Ufba inicia verificação de candidatos negros que concorrem às cotas

Procedimento começa quarta (30); é a 1ª vez que a Universidade confere declarações de alunos

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  • Yasmin Garrido

Publicado em 28 de janeiro de 2019 às 15:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/Arquivo CORREIO

Os cerca de 1.900 candidatos que se autodeclararam negros (pretos ou pardos) para concorrer a uma das vagas de cotista na Universidade Federal da Bahia (Ufba), para o semestre de 2019.1, e foram aprovados no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), passarão por uma comissão de verificação nessa quarta (30)  e quinta-feira (31). 

O procedimento, que antes só era aplicado no concurso para técnico-administrativo, serve para comprovar a veracidade da informação fornecida pelo candidato no momento da inscrição. A comissão, formada por cinco membros, mantidos em sigilo até a divulgação dos resultados, vai analisar o fenótipo do estudante, que vai ser filmado e fotografado, além de passar por procedimentos que permitem documentar e servir de instrumentos para recursos.

A medida, que atende à legislação e às demandas de movimentos sociais, foi aprovada pela Ufba em dezembro de 2018, por meio da Resolução nº 7, do Conselho Acadêmico de Ensino (CAE). O candidato que não comparecer nas datas e horários estipulados para cada curso vai perder o direito à vaga, uma vez que a verificação é presencial e intransferível.

O edital, disponível aqui, contém um quadro (anexo I), com o curso, o local, a data e o horário em que o aluno deverá comparecer à verificação.

De acordo com a pró-reitora de ações afirmativas e assistência estudantil da Ufba, Cássia Virgínia Maciel, “a verificação acontece pelo caráter fenotípico, e não por ascendência, pois entende-se que, no campo das relações sociais no Brasil, a questão do racismo focado no fenótipo é muito mais forte do que o racismo calcado em origem ou outros elementos, como religião e cultura”. 

A medida da verificação de autodeclaração foi tomada pela Ufba e por outras universidades também a partir dos casos de fraude ao sistema de cotas.

Procedimento A comissão de verificação, composta por membros da comunidade interna e externa com notória e reconhecida experiência na questão racial e ações afirmativas, vai analisar, individualmente, todos os 1.900 estudantes que se autodeclaram negros e foram aprovados pelo Sisu para vagas na Ufba - número médio divulgado pela Superintendência Acadêmica. A certificação será feita a partir dos traços e fenótipo do candidato, que deverá portar documento de identificação com foto.

O não comparecimento ou indeferimento no ato de aferição da veracidade da autodeclaração como pessoa negra (preta ou parda) implicará na perda da vaga reservada aos candidatos negros.“Eu acho importante frisar que a implementação dessa verificação é o cumprimento da lei, estamos fiscalizando para garantir que a vaga de fato vá para o público ao qual está destinado, que é o sujeito negro”, explicou a pró-reitora.Ainda segundo Cássia Virgínia Maciel, o racismo no país é estruturante e está presente em diversas camadas da sociedade, situação que se reflete em indicadores que atestam os piores índices de acesso a conforto, saúde e educação.

O edital aponta que os candidatos deverão chegar 15 minutos antes do horário estabelecido para a verificação, utilizando roupas e acessórios que não dificultem a identificação dos traços e fenótipos.

O documento ainda reforça que “não serão considerados quaisquer registros ou documentos pretéritos eventualmente apresentados, inclusive imagem e certidões referentes a confirmação em procedimentos de heteroidentificação realizados em concursos públicos federais, estaduais, distritais e municipais”.

A pró-reitora destacou que “o acesso à Universidade é um direito básico estratégico de qualquer família, de qualquer ser humano”. Além disso, de acordo com ela, “o acesso de pessoas negras no Brasil à educação foi completamente barrado”.

O edital de matrícula e todas as orientações sobre o ingresso na graduação da Ufba, datas das demais chamadas e documentação exigida estão disponíveis em: https://ingresso.ufba.br/.

Cotas Além da reserva de vagas para estudantes negros, a Ufba também tem cotas destinadas a deficientes, quilombolas, estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas, pessoas de baixa renda, indígenas, pessoas trans (transexuais, transgêneros e travestis) e imigrantes ou refugiados em situação de vulnerabilidade.

Cássia Maciel afirmou que, no total, 50% das vagas são destinadas ao público cotista e que não é possível afirmar a porcentagem específica para cada categoria. Ainda segundo ela, a única divisão que não tinha comprovação e verificação mais cuidadosa era a de pessoas que se autodeclaravam negras.“A gente tem como comprovar a declaração dos demais candidatos por meio de documentos. Mas, quanto aos negros, a gente confiava no que eles colocavam no momento do preenchimento da inscrição. Muitas vezes, havia discrepância nas informações e as vagas acabavam indo para quem não as merecia”, disse Cássia.Fraude A pró-reitora ainda destacou que a medida da verificação de autodeclaração foi tomada pela Ufba e por outras universidade também a partir dos casos de fraude ao sistema de cotas. Em agosto de 2017, a universidade abriu investigação, após notificação do Ministério Público Federal (MPF), sobre 25 alunos que teriam ingressado na universidade por meio de fraudes em cotas.

“A fraude não foi o único fato que motivou a criação da comissão de verificação, mas foi um ponto forte, porque não é justo que a lei seja descumprida e que a vaga de cotista vá para quem não tenha direito a ela”, disse.

Além disso, a Universidade se pautou pela portaria normativa nº 4, de 6 de abril de 2018 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, que regulamenta o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros nos concursos públicos federais, já que não existe ainda uma lei específica para acesso aos cursos de graduação.

Na esfera estadual, uma investigação iniciada pelo Ministério Público Estadual em 2014 resultou em oito alunos expulsos por suspeita de fraude em cotas reservadas para quilombolas (descendentes de escravos) na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).

As expulsões ocorreram entre março de 2016 e junho de 2017. Todos os estudantes são oriundos de Livramento de Nossa Senhora, município de 46 mil habitantes situado na Chapada Diamantina. Para ingressar na Uesb por meio das cotas, eles conseguiram um atestado de que pertenciam ao Quilombo da Rocinha, mas a própria presidente da associação do quilombo afirmou à Justiça que boa parte deles não morava lá.

Além de perderem o direito de estudar, os alunos também foram alvo de ações criminais na Justiça. Uma delas, Maiara Oliveira Freire, a primeira a ser expulsa, foi condenada em março de 2016 a dois anos de prisão em regime aberto. A pena foi revertida em cumprimento de serviços comunitários e multa.

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier