Todo o sentimento

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  • Kátia Borges

Publicado em 7 de setembro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Então há essa letra, essa música. E penso nela enquanto o mundo vira uma festa estranha com gente esquisita. Amar devagar e urgentemente, canta Chico no contraponto. Nessa dança não se escapa fácil de uma pisada nos pés. Poemas incapazes de dar conta, cartas de amor, por serem ridículas, talvez. O ritmo muda, perde-se o compasso. A banda atualiza o setlist. Dois pra lá dois pra cá enquanto o baile segue.

Há quem se adiante. Qual é o seu preço. Não há interrogações no título em inglês da rede social onde cerca de 30 milhões de pessoas participam de leilões online de encontros. Sutileza manda lembrança no universo sugar babies. Seus sites anunciam contatos nos quais a expectativa gira em torno de viagens, mimos e presentes. Relacionamentos honestos, dizem, negociações transparentes.

“Dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro”. Nelson Rodrigues cantava a pedra bem antes da naturalização das relações movidas a interesse. Objetos, afetos, juventude. Sobre a juventude, debruçaram-se os teóricos até envelhecerem. O conceito evolui, construção histórica, no contexto do pós-guerra, pujança que permite ganhar tempo, antes da profissionalização de cada espirro, numa moratória da vida adulta.

Nem todos podem, alguns forçam atalhos – the long and winding road não é para os fracos –, o patrocínio amoroso surge como um deles. Por trilha mais fácil, busca-se em inglês escamotear os termos. Expressões infantilizadas fora de contexto lembram os depoimentos das enfermeiras do Hospital Colônia de Barbacena em Holocausto Brasileiro. O abuso do diminutivo é a fuga da palavra.

Não é de se estranhar que o silêncio tenha peso num século em que até o zen é comercializável, cursos online por R$ 900 para aprender o desapego. Por falar em desapego, com cerca de R$ 60 mil é possível comprar um robô sexual com pênis ajustável. Há empresas especializadas nesses bonecos revestidos com pele sintética. Bordéis eletrônicos espalham-se pela Europa. Materialização de fetiches diversos, sexbots são parceiros que nunca frustram expectativas. Eis a chave do sucesso desses mercados em expansão. “Personalidade” via aplicativo.

Valores que oscilam entre mil e cinco mil ienes por hora movimentam outro nicho lucrativo, o aluguel de pessoas. Ironicamente, a primeira empresa do gênero, a Family Romance, foi criada no Japão e roubou o nome de um artigo de Freud sobre neurose. Seus produtores encontraram na segmentação uma estratégia de expansão, de modo que hoje oferecem a possibilidade de alugar pais, filhos, namorados, amigos, e poder circular com eles em público é uma vantagem em relação aos sexbots.

Mas há também essa letra de Chico (e o imprevisto de amar alguém).