Um olho no passado, o outro no futuro: engenheiro recria imagens históricas de Salvador

Floro Freire cria painéis de até 23 metros que revelam a Salvador dos séculos XVIII e XIX

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  • Roberto Midlej

Publicado em 1 de dezembro de 2019 às 06:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

O  engenheiro eletricista Floro Freire, 69 anos, vive com um olho no passado e outro no futuro de Salvador. Atualmente, desenvolve dois trabalhos muito relevantes: o primeiro, voltado para a memória e para a história da cidade, é a criação de pinturas realizadas digitalmente baseadas em fotos antigas da cidade; o segundo, voltado para o futuro da capital, apresenta soluções para a ocupação e desenvolvimento do Centro Histórico.

Nascido em Itambé, no interior do estado, Floro estudou arquitetura, mas não se formou, antes de graduar-se em engenharia elétrica. Depois de trabalhar na Coelba (Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia), foi presidente da Prodasal (Companhia de Processamento de Dados de Salvador), durante a prefeitura de Mário Kertész, que administrou a cidade entre 1986 e 1988. Foi naquela época que Floro passou a se interessar mais pela cidade.

O engenheiro já notava que a beleza de Salvador, sempre muito propagada pela mídia, não era verdadeiramente conhecida pelos baianos, principalmente por falta de registros, segundo ele. "O registro mais fiel da cidade é o de Diógenes Rebouças [arquiteto que realizava pintura documental e morreu em 1994, aos 80 anos]. Há também Mendonça Filho [artista plástico] e ainda outros, mas não na qualidade de Diógenes", ressalta Floro, que reconhece o arquiteto como um dos inspiradores de seu atual trabalho.

Memória Preocupado com essa falta de memória, foi em 2005 que ele criou o embrião de seu trabalho atual, a criação de painéis que dão uma visão panorâmica da cidade. Preparou, para uma exposição no MAM, alguns desenhos (feitos no computador) que retratavam a antiga Salvador, além do vídeo Retratos de um Tempo, que mostrava as pinturas acompanhadas de textos do antropólogo Antonio Risério, lidos pelo próprio Risério.

Mas na época Floro teve que se apressar para que a exposição ficasse pronta a tempo e, por isso, os painéis não tinham os detalhes que ele desejava. Foi por isso que, mesmo após o fim da mostra no MAM, decidiu aprimorar o trabalho e até hoje se dedica a isso. Com base em fotografias antigas, Floro recria digitalmente a Salvador do início do século XIX até o início do século XX.

O que mais impressiona é o nível de detalhismo alcançado. Com um computador ultramoderno, de 64 gigabytes de memória RAM (o computador de uso pessoal não costuma ter mais de 8 giga), ele é capaz de pintar separadamente cada telha de uma casa ou cada folha minúscula de uma planta que aparece em suas criações. É isso que permite a ampliação desses trabalhos, que, impressos, podem chegar até a 23 metros de comprimento, sem perder o detalhismo. "Pinto até o pólen de uma flor e as nervuras de uma folha", diz, orgulhoso, Floro. Um dos painéis criados por Floro (Foto: Divulgação) Foi com base em quatro ou cinco imagens que estavam no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, de autoria do fotógrafo Gonçalves, que Floro criou seu primeiro painel de grande dimensão, que mostra como a cidade era em 1908. Hoje, há uma reprodução na sede da Odebrecht, na Avenida Paralela, com 16 metros de comprimento. A imagem vai desde o Monte Serrat até a Barra.

Multimídia E o sonho dele é ver esse e outros painéis espalhados pela cidade, ao alcance de todos, para que os soteropolitanos conheçam melhor a história da primeira capital do país. Além dos painéis impressos em dimensões muito grandes, ele deseja criar uma versão multimídia de seu trabalho: "O interessante é que a pessoa possa tocar em cada parte da cidade e aí ouvir a história daquele lugar, saber como se vivia naquela época".

Para Floro, os desenhos deveriam ficar em locais que ele chama de "portas de entrada" de Salvador, como o Aeroporto, o Centro de Convenções ou as estações de metrô. "Tem que ser em lugares onde circule muita gente, não só turistas, porque o turismo não é o principal deste trabalho. O principal é o povo, que, se não tiver conhecimento de sua terra, nunca vai ter aquilo que chamamos pertencimento, uma coisa de ser baiano e de conhecer sua história. A gente precisa ensinar história ao povo, mas a história real".

Atualmente, já são sete painéis desenhados, prontos no computador. Há ainda um oitavo em desenvolvimento, com base em fotografias do suíço Guilherme Gaensly (1843-1928). "O que estamos fazendo é retratar, da forma mais real possível, com a tecnologia de hoje, em painéis gigantes, desde o surgimento da fotografia, aquilo exatamente como é. Você pega fotos de 30 centímetros e transforma em fotos de 30 metros de comprimento com qualidade fotográfica", afirma Floro. Para criar um painel, ele leva até dois anos e oito meses, como foi o caso daquele inspirado nas fotografias de Gonçalves.

Antonio Risério, que às vezes atua como parceiro de Floro, atesta a importância das criações do colega: "Com o trabalho dele, você vê como a cidade se formou e, assim, se sente mais baiano. Temos que ver de onde vimos e quem somos. Essa é a importância: você passa a se reconhecer na cidade e vai entender melhor a cidade".

Apaixonado pelo Centro Histórico, Floro, que trabalha na Bahia Investe - empresa de economia mista que auxilia o Estado na captação de recursos  junto ao mercado financeiro -, tem outra obsessão: um projeto de revitalização daquela área. Segundo ele mesmo, é um processo de ressignificação do Centro. O projeto, segundo ele, tem algumas diretrizes importantes, com destaque para uma delas: "Primeiro, tem que ter pertencimento, ou seja, precisamos entender o que é ser baiano e a gente tem perdido isso. Se você tem isso, as pessoas vão começar a se olhar e se projetar para o futuro de uma forma melhor".

Floro ressalta ainda outra importante característica: "O Centro Histórico tem que ter vida, se não, acaba. Pra isso, tem que ter equipamentos estruturantes. Na Ladeira da Montanha, tem que ter equipamentos para que os carros fiquem lá embaixo. Seria ótimo criar um novo Tabaris [antiga boate e cassino que funcionava na Praça Castro Alves], com uma nova roupagem para atender à hotelaria". Floro lançou livre com suas criações (Foto: Marina Silva/CORREIO) Mas ali não deve ser apenas um ponto de lazer, segundo Floro: "Para aumentar essa sensação de pertencimento, é preciso que as pessoas morem lá, para dar vida própria à area e para que o Centro Histórico 'pertença' a alguém". O processo de ressignificação está acontecendo, segundo o engenheiro, mas precisa ser acelerado: "A Rua Chile, por exemplo, já é uma realidade. Os passeios estão sendo enlarguecidos. Mas a gente precisa acelerar, porque a economia não espera. Se não tiver gente pra ocupar a rede hoteleira, ela acaba. Mas Salvador está vivendo um momento único e a gente precisa fazer algo e não ficar só olhando para isso".

Floro ressalta a importância do Pelourinho: "É o nosso símbolo maior, mas que está ilhado hoje. Não está conectado e não tem vida própria, mas tem muito folclore. É preciso primeiro darmos vida à 'borda' do Pelourinho e o Pelourinho propriamente vem depois".