudo abriu meus olhos pra continuar na área, almejar uma vaga lá dentro e fazer uma carreira. Estou conseguindo tirar a minha CNH graças ao estágio. Era um desejo meu desde que me conheço por gente, mas meus pais não tinham condições de pagar para mim. Com o estágio, eu mesma consegui pagar.

Nesse tempo, teve espaço para tristeza, para a perda. Mas colocando tudo na balança, hoje, a alegria tem sido predominante para mim. É muito gratificante ver onde eu estava no início da pandemia e onde estou agora. Me vejo crescendo, me sinto muito mais madura e responsável e eu não me via assim, até pelos transtornos de ansiedade e o princípio de depressão". 

'Hoje, tenho a alegria de ver esse negócio aberto, que era um desejo meu', conta funcionária pública que se descobriu agricultora no isolamento

A pandemia fez com que a funcionária pública Rita Santana, 54, fosse ficar temporariamente na zona rural de Itajuípe, cidade onde mora, em uma pequena propriedade da família. Com a neta, além da irmã e o irmão, com quem vivia, passou a ter uma nova rotina: de contato com a terra, plantando e cuidando da roça. Esse foi o ponto de partida para que ela conseguisse montar o negócio que tanto sonhava - daí o motivo da alegria. 

“No começo, decidimos ir para essa propriedade porque se fosse pra ficar trancada, era melhor ficar lá. Porque lá teríamos um plantio de cacau para andar, várias coisas pra cuidar. Calhou que minha filha mandou minha neta pro interior por conta também da doença e ficamos lá até setembro. Nesse tempo, eu estava me descobrindo uma agricultora, entendendo o gosto pela terra, por plantar e colher. E me veio também uma ideia de colocar uma loja, um empório na minha cidade. Tínhamos um ponto e eu acabei recebendo um dinheiro na época. Fiz uma reforma para isso.  Rita descobriu a paixão pelo cultivo da terra durante a pandemia (Foto: Acervo pessoal) Essa ligação com a terra durante esse tempo da pandemia me fez ver muitas coisas que eu teria dentro da minha propriedade que poderiam também me dar um lucro e ocupar meu tempo. Minha irmã já estava aposentada, meu irmão desempregado e só eu trabalhando. Tenho outro irmão também muito ligado a plantas, sendo que os meus dois irmãos são artesãos. 

Nossa mãe fazia muita coisa caseira como geleias, compotas, caponatas de berinjela e pimentas. Fui ligando isso tudo e passei um tempo botando no papel o que queria ter na loja. Comecei a conduzir nossa fazenda para esse sentido, plantando banana, construindo um galinheiro. Fui desenhando a fazenda para que ela trouxesse retorno pra loja. 

Abrimos o Empório Santana dia 23 de abril. É um local rústico, que fiz uma divisão. De um lado, as coisas minhas como café moído na hora, mel de abelha, molho de pimenta, cachaça, licor, geleia de cacau, hibisco, morango, cocada, mudas de planta, avoador, ovos de galinha caipira. Eu digo aqui é uma bodega, porque você encontra de tudo. Do outro lado, fiz a prateleira e coloquei os artesanatos de meus irmãos.  Rita (primeira à esquerda) conseguiu realizar o sonho ao lado dos irmãos (Foto: Acervo pessoal) Meu sentimento de alegria é por isso. Por ter conseguido conciliar os quatro irmãos em um local, sendo que dois não tinham trabalho.Um deles tem habilidade para fazer abará e a gente vende congelado. Nos finais de semana, eu vendo churrasquinho. Hoje, eu tenho uma alegria de ver esse negócio aberto porque era um desejo meu e também de conciliar com a fazenda e com a ocupação de meus irmãos. Tenho a certeza de que minha mãe e meu pai, que constituíram tudo na fazenda, estão felizes na minha imaginação. 

Não é que eu não tenha sentido medo por conta desses sentimentos. Sinto essas oscilações. O medo mesmo é algo que vai e vem. A gente tem apreensão ainda, mas meus irmãos já estão vacinados. Mas tenho sentido essa alegria de acordar de manhã, vender e tal, de estar realizando o que eu queria. 

E ao longo desse ano fiz terapia, aprendi a lidar com esses problemas de família e do cotidiano mesmo. Acho que devido à própria terapia tentei driblar e filtrar muita coisa, deixando só o que a gente não podia fugir. Comecei a terapia em 2018, mas acho que talvez essa minha resolutividade de fazer as coisas agora tenha sido graças a isso. 

E hoje uma coisa que também me ajuda muito é a minha religião. Faço minha oração, meu terço, vejo algumas palestras no YouTube. Nos dias agitados, quando tenho aqueles cinco minutos da minha oraçãozinha, eu me recentralizo e sigo. Eu já era católica, mas com a algo se intensificou dentro de mim".