'Um sofrimento que se arrasta e parece que nunca vai ter fim', diz Marinúbia

Nova audiência vai decidir se anula ou não júri que inocentou médica por morte de irmãos

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  • Bruno Wendel

Publicado em 1 de outubro de 2019 às 18:04

- Atualizado há um ano

. Crédito: Mauro Akin Nassor/Arquivo CORREIO

“Um sofrimento que se arrasta e aparece que nunca vai ter fim”. O desabafo é de uma mulher que há seis anos não consegue ter paz e saúde para comer, dormir e tocar a vida. No dia 11 de outubro de 2013, Marinúbia Gomes Dias viveu o pior dia da sua vida, quando seus filhos, Emanuel e Emanuelle Gomes Dias, de 21 e 23 anos, morreram em um acidente de trânsito.

A entrevista ao CORREIO aconteceu antes de os desembargadores decidirem manter absolvição de Kátia Vargas nesta quarta (2). Leia mais AQUI.

Nesta quarta-feira (2), ela só quer que esse pesadelo tenha um desfecho. Ela conversou com o CORREIO nesta terça (1º), véspera da sessão no Tribunal de Justiça (TJ-BA) que vai decidir pela anulação ou não do júri popular da oftalmologista Kátia Vargas. Os filhos dela estavam em uma moto e morreram em um acidente de trânsito que envolveu o carro conduzido pela médica, em frente ao Ondina Aprt Hotel, na Avenida Oceânica.“Eu me sinto doente emocionalmente. Nunca mais tive saúde, nunca mais fui a mesma. Estou absolutamente desgastada e, além de perder meus filhos, tenho que lutar constantemente contra o sistema. Às vezes gostaria de desaparecer, mas ao mesmo tempo tem uma força que me conduz a dizer que não. Se Deus deixou isso acontecer, é porque Deus disse que serei forte. Assim eu sigo, tentando ser forte todos os dias”, diz Marinúbia. A mãe de Emanuel e Emanuelle recebe muito apoio desde o dia que perdeu os filhos. A maioria, segundo relata, vem de mulheres. “Muitas mães anônimas ligam para mim, me encorajam. Isso aconteceu principalmente naquele júri popular, que teve um resultado de outro planeta. Hoje, no metrô, muitas delas seguraram minha mão e disseram: ‘Mãe, sua dor é a minha dor. Siga confiante, isso não vai ficar assim’. As mães não se conformam e eu não posso me conformar", conta.

Segundo Marinúbia, que é enfermeira, seu desejo não é de vingança contra a médica. Ela repete diversas vezes que, sua única vontade, é que ela seja responsabilizada pelo acidente. "Nada trará meus filhos de volta, mas Kátia precisa ser responsabilizada. As mães não se conformam com aquele júri. Amanhã, a depender das respostas, se disserem que não, se mantiverem júri, será a vergonha do Tribunal”, acrescenta Marinúba.  Emanuel e Emanuelle estavam em moto e morreram (Foto: Divulgação) A tia dos irmãos, a técnica de enfermagem Mércia Gomes, 56, compartilha do mesmo misto de dor e revolta. “Agora em outubro faz seis anos das mortes deles e a gente continua na fé, com esperança na justiça. É cansativo, ao mesmo tempo que há o sentimento de esperança que a justiça vai ser feita", acredita.

Ela diz ainda que sabe que a história ainda não vai terminar, independentemente do resultado do júri, pois ambas as partes podem recorrer depois do que acontecer amanhã. "A gente vem se preparando porque isso vai para mais longe. O que a gente não quer é que as pessoas como Kátia andem por aí matando as pessoas. Ela perseguiu os meninos achando que eram ladrões”, diz Mércia. 

IndenizaçãoKátia Vargas foi condenada pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) a pagar R$ 600 mil à família dos jovens. O pagamento foi confirmado pelo TJ-BA e é referente a uma ação de indenização por danos morais, movida na 5ª Vara Cível e Comercial. Na decisão, assinada pelo juiz Joanísio de Matos Dantas Júnior, fica determinado que a médica oftalmologista pagará R$ 300 mil por cada morte. Cabe recurso.A tia das vítimas comentou a decisão. “É vergonhoso tirar vidas ao jogar o carro em duas pessoas após dar um piti e, depois de tudo, recorrer. Não há dinheiro que traga a vida de meus sobrinhos, mas a minha irmã levará essa dor para o túmulo. Ela precisa ser reparada de alguma forma. Ainda que Kátia Vargas pague a indenização e vá presa, é pouco. Ela matou os meninos de caso pensado e estragou nossas vidas totalmente”, afirma. A audiência desta quarta-feira (2) é uma continuação da última sessão, realizada no dia 4 de setembro no Tribunal Pleno do TJ-BA. Nesse dia, a sessão foi encerrada após o desembargador Nilson Castelo Branco pedir vistas do julgamento – mais tempo para analisar os autos – que vai decidir se anula ou não o júri popular da médica oftalmologista Kátia Vargas, absolvida em 2017. Na ocasião, a acusação apelou da decisão.

Essa apelação foi jugada por um grupo de três desembargadores. “Dessa turma, ficou 2 x 1 pela procedência da apelação anulando o júri. Como teve um voto de divergência, a defesa entrou com os embargos de infringentes (recurso), que serão julgados por um grupo maior de desembargadores, que são as Câmaras Criminais reunidas”, explicou o advogado da família dos irmãos, Daniel Keller.   A sessão será retomada nesta quarta (2) no Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) As Câmaras Criminais são formadas por 20 desembargadores, mas no caso do processo de Kátia Vargas participam 18 magistrados. “Um se declarou suspeito, por entender que poderia não ser imparcial. O desembargador não é obrigado a revelar o motivo. Já o outro, está impedido, por que já participou de uma outra fase do processo”, explicou Keller. Nas sessões anteriores, sete desembargadores votaram, sendo 4 contra e 3 a favor da anulação.

Desde abril de 2014, o escritório do advogado José Luís de Oliveira Lima está à frente da defesa da médica Kátia Vargas. Por telefone, o CORREIO procurou Oliveira, que foi lacônico: “Não falo com a imprensa baiana”. Até passar para o escritório paulista, o caso foi conduzido pelos advogados baianos Vivaldo Amaral e Sérgio Habib. 

Relembre o caso Os irmãos Emanuel, 21 anos, e Emanuelle, 23, morreram na manhã de 11 de outubro de 2013, depois que a moto em que eles estavam bateu em um poste em frente ao Ondina Apart Hotel. Na época, testemunhas disseram que Kátia Vargas saiu com o carro da Rua Morro do Escravo Miguel, no mesmo bairro, e fechou a passagem da moto pilotada por Emanuel, que levava a irmã na garupa, no sentido Rio Vermelho.

Após uma parada no sinal, Emanuel teria protestado contra a atitude da médica, batendo com o capacete contra o capô do carro. Foi quando o sinal abriu para a moto, mas não para o carro da médica, que faria um retorno no sentido Jardim Apipema. Kátia, então, segundo as investigações, furou o sinal vermelho e acelerou o veículo em direção à motocicleta. Médica foi inocentada em júri popular (Foto: Reprodução) Foi quando Emanuel perdeu o controle da direção e se chocou contra o poste, em alta velocidade. Ele e a irmã morreram na hora. Após o impacto, a médica chegou a entrar na contramão e bateu, alguns metros à frente, no portão do Ondina Apart Hotel.Ela ficou internada no Hospital Aliança e saiu de lá direto para o Presídio Feminino de Salvador, na Mata Escura, onde ficou presa por 58 dias, até ter o alvará de soltura assinado pelo juiz Moacyr Pitta Lima, no dia 16 de dezembro de 2013.

Em dezembro de 2017, sete pessoas consideraram que a médica é inocente e, portanto, não provocou a colisão que acabou com a morte dos irmãos, no bairro de Ondina, em Salvador. A decisão, no entanto, foi reformada por desembargadores da Segunda Turma da Câmara Criminal do TJ-BA. Agora, os 20 desembargadores da Seção Criminal decidirão se anulam, ou não, o júri popular que absolveu Kátia. Até agora, o placar está em dois para anular e dois para não anular. (Foto: Arquivo CORREIO) Cronologia do caso - 11 de outubro de 2013: Emanuel, 21 anos, e Emanuelle, 23 anos, morrem depois que a moto em que eles estavam bateu em um poste em frente ao Ondina Apart Hotel. Testemunhas disseram que Kátia Vargas fechou a passagem da moto.

- 11 de outubro de 2013: Após o acidente, Kátia Vargas foi internada no Hospital Aliança.

- 17 de outubro de 2013: A médica deixou o Hospital Aliança em uma viatura da 7ª Delegacia Territorial (DT/Rio Vermelho) e foi encaminhada para o Presídio Feminino, no Complexo Penitenciário da Mata Escura.

- 16 de dezembro de 2013: A médica foi solta do Presídio Feminino após ficar presa por 58 dias até ter alvará de soltura assinado pelo juiz Moacyr Pitta Lima.

- 06 de dezembro de 2017: O júri popular é realizado no Fórum Ruy Barbosa. Sete pessoas entenderam que Kátia não causou a colisão que terminou com a morte dos jovens e, portanto, era inocente.

- 16 de agosto de 2018: A Segunda Turma da Câmara Criminal do TJ-BA, por maioria, decidiu anular o júri popular. A defesa de Kátia Vargas entrou com um recurso da decisão na mesma semana.

- 07 de agosto de 2019: Desembargadores da Seção Criminal começaram a julgar se o júri popular deve ser mesmo anulado ou não. Um desembargador pediu mais tempo para analisar o processo. Dois desembargadores votaram para anular e dois para manter a decisão.

- 4 de setembro de 2019: Data que os desembargadores da Seção Criminal voltaram a julgar o caso.

- 2 de outubro de 2019: Nova data para julgamento sobre anulação de júri de Kátia Vargas.