‘Tratava como filha, nunca fiz isso’, diz fotógrafo acusado de estuprar afilhada

Suspeito afirma ser vítima de 'armação' da mãe das jovens

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  • Tailane Muniz

Publicado em 27 de junho de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Betto Jr/CORREIO
Vítima relatou abuso a amigo em 2014 [passe para o lado] por Foto: Reprodução

Uma alegada ‘boa relação’ com a afilhada é o álibi do fotógrafo Agnaldo Alexandrino de Souza, 52 anos, para se defender das acusações de estupro contra ele feitas pela jovem atriz de 21 anos, e pela irmã dela, de 18. Com o apoio da mãe, a comerciante Cláudia Conceição Santos, 44, as duas denunciaram Agnaldo na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) de Periperi, em 15 de junho. As vítimas afirmam que foram abusadas pelo homem durante seis anos. Os abusos começaram quando elas contavam 6 e 8 anos. 

Em entrevista ao CORREIO, nesta quarta-feira (26), o fotógrafo se disse surpreso com as acusações e afirmou que tratava a afilhada como 'filha'. Por vezes, acrescentou, até melhor do que tratava o próprio filho biológico, um jovem de 24 anos. Ele confirmou que é próximo da família das jovens há cerca de 30 anos.“Ela sempre foi uma menina muito feliz e não passava na porta da minha loja sem que me desse um abraço. Só falava comigo com respeito, me pedia para levar ela nos lugares, como é que ela foi estuprada por mim? Eu não entendo”, comentou Alexandrino, sob aparente tensão.A atriz afirma que os estupros ocorrerram com frequência entre os anos de 2006 e 2012, sempre que ela e o suspeito ficavam sozinhos - no estúdio dele, em Marechal Rondon, em Salvador, na residência da família, no mesmo bairro, ou na casa do próprio Agnaldo que, por ser amigo da família, tinha a confiança de Cláudia. O suspeito, por sua vez, reitera que “uma pessoa que é estuprada não vai querer ficar perto do seu estuprador”. À reportagem, ele mostrou conversas dos últimos dois anos que sugerem uma relação amistosa entre os dois. O fotógrafo acredita que é o que vai provar sua inocência. Vítima afirma ter guardado o segredo por anos: 'A gente se sente suja' (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Eu não consigo explicação, o que mais me incomoda é minha afilhada, em especial, estar sempre indo ao meu encontro. Elas sempre estiveram na minha loja, as duas. Eu nunca troquei liberdade por intimidade”, disse Alexandrino, ao afirmar que é “um comerciante querido”.

Quando questionado sobre a frequência com que ficava sozinho com as vítimas, Agnaldo disse que a jovem já havia dormido em seu estúdio com ele, mas que, mesmo nessa circunstância, nunca 'tocou nas partes íntimas da jovem', como a atriz chegou a descrever em relato publicado pelo CORREIO.

O fotógrafo, que é representado por dois advogados, prestou uma notícia-crime contra Cláudia Conceição na 2ª Delegacia (Lapinha). Um dos responsáveis pela defesa do suspeito, o advogado André Queiroz explicou que o registro tem o objetivo de fazer com que a polícia investigue uma ameaça que o fotógrafo diz ter sofrido no dia 18 de maio, um dia depois, segundo ele, que a comerciante lhe pediu um empréstimo de R$ 25 mil. 

Agnaldo contou que um homem em uma moto lhe abordou, na frente do estúdio, e disse: “Sobre aquele dinheiro, os R$ 25 mil, você vai ter consequências”. O fotógrafo acrescentou, no entanto, que, embora a quantia fosse a mesma, não tocou no assunto com a comadre porque “não relacionou o motoqueiro” com Cláudia. “Não sei, na época, não dei importância a isso” disse ele, reafirmando que Cláudia “induziu as filhas” por dinheiro.  A comerciante Cláudia Conceição reafirmou estupro (Foto: Marina Silva/CORREIO) ‘Nunca pediria nem R$ 25’

A versão de Agnaldo dá conta ainda de que a comadre o convidou para um jantar na própria casa, no dia 17 de maio, quando teria pedido a quantia. O CORREIO voltou a procurar a comerciante, que mostrou à reportagem um áudio, da mesma data, onde o fotógrafo pergunta se ela está em casa.

"Vai sair? Se não for sair, se não tiver nenhuma programação em cima, vou levar uma costelinha aí pra degustar, junto com uma cervejinha, porque hoje é sextou, pode ser?", questiona ele, no arquivo de 26 segundos. De acordo com Cláudia, ela havia comentado com o então compadre sobre uma franquia de perfumes e chegou a sugerir que ele colocasse para vender no estúdio. 

“Jamais ia expor minhas filhas. Se fosse de inventar, falaria outra coisa. Não chamei ele aqui para jantar nenhum, não pedi R$ 25 mil e não pediria nem R$ 25, eu não preciso desse dinheiro, eu tenho crédito na praça, isso é mentira, essa história do motoqueiro também é mentira. Mas todo criminoso tem direito de defesa, e eu estou tranquila, que a justiça dos homens ou a divina seja feita”, afirmou Cláudia. Jovem foi abusada quando criança (Foto: Marina Silva/CORREIO) 'Ex-afilhada' de Agnaldo, como faz questão de destacar, a atriz também voltou a reafirmar o abuso e disse que o argumento do padrasto não é verdadeiro. Ela enviou à reportagem uma conversa que teve com um amigo, em 2014, quando relatou ter sido “estuprada quando criança”. “Isso é muito importante, porque tem data. Eu só não contei quem era o estuprador, mas falei com todas as letras. 

A vítima também voltou a comentar que tratava o padrinho “como se nada tivesse acontecido” porque “preferia estar por perto, para ver as coisas que ele fazia, do que longe”.“Eu sempre fui afilhada dele e demorei até entender o que acontecia. E depois disso, ele fingia que nada tinha acontecido e eu fingia também. Me afastei depois que contei a meu namorado e ele me pediu que cortasse qualquer conversa com ele”, afirmou, ao acrescentar que falou com Agnaldo, pela última vez, em 29 de abril, quando bloqueou o ex-padrinho das redes.Investigações e prescrição

Por meio da assessoria, a Polícia Civil afirmou que as vítimas registraram a ocorrência contra Agnaldo, que será intimado e ouvido. Ainda segundo a pasta, como não há possibilidade de exame de corpo de delito, já que as vítimas relatam que o crime ocorreu quando ainda eram crianças, o inquérito que apura o caso deve ser construído com base nos depoimentos das jovens e de familiares, além de versão do suspeito.

A Polícia Civil afirmou que, agora, cabe ao Ministério Público entender se há, ou não, indícios para que Agnaldo seja processado, ainda que não haja provas materiais. O trabalho da polícia se resume, reiterou a assessoria, em reunir as informações prestadas pelas duas vítimas. Não há outras ocorrências contra o fotógrafo. Procurado pela reportagem, o Ministério Público do Estado (MP-BA) pediu mais tempo para responder aos questionamentos.

A advogada criminalista e doutora em Direito Penal, Daniela Portugal, informou que apesar dos crimes terem ocorrido quando as vítimas tinham 6 e 8 anos, eles ainda não prescreveram.“Todos os estupros ocorridos entre 2006 e 2012 não foram alcançados pela prescrição. No caso dos crimes de 2006, por exemplo, quando ainda não existia a lei de estupro de vulnerável, o prazo prescricional seria 16 anos, ou seja, não estaria prescrito ainda assim, porque só terminaria em 2022”, afirmou.Ela destacou a aprovação da lei 12.650/ 2012, que alterou as regras de prescrição dos crimes de estupro. O prazo passou a contar a partir da data em que a vítima completa 18 anos. Já a lei 12.015/ 2009 trata do estupro de vulnerável e tornou as penas mais duras quando as vítimas têm menos de 14 anos.  

“Ela (lei de 2009) se aplica porque surgiu no meio da continuidade delitiva, então, já podemos trabalhar com crime de estupro de vulnerável, que é um crime mais grave. Já a lei de 2012 vai depender da data em que os crimes de 2012 ocorreram, porque os crimes de estupro são contatos um a um, mas, em tese, nenhum deles prescreveu ainda”, disse.

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Defesa

O fotógrafo definiu as acusações da afilhada como um “prejuízo irreparável” e comentou que precisou se afastar do bairro por medo. “Saí porque temi pela minha integridade física, porque ela chegou a ir lá para tentar quebrar minha loja. Não sei quando vou voltar pra lá, mas eu sei que tem gente que acredita em mim”.  

Ainda segundo o advogado André Queiroz, Cláudia não vai ter “como provar” que as filhas foram estupradas pelo cliente. “Como você mantém um diálogo amistoso com quem lhe tortura? Enquanto ela só tem os depoimentos da filha, nós temos várias pessoas que vão testemunhar a favor dele. Ele tem a solidariedade de muita gente, apesar de tudo o que ela fez para denegrir a imagem dele”, comentou, ao citar uma publicação onde, em seu perfil no Instagram, um internauta chama o fotógrafo de pedófilo. 

Também advogado do suspeito, Luciano Pontes disse que Cláudia registrou uma “denunciação caluniosa” e tem elementos para livrar o cliente. Segundo Luciano, logo que foi acusado pela mãe da vítima, o fotógrafo foi até a 4ª Delegacia (São Caetano), onde prestou queixa contra Cláudia. Os advogados afirmaram que pretendem mover uma ação indenizatória contra a comerciante.

“Eu só quero saber como ela vai conseguir provar tudo isso aí, trazer circunstâncias. Porque os depoimentos das vítimas têm força quando você tem provas circunstanciais que corroboram isso aí, e ela não tem”.

Quando questionado sobre o que acredita ter motivado a vítima a se expor, ao denunciar o estupro, Luciano Pontes se limitou a dizer que a “exposição pode ser favorável” à atriz, sem dar maiores indicativos do que ela ganharia com a suposta “armação”. 

Indagado sobre os visíveis sinais de nervosismo durante a maior parte da entrevista, já ao final, Agnaldo, aparentando certa tranquilidade, se limitou a dizer que levou 35 anos para “construir a imagem” do conhecido 'Bacana de Marechal Rondon', e que a acusação de estupro, por si, justificaria as mãos trêmulas .