Ufba reduz ar-condicionado, telefone, obras e elevador para manter portas abertas

Viagens também serão controladas

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  • Da Redação

Publicado em 26 de setembro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Betto Jr/CORREIO

Há cinco meses operando com orçamento contingenciado pelo Ministério da Educação, a Universidade Federal da Bahia (Ufba) estabeleceu mais medidas para tentar economizar e manter os campi funcionando até o final deste ano e em 2020. Foi o quarto anúncio de medidas desde o final do mês de abril, quando o bloqueio foi anunciado.

Atualmente, cerca de R$ 53 milhões estão retidos — o equivalente a quatro meses de funcionamento da instituição. Para conseguir honrar as contas e manter as portas abertas, a universidade suspendeu dessa vez o uso do ar-condicionado, ligações telefônicas para celular, interurbanas e internacionais, aditivos de obras, incentivos para viagens de eventos, entre outros itens.

Sobre esta nova contenção de despesas, o vice-reitor da universidade, Paulo Miguez, disse que o cenário atual obrigou a administração a reduzir um conjunto de serviços.“A gente vem já há algum tempo tomando essas medidas, mas o ano de 2019 nos reservou uma situação ainda mais grave. A universidade é um organismo complexo e rico, a gente não tem noção do tamanho da Ufba, somos uma comunidade de 50 mil pessoas, então qualquer medida de reduzir coisas do cotidiano gera dificuldade”, afirmou.Se fosse um município, os cerca de 50 mil membros da comunidade da Ufba fariam com que a “cidade universitária” tivesse uma população maior que a de Caetité, por exemplo. Conforme Miguez, a diminuição das atividades da vida acadêmica foi chancelada pelo Conselho Universitário, que reúne toda a representação da Ufba.

A princípio, a administração não fiscalizará o uso ou não dos aparelhos restrito nas medidas e contará com o bom senso dos departamentos. 

Aparelhos desligados O desligamento dos aparelhos de ar-condicionado foi o que trouxe maior penar à comunidade acadêmica. De acordo com a portaria publicada nesta terça-feira (24), a partir de agora, só será permitido o funcionamento em laboratórios, museus, bibliotecas e salas sem ventilação natural. A proximidade com o verão preocupa o diretor da Escola de Teatro, Luiz Cláudio Cajaíba.“É uma estação quente, então sabemos que teremos muito calor. Isso cria uma sensação ruim nas salas, que implica na atenção nas aulas”, explica Cláudio.A universidade deve compartilhar o conhecimento, mas as medidas anunciadas vão suspender a concessão de passagens e diárias para participação em eventos, seminários e congressos. As exceções são quando um servidor viaja para representar a instituição ou para concursos. Prioridade da Ufba é manter as portas abertas, afirma Reitoria (Foto: Betto Jr./CORREIO) Para o Coordenador de Ensino de Pós-Graduação, Sérgio Ferreira, o apoio de custo nas viagens permite que o docente tenha contato com novas pesquisas e ideias. 

Recentemente a Ufba foi procurada para sediar um evento nacional sobre Engenharia Ambiental, mas, diante do cenário hostil, não pode firmar o compromisso.“Não tivemos como liberar as instalações porque não sabemos como a universidade estará daqui para lá. Em tempos áureos, estaríamos oferecendo tudo, mas um evento como esse demanda consumo de água, telefone, energia elétrica”, exemplifica Sérgio.De acordo com o pró-reitor de Graduação, Penildon Silva, as medidas foram estabelecidas com o objetivo de garantir a manutenção do ensino na universidade: “Estamos tentando economizar no que prejudique o mínimo possível. Estamos aguardando o anúncio do governo, que disse que desbloquearia os recursos. Não perdemos a esperança de normalizar as atividades. Nossa política é não paralisar a universidade”.

Sob pressão Estudante do curso de Geologia, Leonardo Linke enxerga que o bloqueio de recursos imputado à Ufba é uma estratégia do governo federal para pressionar a universidade a aceitar o Programa Future-se. “Isso são só os primeiros sintomas e a gente vai ficando cada vez mais restritivo”, argumenta.

Diretora do Igeo, a professora Olívia Oliveira conta que manter as viagens de campo exigidas MEC tem sido uma “ginástica orçamentária”:“A Reitoria tem envidado todos os esforços para manter os campos obrigatórios previstos na Ementa dos Componentes Curriculares”, declara Olívia.Na Escola de Administração só haverá ar-condicionado no auditório e na biblioteca. Desde o início do ano, o número de vigilantes que atuam nos prédios de Contábeis, Educação e Administração caiu de nove para seis.

O diretor Horácio Nelson Hastenreiter Filho ressalta que as contenções atrapalham o desenvolvimento. “Quando a gente pede terceirizados é porque queremos inovar, melhorar nosso processos. Quando ficamos só no osso, a gente não se desenvolve”, pontuou.

No início do mês, o MEC liberou R$ 614,4 mi para manutenção e custeio de 115 instituições federais, com prioridade para água, energia elétrica, vigilância, limpeza, terceirizados, aluguéis, assistência estudantil e restaurantes. Mas, segundo o vice-reitor da Ufba, Paulo Miguez, o valor não foi suficiente.

Frente a situação da universidade, os trabalhadores técnico-administrativos convocaram um ato para hoje, às 7h, na Faculdade de Arquitetura, seguido de plenária, às 9h, no mesmo local.

Veja as medidas adotadas e saiba onde elas impactam:

Suspensão de aditivos contratuais de obras, aquisição de bens, serviços e locações que impactem em aumento de valores nos contratos - Sem recursos, obras que estão paradas ou com velocidade reduzida vão permanecer assim. As que estão sendo tocadas normalmente devem continuar somente em caso de financiamento por outras fontes, como a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos, do governo federal) ou por emendas parlamentares.

Suspensão de aquisição de materiais de consumo, exceto destinados às atividades essenciais - Vai impactar na redução de diversos tipos de consumo, sobretudo de material de escritório, que terá itens com consumo racionalizado pela universidade.

Suspensão de eventos a partir das 17 horas e em feriados e finais de semana, exceto relacionados a atividades curriculares obrigatórias - Eventos serão remanejados pára outros dias e horários, uma vez que a partir das 17h o consumo de energia é maior e, a partir das 19h, é preciso pagar hora extra aos funcionários. O Congresso da Ufba será mantido, mas sem pagamento de bolsas e com voluntariado.

Suspensão de concessões de passagens e diárias para participação em eventos - A universidade só tem orçamento para a realização de concursos. Quem fazia viagens para seminários, congressos e afins não receberá passagem pela Ufba.

Suspensão de ligações de telefone fixo para móvel e restrição de ligações interurbanas e internacionais -  A universidade está presente em vários lugares do Brasil e do mundo por meio de acordos e trabalhos conjuntos de pesquisa, o que a obriga a manter contato regular com esses locais. A comunicação agora está restrita e serão usados meios alternativos. Algumas bancas de avaliação, por exemplo, já vêm sendo feitas com Skype, em caso de  examinador de fora.

Redução do uso de elevadores, ressalvado assegurar mobilidade de pessoas com deficiência - Os elevadores serão mantidos somente em áreas de saúde, onde é necessário o transporte para atendimento, e para questões de acessibilidade. Nos outros casos, deve-se usar as escadas dos prédios.

Desligamento de aparelhos de ar-condicionado, exceto em espaços sem ventilação natural e em laboratórios, museus e bibliotecas - Vai ficar mais desconfortável e mais quente, mas onde houver janelas, o ar-condicionado não será ligado, exceto se o uso for justificadamente imprescindível.

Débitos já causaram reflexos na limpeza e vigilância No início deste mês de setembro, os funcionários que trabalham na limpeza das áreas internas da Ufba receberam o aviso prévio por parte da empresa terceirizada Liderança, que mantém contrato com a universidade. Ou seja, os mais de 300 funcionários responsáveis por esse serviço só trabalham até o dia 10 de outubro. O anúncio foi feito pouco depois de vigilantes entrarem em greve.

Na ocasião, o CORREIO apurou que a dívida da universidade com a empresa terceirizada da limpeza era da ordem de R$ 13 milhões - em média, o quanto a universidade gasta durante um mês para manter o seu funcionamento. Antes do anúncio da demissão dos funcionários da limpeza interna, a Ufba já havia anunciado uma redução na metragem a passar por limpeza nas áreas externas.

Além do débito com o contrato da limpeza, a universidade tem divida com a MAP, empresa que detém o contrato de segurança. O total dessa dívida é de cerca de R$ 15 milhões e chegou a gerar paralisações e uma greve que foi encerrada no dia 29 de agosto. Vigilantes entraram em greve no final de agosto (Foto: Mauro Akin Nassor/Arquivo CORREIO) Os cerca de 380 vigilantes voltaram a trabalhar depois de dois dias, quando a Ufba pagou 11% da dívida com a empresa e prometeu pagar, ainda no mês de setembro, mais R$ 2 milhões. Com o pagamento, a MAP desistiu de prosseguir com o processo de suspensão dos contratos de trabalho que tinha sido iniciado em 16 de agosto.

Com a paralisação dos vigilantes, algumas atividades chegaram a ser suspensas, inclusive aulas no turno da noite em diversos institutos. Cerca de 11 mil alunos do noturno ficaram sem aulas no período. Os servidores já tinham cruzado os braços antes, no mês de maio, logo após o anúncio do bloqueio no orçamento.

Bibliotecas fechadas no final de semana Outro impacto provocado já pelas medidas da Ufba para economizar foi o fechamento de três bibliotecas aos finais de semana, além de mudança no horário de funcionamento durante a semana.

A medida foi anunciada na semana passada e afeta a Biblioteca Universitária Reitor Macedo Costa, em Ondina; Biblioteca Universitária de Ciências e Tecnologias Professor Omar Catunda, também em Ondina; e a Biblioteca Universitária de Saúde Professor Álvaro Rubim de Pinho, no Canela.

As três bibliotecas recuaram o horário de fechamento em duas horas, passando das 21h para as 19h, e deixaram de funcionar para empréstimo e leitura nos fins de semana.

Agora, a Biblioteca Universitária Reitor Macedo Costa vai funcionar de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h. Já a sala de estudos ficará aberta até as 21h. Nos finais de semana, o espaço fechará aos domingos e, nos sábados, abrirá só a sala de estudos, das 8h às 14h.

A Biblioteca Universitária de Ciências e Tecnologias Professor Omar Catunda, que atende aos estudantes de Matemática, Física, Química e do Instituto de Geociências, vai funcionar de segunda a sexta, das 7h às 19h. Aos sábados, vai fechar.

Já a Biblioteca de Saúde Professor Álvaro Rubim de Pinho vai funcionar de segunda a sexta, das 7h às 19h. Aos sábados, não abrirá. Em Ondina, duas bibliotecas tiveram horários alterados (Foto: Arquivo CORREIO) Entenda a situação das universidades federais A situação das universidades federais ficou mais complicada este ano após o final de abril, quando o Ministério da Educação anunciou um bloqueio nos orçamentos. A Universidade Federal da Bahia (Ufba) foi uma das três primeiras a ter o orçamento bloqueado.

Segundo a Reitoria, o bloqueio passa dos R$ 53 milhões, sendo R$ 48 milhões na verba de custeio e R$ 5 milhões no capital. O valor representa cerca de quatro meses de funcionamento - por isso, as medidas de economia anunciadas agora precisam garantir o funcionamento da universidade pelo menos até o final de 2019.

No final de abril, junto com a Ufba, também foram anunciados bloqueios no orçamento da Universidade federal Fluminense (UFF) e na Universidade de Brasília (UnB), sob o argumento de que havia balbúrdia nos campi e baixo rendimento - a despeito de as três universidades estarem entre as mais bem avaliadas da América Latina. Em seguida, o bloqueio se estendeu às demais universidades e institutos federais. Houve cortes em bolsas de pesquisa.

No início do mês, a Congregação da Faculdade de Direito aprovou uma Moção Contra os Cortes Orçamentários. Na semana passada, o governo federal liberou R$ 8,3 bilhões para órgãos e ministérios. A Educação teve R$ 1,99 bilhão, inclusive para pagamento de bolsas de pesquisa. O dinheiro, no entanto, não foi suficiente para o pleno funcionamento.

*Com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro