Torneira aberta: especialistas projetam chuva até julho em Salvador

Quadro é resultado de uma combinação de fatores climáticos, incluindo o chamado Distúrbio de Leste

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  • Tailane Muniz

Publicado em 13 de abril de 2019 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO
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No Outono das folhas secas, vai sobrar chuva em Salvador. A fase de transição entre Verão e Inverno trouxe, além da diminuição da temperatura ambiente, característica do período, a sensação de que há um chuveiro aberto sobre a capital, onde o sol tem feito aparições tímidas. E os meteorologistas adiantam que a previsão é de que a torneira continue aberta até, pelo menos, os festejos do São João.   Desde o início da estação, em 20 de março, as chuvas têm dado pouca trégua aos soteropolitanos. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), abril registrou, até esta sexta-feira (12), 172,3 milímetros de chuva, quase 60% dos 295,7 milímetros esperados para todo o mês.

A explicação para o grande volume de chuva, mesmo nos dias em que o sol tem dado o ar da graça, não tem ligação nenhuma com o humor de São Pedro. Primeiro que, segundo o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), o período de março a julho é mesmo o que mais chove na Bahia.   Somado a isso, as águas do Oceano Atlântico, superaquecidas devido à quentura do Verão que acabou de terminar, colaboram para a formação de nuvens que são levadas por ventos úmidos até a faixa centro-leste do estado, especialmente nas regiões mais próximas ao litoral. É o caso de Salvador.

O Inema também explica que, apesar do mau tempo, o Outono tem algumas características típicas do Verão, como nuvens convectivas intensas - que provocam chuvas rápidas, mas intensas.   Em outras palavras, os especialistas explicam que o sol tinha tudo para estar brilhando, mas o mar, de tão quente, favorece a evaporação do ar e, consequentemente, as nuvens chegam à costa tão cheias de água que não tem jeito: a chuva cai sem dó. O Inema acrescenta que as chuvas deste período são, em geral, acompanhadas por raios e rajadas de vento. (Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO) ‘Fenômenos normais’ O mau tempo repentino, como o que ocorreu nesta quinta-feira (11), segundo especialistas, é causado pelo Distúrbio de Leste (DOL), ou Ondas de Leste, que, conforme boletins da Defesa Civil de Salvador (Codesal), tem sido recorrente na capital. A instabilidade climática é tropical e mais comum no Nordeste do Brasil. A previsão é de que ocorra com mais frequência até junho.    Assim como o fenômeno que provoca instabilidade no tempo, há mais fatores que explicam a chuva - as frentes frias e a aproximação de ondas de baixa pressão, afirma a meteorologista do Inmet, Cláudia Valéria da Silva.

“Os fenômenos, que têm ligação com a convergência da umidade do oceano e são normais, podem ocorrer simultaneamente ou não. Não há uma regularidade, só a probabilidade de que ocorram até julho. Tivemos um Verão bastante quente e a superfície do oceano está aquecida, o que traz as nuvens de chuva”, completa ela, que alerta para o aguaceiro que deve cair neste fim de semana.“São chuvas comuns e esperadas, apesar do aumento. Já temos 60% a mais do que era esperado para a média do mês e devemos ter chuvas mais fortes, quase diariamente, até junho. Depois, ainda vai chover por muitos dias, mas aí o volume já tem outra característica, já não tem tanta força”, explica.Para Cláudia, os soteropolitanos até podem programar uma praia, mas com a consciência de que, a qualquer momento, o tempo pode virar. “Não tem jeito, as pessoas precisam conviver com a chuva. Praia até dá, mas sol, aí eu não garanto”, destacou.

A previsão para o interior do estado, no entanto, é de redução da frequência da chuva, com ocorrências isoladas e em dias intercalados, principalmente no Oeste, região do São Francisco e Sudoeste, informa o Inema.

Transtornos Quando chega abril, o soteropolitano já sabe. O período chuvoso traz os alagamentos, deslizamentos e desabamentos como consequências mais frequentes na capital, de acordo com a Defesa Civil de Salvador (Codesal). As pessoas que moram nas 108 áreas de risco observadas pelo órgão devem ficar atentas. Só nesta sexta-feira (12), o órgão registrou, até as 17h, 165 ocorrências.   Foram 21 alagamentos de imóveis, um alagamento de área, 31 ameaças de desabamentos, duas ameaças de desabamentos de muro, 50 ameaças de deslizamentos, 12 árvores ameaçando cair, duas avaliações de áreas, 16 avaliações de imóveis alagados, dois desabamento de muros, dois desabamentos parciais, 17 deslizamentos de terra, cinco infiltrações, duas orientações técnicas, uma explosão e um destelhamento.

Nesta sexta-feira (12) à tarde, por exemplo, boa parte do telhado da Paróquia Conversão de São Paulo, que fica na comunidade São José Operário, em Fazenda Grande, cedeu. De acordo com a Arquidiocese, ninguém estava no local na hora do acidente. Só o que ficou intacto foi o altar.

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Segundo o diretor-geral da Codesal, Sósthenes Macêdo, as áreas com maior risco são as oito localidades onde estão instalados o sistema de alerta que emite um alarme aos moradores quando há risco de deslizamentos: Vila Picasso; Voluntários da Pátria e Rua Coronel Pedro Ferrão, na Baixa do Fiscal; no Lobato, Rua Mamede; região de Tancredo Neves; Tancredo Neves, próximo à BR-324; Bom Juá e Novo Marotinho.

O equipamento dispara quando, no intervalo de 72 horas, é registrado, na área, um volume de 150 milímetros de água. “Os distritos da Liberdade e São Caetano e Pau da Lima compreendem essas regiões. Essas são as áreas de miolo, onde estão os nossos maiores registros de altos e baixos”, afirmou.

Alto risco Nesta sexta-feira (12), equipes da Defesa Civil e da Secretaria Municipal de Promoção Social e Combate à Pobreza (Sempre) passaram a manhã catalogando imóveis e cadastrando famílias para o pagamento do benefício do Aluguel Social na comunidade conhecida como Vila Picasso, que fica em uma encosta entre as de maior risco de deslizamento de Salvador.   Cerca de 400 famílias residem na comunidade, tanto na parte alta da encosta quanto na baixa, na Rua Voluntários da Pátria. A Codesal orienta as famílias a deixarem o local em função dos riscos. Moradora da Vila desde que nasceu, a doméstica Maria José Barbosa, 44 anos, afirmou, no entanto, que não vai sair.    “Ontem (quinta-feira, 11) choveu muito e foi difícil, mas sair, eu não saio. Graças a Deus, apesar de tudo, minha casa não foi condenada. Porque é muito difícil para a gente ter que deixar tudo para trás. Sabemos do risco, mas não tenho escolha”, argumentou ela. Maria, que não é a única moradora que resiste a deixar o imóvel. Ela disse que conta apenas com a “fé que tem em Deus”. “Ele não vai deixar nada de mal acontecer para nós”, afirmou.   Segundo a responsável pela Coordenadoria de Prevenção e Redução de Riscos da Codesal, Gabriela de Morais, é comum que haja uma resistência por parte da comunidade emd eixar os imóveis. “Muitas vezes, eles já estão acostumados àquela rotina, às pessoas, aos vizinhos. Mesmo os que são contemplados pelo Minha Casa, Minha Vida, costumam optar por continuar no local”, comentou.   A coordenadora explicou, no entanto, que após as chuvas de abril de 2015, que ocasionou a tragédia do Barro Branco, na região da San Martin, há toda uma estrutura de prevenção de tragédias. “Todos os nossos dados são referenciados. Então, eu tenho como olhar no sistema onde estão as demandas, a concentração de solicitação, ameaças de deslizamento, desabamento, alagamento”, afirmou.  Prevenção e sinais de risco Depois que uma área de risco é identificada, uma equipe é escalada para ir até o local mapear a região. Lá, identificam as áreas de vulnerabilidade e qual é o tipo de risco. Todos os moradores são capacitados, de acordo com Gabriela, pelo Núcleo Comunitário de Proteção e Defesa Civil (Nudec), para que estejam aptos a identificar os ricos e saber como deixar a área da maneira mais segura, em caso de urgência.“Eles aprendem sobre defesa civil, existem também módulos de primeiros socorros, além das outras orientações simples que podem ser importantes para quem mora nessas áreas”, acrescentou a coordenadora.Gabriela disse, ainda, que há um mapeamento de ocupação das áreas. “Nesse documento contém o tipo de risco, se geográfico ou de construção, se há idosos ou crianças no local, se há possibilidade de evacuação imediata e, ainda, se há acessibilidade para o Corpo de Bombeiros ou Serviço de Atendimento Móvel de Urgência e Emergência (Samu). O mapa de evacuação é construído junto com os moradores, a gente realiza simulados com eles, além do sistema de alerta e alarme”, declarou.   Durante todo o ano, a equipe de prevenção realiza ações na cidade, garantiu a coordenadora. Neste período de chuva, no entanto, as ações aumentam. Conforme relatou o coordenador de Contingência da Codesal, Francisco Costa Júnior, pelo menos 150 vistorias técnicas têm sido realizadas em áreas de riscos, diariamente, desde o início de abril. Vice-prefeito Bruno Reis foi nesta sexta-feira (12) à Vila Picasso (Foto: Secom/PMS) “São 17 engenheiros responsáveis por essa vistoria, eles trabalham em regime de 24 horas por dia. Já são quase 2 mil vistorias desde o final de março. As demandas que vieram para a Codesal, somam mais de 3 mil”, destacou ele, acrescentando que a prioridade no atendimento de prevenção é para os casos de desabamento, deslizamento de terra, ameaça de desabamento e, por último, ameaça de deslizamento.   Francisco esclareceu, contudo, que quando a tragédia já está consumada, não há uma lista de critérios ou prioridades para o atendimento. “No momento que o alarme é acionado, por exemplo, o morador já sabe onde é o ponto de apoio e as rotas de fuga, para que ele possa sair em segurança. Nos lugares que não têm esse sistema, os moradores devem imediatamente ligar para a Codesal pelo 199”, orientou.   Embora a orientação absoluta seja que os moradores de áreas de riscos deixem suas casas, Francisco reconhece uma série de questões que dificultam a evacuação dos imóveis que, na maioria dos casos, são construídos de maneira inadequada. “Ninguém mora em encosta porque quer, mas porque precisa”.   Quanto aos sinais de perigo, o engenheiro comenta que eles são visíveis aos olhos de qualquer pessoa. “Quando o piso da residência  está afastando da parede espontaneamente, isso é um sinal claro de desabamento”. Se, na rua rua, árvores ou postes de energia elétrica têm inclinado, alertou Francisco, isso também pode ser um indicativo de que é hora de procurar um lugar mais seguro.