Um olhar social

Fundo de Combate à Pobreza é um dos legados de ACM

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 4 de setembro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo/Arquivo

Antes do Bolsa Família – que pode se tornar o programa Renda Brasil –, do Fome Zero, ou, num passado ainda mais distante, do Bolsa Escola, o Brasil precisou criar um Fundo de Combate à Pobreza, projeto apresentado pelo saudoso senador Antonio Carlos Magalhães (ACM) em 1999 e transformado em lei há 20 anos. Foi o líder político baiano, que hoje estaria completando 93 anos quem liderou a luta por uma emenda à Constituição (PEC), garantindo recursos no orçamento da União para os programas de transferência de renda. 

Em 18 de outubro de 1999, não se falava de outra coisa no noticiário político brasileiro. ACM, então presidente do Congresso Nacional e um reconhecido do líder do antigo PFL (atual Democratas), estava no seminário Caminhos do Desenvolvimento e Combate à Pobreza, promovido pelo Instituto Cidadania, ligado ao líder petista Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois políticos, em campos ideológicos opostos, discutiram juntos estratégias para promovera extinção da pobreza. Mas quando aquela notícia foi publicada, o baiano já tinha um longo percurso na luta contra a desigualdade e mais especificamente na PEC que criaria o Fundo de Combate à Pobreza. 

“Vamos nos unir. Esqueçamos nem que seja por algum tempo as divergências ideológicas ou partidárias para conseguirmos a grande vitória”, pediu ACM durante o encontro com os petistas. 

Projetos de transferências de renda eram costumeiramente apresentados no Congresso Nacional, entretanto dificilmente avançaram principalmente graças questões orçamentárias. Quando o político baiano pediu que a consultoria legislativa do Senado reunisse as mais de 500 ideias apresentadas por deputados e senadores, a coisa ganhou outro peso. Era o presidente do Congresso quem estava à frente. 

A engenharia econômica contemplou ideias de várias propostas apresentadas. O projeto para a criação do Fundo de Combate à Pobreza estipulava 21 fontes de renda, abrangendo praticamente todos os setores, com sete remanejamentos de verbas, criação de três impostos, aumento nas alíquotas de três outros, uma contribuição voluntária e sete novas fontes de renda, como os depósitos judiciais não reclamados após cinco anos. 

“Apresentei para ser criticado, para ser apoiado”, afirmou. Segundo ele, a iniciativa se deu ao constatar o aumento da desigualdade no país. “Não é um aumento para quem não pode, é um tributo para quem pode”, justificou senador.  “Crescimento econômico não é suficiente. Precisamos conjugá-lo com distribuição de renda. As ações (sociais feitas até agora), mesmo que louváveis, são tímidas, insuficientes. Precisamos ser mais ousados”, destacou o senador baiano. 

Articulação Ex-governador e atual secretário da Fazenda de Salvador, Paulo Souto era companheiro de ACM na bancada baiana no Senado quando aconteceu a articulação para aprovar o Fundo de Combate à Pobreza. “Ele mostrou que essa não era uma bandeira da esquerda ou da direita. (O ex-senador Eduardo) Suplicy tinha aquela ideia de um programa de renda mínima, mas foi Antonio Carlos, com todo o pragmatismo e a sua força de articulação quem conseguiu estruturar um fundo com recursos vinculados”, lembra, ressaltando a importância da vinculação: “Isso dava garantias de recursos no orçamento”. 

Com uma proposta bem construída, Souto lembra que a aprovação do projeto em 2000 era uma questão de tempo. “A esquerda iria ficar contra uma bandeira que sempre defendeu? O governo iria virar as costas para uma realidade como aquela? Eu acredito que faltava mesmo alguém com a capacidade de articulação dele”, ressalta. 

A aprovação do fundo não foi uma preocupação isolada de ACM com os mais pobres, diz Souto. “Ele sempre teve uma preocupação muito grande com os menos favorecidos e as expressivas votações que ele sempre recebeu deste eleitorado era um reconhecimento disso”, lembra. “Sempre teve esse olhar”. 

O ex-ministro e ex-senador Waldeck Ornelas conta que o líder político baiano percebeu a oportunidade de avançar na solução de um problema que era sempre discutido. “Sempre se discutia a questão da pobreza, das desigualdades, mas não havia um dispositivo neste sentido”, lembra. “O governo federal não queria aprovar isso na época. Teve que acontecer uma grande negociação e o empenho pessoal dele, que foi totalmente direcionado para esta causa”. 

“O fato é que o Fundo de Combate à Pobreza posteriormente acabou servindo de base para viabilizar o Bolsa Família, já no governo Lula”, recorda-se Waldeck Ornelas. “Na gênese da institucionalização das políticas sociais, está o Fundo de Combate à Pobreza”. 

Ele lembra que foi ACM, quando governador, foi quem desapropriou imóveis na Avenida Luiz Tarquínio. “Aquilo foi algo inclusive inspirado nos socialistas utópicos”, ri. “Tinha uma fábrica ali e defronte a Vila Operária. Ele desapropriou e doou aos moradores. Sempre foi um grande realizador, de grandes projetos, mas brigava tanto pela petroquímica quanto pelas causas sociais. Tinha uma visão bem abrangente em relação às necessidades das pessoas”, diz.  “Tinha um olhar diferenciado, não ideológico, para as necessidades da população mais pobre do estado. As pessoas mais simples se identificavam com ele”. 

Foi de ACM a iniciativa de urbanizar o bairro dos Alagados, erguido sobre palafitas na década de 70. No dia 18 de dezembro de 2006, em um discurso na tribuna do Senado, ACM lembrou com orgulho desta obra, em meio a outras das suas realizações.

 “Os Alagados, aquelas palafitas, onde se morava praticamente em um mar de lama, tudo isso foi recuperado, e hoje pode-se ir ao Alagados”, lembrou completando com outras obras na área habitacional, como “a retirada das invasões, das favelas, transformando-as em jardins e parques excelentes na cidade de Salvador”.

Waldeck Ornelas lembra que a Bahia era extremamente pobre quando ACM foi governador pela primeira vez. Não tinha água, nem energia ou escolas na maioria dos municípios. “Ele conquistou muito apoio com base na percepção de que o governo tinha que satisfazer essas necessidades básicas e eram coisas que dava qualidade de vida para as pessoas”, afirma Ornelas.

Dez anos depois, o  Fundo se tornou  permanente Os recursos do Fundo de Combate à Pobreza ajudaram a saciar a fome de muitos brasileiros, ajudaram a desigualdades, mas o desafio não se encerrou em dez anos – período estabelecido inicialmente para a vigência da iniciativa. E coube ao então senador Antonio Carlos Júnior, presidente do Conselho da Rede Bahia e filho de ACM, trabalhar para tornar permanente a iniciativa liderada pelo pai. 

“O meu trabalho foi muito mais simples que o dele porque quando eu propus a prorrogação já havia uma consciência da importância de prorrogar aquela iniciativa”, lembra Júnior. Ele explica que ter a garantia dos recursos no orçamento foi o que permitiu programas com longa continuidade. 

Para ele, da criação do fundo para cá houve uma evolução no pensamento político brasileiro em relação ao combate à pobreza. “Qualquer pessoa vai reconhecer que ainda há muito por fazer neste sentido, mas é preciso reconhecer que de lá para cá tivemos iniciativas de diversos governos com avanços neste sentido”. “Fernando Henrique criou programas neste sentido, o Lula ampliou e agora estamos diante de mais uma ampliação, com o Renda Brasil”, destaca.