Todo julgamento é permitido na internet?

As redes sociais ocupam um espaço enorme na nossa vida. Postar, curtir, comentar - e nem sempre com cuidado. Tem gente que se acha no direito de falar qualquer coisa, abrindo espaço para debates intensos.

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  • Da Redação

Publicado em 26 de maio de 2019 às 05:15

- Atualizado há um ano

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Quem tem medo do tribunal do Face?

Já há algum tempo, o Facebook vem perdendo usuários no Brasil na mesma proporção em que o Instagram ganha novas contas. É um fenômeno parecido com a debandada que se deu do Orkut para o Facebook. Primeiro saem os mais antenados (os early adopters), depois aqueles que aguardam a sinalização dos antenados (os late adopters) e por fim é uma pororoca só. Sai todo mundo. 

Com o Facebook o processo está se dando de maneira mais gradativa porque é uma rede com múltiplas funções e quase uma internet dentro da internet. Mas qualquer analista de tendência percebe que tem alguma coisa errada quando os jovens abandonam um barco e o deixa pra o desfrute exclusivo dos tiozinhos e de pessoas com hábitos mais conservadores.

Nessa mudança do Facebook pro Instagram tem uma coisa bizarra. O Instagram foi uma rede criada para o compartilhamento de  fotografias, principalmente, e a maioria dos usuários que fizeram a migração não tem o hábito de fotografar, no máximo fazem selfies.

Embora goste de fotografar, eu uso as duas redes. O Facebook pra mim ainda continua sendo importante porque adoro escrever, criticar, julgar. As principais queixas formuladas pelos que abandonam o Facebook é que ele se orkutizou, se popularizou demais e virou um tribunal em que tudo passa pelo crivo de julgamentos rasos e rancorosos.

Apesar de reconhecer o rancor de alguns posts, não concordo com essa tese. Você é quem determina quem lê e o que lê nessa rede, então o problema está mais em você e no seu círculo bobinho de amigos. Quanto a ser um tribunal, por que não? Nas redes sociais é quase um crime de lesa pátria criticar (julgar) alguém ou alguma coisa. O criticado, ou seus defensores, sempre replica que o crítico é um ressentido, um recalcado, e que sua crítica é pura inveja.

Pra mim uma das principais funções do Facebook é a possibilidade de criticar fatos, pessoas, coisas que me incomodam. O defensor do criticado, sempre replica que a pessoa é uma ressentida, recalcada e que sua crítica é pura inveja. Que argumentação fraca. Qual o problema das redes sociais terem se tornado tribunais de julgamento e execução rápida? O problema talvez esteja na debilidade dos advogados de defesa que, diante da falta argumentos convincentes, preferem atacar o crítico em vez da crítica. Parafraseando Oscar Wilde: a aversão contemporânea ao tribunal do Facebook é a cólera de Calibã por não ver o seu próprio rosto num espelho. Ou talvez por vê-lo de uma forma diferente da que ele idealizou.

Maurício Tavares é professor de rádio na Facom-Ufba. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP

Pensar diferente  ameaça?

O pensamento do ensaísta Ortega y Gasset, em seu célebre estudo sobre as massas, nos parece mais do que atual. Para ele, a questão da psicologia das massas é pensada sob a ótica da segregação. Sua obra mais importante, A Rebelião das Massas, prenunciou que o mundo tomado pela técnica forjaria as bases para a criação do homem mediano, no qual cresceria o horror ao anormal e à exceção.

No pensamento de Ortega y Gasset, a massa é passiva, sem vontade nem critérios, o que leva à negação de duas das principais condições da democracia: a autonomia intelectual e a participação. Nesse panorama, o outro, o que pensa diferente, o que tem um modo de gozar diferente, torna-se potencialmente uma ameaça. E o século XXI tornou-se o século em que as tecnologias produziram a hiper-conectividade. A formação de bolhas é inexorável quando sabemos que o acesso às informações provém apenas de grupos que pensam igual. Impossível um julgamento isento.

O fenômeno é universal. A imprensa tradicional vem sendo substituída por um novo modo de acumulação e de formação de saber com o advento da internet a partir dos anos 90. Surge então, no planeta global, um novo dono do poder, o Gafam (grupo formado por Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft) que passou uma rasteira formidável e sem precedentes no que era o poder da mídia tradicional. As eleições definidas por Whatsapp são o exemplo mais frequente. O Gafam sabe tudo que você gosta... e não gosta.

Ora, os cálculos algoritmos decifram e devolvem a própria fantasia do consumidor, sempre mais do mesmo. Você quer ver mais  seus opositores agindo como selvagens? Mais você terá como gratificação pelo que procura.

Tudo isso se passa tendo como pano de fundo a própria indústria dos smartphones, que estimulam a venda incessante do maior objeto de consumo atual. Mais uma vez é o capitalismo que vence. É importante lembrar que é o próprio sujeito/consumidor que fornece seus dados de graça para o Gafam. Contudo, vale a pena lembrar de um ditado muito citado no mundo corporativo, não existe almoço grátis. Quando o almoço é grátis, é porque você se tornou a sobremesa. Não sou nem pessimista nem nostálgico do lampião à gás, mas julgamentos apenas devem ser feitos em espaços onde é possível uma verdadeira abertura ao outro, caso contrário estaremos apenas amplificando o poder destruidor dos linchamentos virtuais.

Marcelo Veras é psiquiatra, escritor  e psicanalista mmbro da Escola Brasileira de Psicanálise

Não há espaço para a execração

Se antes as pessoas já opinavam sobre a vida alheia, com a internet - e principalmente com as redes sociais - isso se amplifica e muita gente acredita que pode se expressar sem filtros. Muitos, inclusive, saem por aí destilando ódio e fazendo ‘piadas’ que desrespeitam e machucam. Reconheço a potência das redes sociais. Através delas, recebo diariamente mensagens de mulheres e homens que se inspiram nas minhas postagens, se empoderam e se sentem representados. Esse mesmo meio que une e conecta, paradoxalmente, é usado para difundir ideais pautados no ódio e na intolerância. Portanto, na mesma proporção das mensagens positivas, tenho que lidar com comentários gordofóbicos e preconceituosos.

Percebo que o anonimato e a falsa sensação de impunidade estimulam que usuários soltem as amarras socialmente construídas e compartilhem desenfreadamente pensamentos racistas, misóginos, xenofóbicos, entre outras formas de discriminação contra as minorias políticas - o que é inadmissível em um Estado democrático de direito que respeita os Direitos Humanos. A falta de informação, semente do preconceito, também é perigosa nas redes sociais e gera verdadeiras tragédias na vida real. Bullying, isolamento, insegurança, depressão, baixa autoestima, síndrome do pânico, ansiedade generalizada, automutilação e tentativa de suicídio são apenas algumas das consequências.

É fato que a liberdade de expressão é um direito de todos, mas também estamos sujeitos a responder por nossas declarações e opiniões. Essa liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique outra pessoa, como está redigido na própria Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Sendo assim, não há espaço para a execração.

Além do bom senso e do respeito às diferenças, boa parte das situações envolvendo preconceito e até discordâncias poderiam ser minimizadas com uma dose de empatia. Colocar-se no lugar do outro faz com que seja possível compreender as diferentes vivências. 

Quem cria e/ou compartilha conteúdos preconceituosos pode ser responsabilizado criminalmente. A Lei 7.716, de 1989, pune, com pena que pode chegar a cinco anos de reclusão, aquele que utiliza os meios de comunicação social, como a internet, para promover ódio e discriminação.

Denúncias também podem ser feitas de forma anônima no site da organização não governamental (ONG) SaferNet Brasil (safernet.org.br/denuncie) ou  diretamente no site do MPF (goo.gl/fRiQz8).

Naiana Ribeiro é jornalista, militante e influenciadora digital, criou a PLUS, 1ª revista para mulheres gordas do país

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