‘Tô nem aí’: mesmo com proibição, pessoas se exercitam na orla de Salvador

Trecho que vai da Pituba até Boca do Rio foi interditado para conter avanço da covid-19

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 15 de maio de 2020 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Em apenas 30 minutos que o CORREIO permaneceu no calçadão da praia de armação, cerca de 10 pessoas passaram pela reportagem caminhando ou correndo, com trajes adequados para atividades físicas. O local faz parte do trecho de orla bloqueado pela Prefeitura de Salvador desde a quarta-feira (13), que vai da Arena Aquática, na Pituba, até o Centro de Convenções, na Boca do Rio. 

A ação faz parte de uma série de medidas restritivas que envolvem os bairros da Pituba e Boca do Rio, visando diminuir a contaminação pela covid-19 nos locais mais atingidos pela doença, na capital baiana. Só a Pituba, por exemplo, bairro que sempre liderou a lista de casos de coronavírus desde quando o levantamento da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) começou a ser feito – no dia 22 de março -, já tem 78 casos da doença. 

Mesmo assim, a realidade não intimidou alguns “atletas”, que continuaram a se exercitar na orla do bairro. Logo quando a equipe do CORREIO estacionou o carro, um homem sem máscara e de aparência idosa corria deferindo no ar golpes de boxe, em um sinal de represália pela reportagem feita. Perguntado sobre a proibição, ele gritou: “Tô nem aí” e saiu.

Uma mulher jovem, também sem máscara, foi flagrada pela reportagem ao redor do Jardim dos Namorados. Quando viu a equipe do CORREIO, ela até ameaçou em voltar, mas logo mudou de ideia e seguiu adiante. Outras pessoas não tiveram a mesma atitude e decidiram dar meia-volta quando viram a equipe do jornal.

Esse não é o caso do senhor Joel de Jesus, 65 anos. Mesmo com trajes de exercício físico, ele disse que não estava “treinando”. “Vou para a casa de um amigo na Boca do Rio. Como lá não pode circular carro, resolvi ir andando da minha casa, no Costa Azul, até lá. A orla seria o melhor caminho. Até passei pela fiscalização, mas eles não me falaram nada”, disse.  

Também com trajes de exercício físico e com uma garrafa de água na mão, uma mulher que pediu para não ser identificada disse que estava, na verdade, se exercitando em casa e que caminhava na orla em direção a um mercado. “Sou do exército e tenho que cumprir a lei”, disse, ao mostrar a identidade militar para o repórter.  Joel de Jesus caminhou tranquilamente pela orla (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Fiscalização 

A assessoria da Guarda Civil Municipal (GCM) informou que até os pedestres que não estejam se exercitando não podem circular na área interditada. "Solicitamos a travessia para outro ponto da pista, visto que a parte da praia está bloqueada". O órgão também informou que a fiscalização é feita em parceria com a Polícia Militar e que o número de pessoas abordadas não é contabilizado. 

"Durante o planejamento, foi identificado que a frequência de pedestres aconteciam em determinados horários, período em que houve a intensificação da fiscalização. Sendo estes das 6h às 10h e das 16h às 20h. Quando flagrados nas áreas proibidas, existe a orientação para saída. Lembrando que o tráfego de veículos não foi impedido, porém inserido bloqueios para pedestres e ciclistas na região", completa a nota.

O salva-vidas Alexsandro Silva, 46 anos, que trabalha no local, disse também que não tem o poder de fiscalizar, mas sim de orientar as pessoas em relação aos decretos estabelecidos. “Quem pode tirar alguém da praia ou do calçadão é a Guarda Municipal ou a Polícia. A gente só tem poder de ação no caso de afogamento”, disse.  

Ainda assim, o rapaz afirmou que se preocupa mais com as aglomerações em locais fechados do que na orla da cidade. “Acho que as pessoas necessitam se exercitar e penso que o poder público deveria fazer um plano para que os cidadãos consigam, com ordem e decência, fazer sua atividade com o distanciamento necessário”, disse.  

Uma mulher que admitiu que estava se exercitando e não quis se identificar afirmou que concorda com o fechamento da orla, mas que precisava fazer sua caminhada. “Tenho problemas no meu colesterol e glicemia que sobe caso eu não caminhe diariamente. Antes eu andava 1h por dia, agora diminuí para 25 minutos. Na casa onde moro, não tenho condições de me exercitar”, disse.   (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Ela também carregava um frasco de álcool e gel e usava máscara. “Tenho todo o cuidado com minha saúde. Acho que a prefeitura está de parabéns com as medidas e tenho consciência que estou sendo desobediente. Por isso, não vou me identificar”, completou.  

Além de pedestres, o CORREIO flagrou pelo menos 10 ciclistas que passavam pela orla. Alguns portavam mochilas e roupas características de trabalho. Já outros usavam trajes de exercício físico. Nenhum parou para falar com a reportagem.  

Na areia da praia, também foi possível ver uma pessoa se exercitando e, no mar, três jovens de 17 e 18 anos surfavam. O decreto municipal que proíbe circulação nas praias de Salvador está em vigor desde março de 2020. “Há mais de um mês, a polícia veio e pediu para a gente sair. Mas depois ficamos sabendo que não estava tendo fiscalização e voltamos”, disseram.  

Os três jovens são moradores do Stiep e praticam o esporte pelo menos uma vez na semana. Eles não quiseram se identificar e disseram ser contra as medidas de restrição nas praias. “Acho que, se colocarmos a máscara depois do surfe, não há problema”, disse.   

Para a médica infectologista da Secretaria Municipal de Saúde, Adialma Nizarala, a medida estimula o distanciamento social e, assim, diminui a contaminação do coronavírus na cidade. "Esse bloqueio na circulação inibe as pessoas que insistem em sair de casa para correr na orla", completou.  Um dos jovens surfistas não estava com medo da fiscalização (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) * Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro