Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.
Da Redação
Publicado em 20 de junho de 2022 às 05:00
- Atualizado há um ano
Também escrevi em meu tempo cartas de amor, como as outras, ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. Assim como você, rasguei cartas ainda com a caneta na mão. Tanto as palavras esdrúxulas, como os sentimentos esdrúxulos são ridículos. Porém, muita gente escondeu e esconde seus textos e contextos amorosos não por achá-los bobos, mas por sentir medo.
O amor, quando é bem forte mesmo, costuma vir acompanhado do medo da rejeição. Mas não é desse temor comum que eu falo. Trato do medo de um julgamento severo, dos outros, de Deus, da família, dos amigos, de si mesmo. Abordo o risco de ser transformado ou se considerar piada, pecador, anormal, vergonha. É o receio de receber vaias, escárnio, levar socos, de ser expulso, ou até assassinado por amar.
Quem enfrenta esse medo pode tentar controlar o que passa no peito, mas o ego, o id e o super ego travam batalhas imprevisíveis com sentimentos reprimidos. Mesmo com tantos receios, normalmente direcionam-se as paixões para onde elas deveriam ir: a busca de felicidade. A cautela obriga a desenvolver estratégias para identificar quando o amor é seguro. A escondê-lo de terceiros. A escolher bem aonde ir, quando ir e com quem ir. O beijo do ano novo pode não acontecer junto com o dos outros, mas esperar até as 2 ou 3 da manhã.
Nem todos reagem da mesma forma. Alguns preferem enfrentar o medo de frente. Isso deve causar muitos problemas. Quantas pessoas amadas não devem se queixar? Seria vergonha? Seria covardia? O amor seria realmente amor? Por que escondê-lo?
Convenhamos que tornar público um amor proibido requer muita coragem. Devem ser anos de guerra silenciosa, até decidir ir a uma festa ou simplesmente passear na praia. A sensação de felicidade e liberdade desses atos pode ruir de repente. Mesmo em um grupo de 1000 pessoas, basta uma não conseguir disfarçar o próprio incômodo com a vida alheia para o pesadelo recomeçar.
Podem ser piadas e risos abafados de quem não tem inteligência para fazer humor. Podem ser insinuações, contatos físicos ... até vir a reação de quem não aguenta mais o preconceito. Mas a violência continua ainda quando a reação é seguida de respostas como “o mundo está chato... não se pode mais dizer nada... tudo é ofensa... também estão exagerando...” A alegria vira tristeza. Mas, sabendo elaborar bem, a humilhação agora não está na vítima. É do comportamento do agressor que precisamos sentir vergonha. O mundo tem que ficar mesmo chato, muito chato, para quem se julga no direito de discriminar. A agressão, afinal, também é fruto do medo. O medo que o agressor sente do amor e da felicidade dos outros.
Em nome daqueles que não toleram os intolerantes, gostaria de pedir desculpas. Não adianta que digamos que é apenas um pequeno grupo. Enquanto houver um capaz de agredir e enquanto houver um capaz de justificar a agressão porque “era apenas brincadeira”, “foi culpa da bebida”, “não foi nem assim” ou “não foi nada demais”, a culpa é de todos. Todos falhamos.
Desejo que homens que amam homens celebrem com seus maridos. Que mulheres que amam mulheres exibam suas companheiras. Que andem de mãos dadas. Que se beijem à meia noite em ponto. Deixem os pseudônimos, as vidas secretas para os poetas. Fernando Pessoa estava errado. Ridículas não são as criaturas que nunca escreveram uma carta de amor. Ridículo é agredir quem ama. Ridícula é a homofobia. Contem conosco. Os homofóbicos que se escondam.
Rafson Ximenes é Defensor Público Geral da Bahia