‘Todo cortado, quase morro’, diz vítima de desabamento no atracadouro de Paripe

Estrutura caiu no mar e ‘sugou’ irmãos, que escaparam; embarque e desembarque agora só dentro d'água

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  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 4 de dezembro de 2021 às 19:14

- Atualizado há um ano

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A queda de um trecho do terminal hidroviário de São Tomé de Paripe, usado diariamente por moradores e turistas na ligação entre o Subúrbio Ferroviário e as ilhas de Maré e dos Frades, por pouco não acabou em morte, como relatam as próprias vítimas do acidente que era, segundo os usuários, uma tragédia anunciada. 

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Uma delas, Helinês Santos da Silva Freitas, 34 anos, por pouco não caiu na água com uma criança nos braços. “Absurdo! Absurdo! E se a gente está passando na hora?...”, comenta ela em um dos registros em vídeo que acabou fazendo da situação. “Alguém sem um bom preparo físico não teria conseguido sair”, sugere Helinês.

Quem não teve a mesma sorte foi o marido dela, Leonardo Gomes de Freitas, 37, que caiu com a estrutura de concreto e ficou bastante machucado em virtude das ostras que tornam o local onde a ponte cedeu uma parede cortante. 

Nativo da Ilha de Maré, ele, que caiu junto com outros dois homens – os irmãos Raimundo e Raílson – diz que são antigas as reclamações sobre a estrutura da ponte, que já mostrava toda a parte metálica e, há anos perdeu, os alambrados de contenção. “Todos os sábados, as pessoas passam por aqui com suas feiras, suas compras de mantimentos. Os pequenos comerciantes locais também trazem os produtos para vender na Ilha. O desabamento aconteceu justamente quando todo mundo já tinha embarcado e aguardávamos o embarque dos fardos de produtos. Foi um prejuízo grande e, por pouco, não houve uma tragédia maior”, revela Helinês, demonstrando ainda estar muito abalada com o acidente do marido.Com mais dificuldade para deixar a água, visto que acabou ‘sugado’ pelo vácuo que a estrutura de concreto provocou, ao cair na água, Raimundo de Góes Santos, 48, teve que se preocupar em salvar a si mesmo, o irmão, Raílson de Góes Santos, e o investimento do pai, dono dos carros pranchas que caíram na água com mantimentos na hora do desabamento.

“Trabalhando, eu sofri um acidente. Aqui todo cortado, quase morro. Faltou pouco. Meu irmão me chamando 'me salve, me salve', e o carrinho ainda ficou preso no meu ombro”, conta ele em um vídeo, após receber ajuda de uma embarcação.

Raimundo e Raílson estavam conduzindo dois carros de prancha (usados para transportar malas e mercadorias de passageiros), e que eram uma das fontes de renda do pai, que é idoso. Ele não mora em Salvador, mas resolveu ajudar o pai nesse sábado. Acabou tendo que ser ajudado.

“Tivemos muito prejuízo. Perdi celular, a chave do meu carro, o controle não está pegando, porque eu caí com roupa com tudo. Mas a minha indignação é que os poderes públicos viam uma situação daquela e não faziam nada. Hoje uma família poderia estar chorando, por causa das incompetências”, protestou Raimundo, ao afirmar que vai abrir uma ação judicial contra a Agerba (agência estadual que regula os serviços de transporte na Bahia).

Desembarque na água Com a interdição do acesso ao atracadouro pela Defesa Civil do Salvador (Codesal), na tarde deste sábado (4), o equipamento, que é de responsabilidade do Governo do Estado, deixa de servir às embarcações, o que obriga que as pessoas que fazem a travessia terão que descer dentro da água.

O barbeiro José Reis Santos, 50, morador de Ilha de Maré, aguardava a saída de uma barca na praia para voltar para casa, horas após o acidente. Ele disse que a situação é velha e que se preocupa com os usuários da travessia que vão precisar desembarcar, em Salvador, entre ondas. 

Apesar disso, disse estar aliviado pelo fato de o acidente ter ocorrido num dia sem grande movimentação, e por não ter feito vítimas mais graves. “Felizmente, essa queda não aconteceu em dia de semana, quando 300 estudantes passam por essa ponte para ir à escola”, mencionou.

O taxista Oscar Rapold, 58, tem família que mora em Botelho, na Ilha de Maré, e estava indignado com o que considerou um descaso com a população.“Muitos patrões não compreendem o funcionário chegar com roupa molhada por causa da travessia ou até mesmo não conseguir chegar quando a maré fica baixa, imagine como será agora”, lamentou.Edson Ribeiro, 36, que trabalhava na lanchonete do terminal, também reclamou da falta de atenção aos usuários. “Era uma tragédia anunciada. Ainda ontem falei para os meninos das canoas, que gostam de passar por baixo da ponte na maré alta, que tomassem cuidado porque tava vendo a hora de acontecer um desastre aqui”, comentou.

Posicionamentos O terminal hidroviário, que é de responsabilidade do Governo do Estado, está prestes a passar por obras de recuperação, tendo inclusive uma empresa contratada para fazer o serviço. Trata-se da Tecnocret Engenharia, que segundo a Secretaria de Infraestrutura da Bahia (Seinfra) “está atendendo as solicitações da Prefeitura para a liberação das licenças obrigatórias do serviço”.

O governo informou que, após o incidente, acionará a Tecnocret para que conclua os trâmites junto à Prefeitura. “Após a finalização da obra, a Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos (Agerba) fará a concessão do terminal, que deverá ser administrado pela empresa vencedora”, comenta em nota a Seinfra, ao lembrar que a empresa já tem autorização por parte do governo para início das obras. 

“O Terminal Marítimo de São Tomé de Paripe será interditado temporariamente para que os reparos sejam feitos. A obra não teve início até o momento porque a empresa vencedora, Tecnocret Engenharia, está atendendo as solicitações da Prefeitura para a liberação das licenças obrigatórias do serviço”, explica a pasta.

Também em nota, a Prefeitura lamentou o ocorrido e esclareceu que, “mesmo não sendo a responsável pela administração do atracadouro, tem acompanhado a situação do equipamento, estando sempre à disposição para auxiliar, dentro da competência municipal, para a resolução do problema.”

Ainda de acordo com a administração municipal, a Tecnocret Engenharia Ltda, responsável pela obra de recuperação do atracadouro, deu entrada no processo para a execução das intervenções, junto à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (Sedur), no dia 23 de julho deste ano.

“Quatro dias depois (27/07/2021), após análise realizada pelos técnicos do órgão, a secretaria solicitou alguns documentos que, até o momento, não foram apresentados pela empresa. A Sedur ressalta que o processo foi analisado com celeridade e aguarda apenas que as pendências sejam sanadas, por parte da empresa/governo estadual, para que haja o prosseguimento do processo”, explica o comunicado.

Ainda de acordo com a Prefeitura, no último dia 11, a Codesal fez uma vistoria no local e, através da avaliação técnica que constatou os sérios riscos causados pela falta de manutenção, foi informada a situação à Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) e à Seinfra estadual, “para a tomada das providências necessárias acerca dos riscos encontrados, com o objetivo principal de garantir a segurança civil e preservação da vida dos cidadãos.”