'Uma masculinidade sensível é possível', diz psicólogo

Alessandro Marimpietri fala sobre relação entre pais e filhos em livro de estreia

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  • Laura Fernades

Publicado em 8 de fevereiro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

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Desde bebê, o pequeno Lucca faz do colo do pai seu aconchego para escutar as mais diferentes aventuras. Colocar o filho para dormir enquanto lê uma história é uma das rotinas mais prazerosas para o psicólogo Alessandro Marimpietri, 44 anos, mas seu colo começou a ficar pequeno para o garoto, hoje com 8 anos, que passou a se aninhar no seu antebraço. Até o dia em que disse: “É, pai, não está mais cabendo, né?”. 

A cena real inspirou o psicólogo a escrever seu primeiro livro, Quando Somos Um Só (Editora Solisluna | 32 páginas | R$ 54,90), que é inspirado em sua própria história e dedicado a todos os pais e filhos. A obra infantojuvenil será lançada com uma live no dia 21, às 18h30, com participação do autor, do ilustrador Esteban Vivaldi e mediação de Valéria Pergentino, no canal do YouTube da Solisluna. 

Em entrevista ao CORREIO, Marimpietri conta como o diálogo com Lucca mudou sua vida e defende a importância de enfrentar os mitos da paternidade que pode – e deve – vir acompanhada de uma masculinidade sensível. Além disso, o autor fala sobre a importância do vínculo entre pais e filhos para a construção de uma sociedade melhor: “Nosso laço social fica mais tolerante, menos violento”. Confira.  Ilustração de Esteban Vivaldi para o livro Quando Somos Um Só Muito se fala sobre a chamada primeira infância em que o bebê acha que ele e a mãe são um só. Mas e o pai, como se dá essa relação?  O livro é um convite a pensar a paternidade a partir dessa perspectiva da conexão com o filho, que é culturalmente diferente da relação com a mãe. A gente também pode ter esse momento de completude com o filho, sem necessariamente passar pela relação com maternidade. Pode ser uma experiência muito potente para nós, homens. São momentos de conexão muito profunda com o filho, uma marca única que se estabelece entre aqueles dois seres. 

O título do livro vem de sua relação com Lucca?  Sem a menor dúvida, a paternidade é a experiência mais potente que já vivi. Começou do fato de colocá-lo sempre para dormir. No colo, no antebraço, até que ele me disse: “É, pai não está mais cabendo, né?”. Depois ele me disse que quando ficar velhinho vai me colocar pra dormir no colo dele. A partir dessa fala, tive a ideia de publicar um texto para ele e o livro veio dessa experiência muito íntima. Talvez outros pais possam mergulhar comigo nessa história. Esse é o primeiro de uma coleção de livros que vai falar sobre a relação entre pais e filhos. 

Como o livro está estruturado?  A narrativa é a história de um pai contando uma história para o filho de como é ser pai. Existe uma metanarrativa construída pela ilustração de Esteban Vivaldi, que mostra dois personagens: dois pinguins, pai e filho. Um conta para o outro como é essa experiência, usando a metáfora de quando somos um: a vivência da paternidade com meu filho me ajuda. O filho forma o pai, como o pai forma o filho. O texto de apresentação do autor quem fez foi Lucca. Muito lindo ver a percepção que ele tem sobre mim. Foi difícil segurar a emoção quando li. Ilustração de Esteban Vivaldi para o livro Quando Somos Um Só A paternidade está em constante mudança e durante a pandemia temos visto novos desafios. De que forma seu livro contribui com esse debate?  Contribui no sentido de convocar. Mostrar que é possível outra masculinidade, uma masculinidade sensível, que cuida. É possível uma masculinidade que se autoriza a dar esse mergulho absolutamente transformador. Conclamar pais e mães a essa transformação. Hoje, há milhares de crianças no Brasil que não têm seus pais no registro e há quem registre e não acompanhe o crescimento dos seus filhos. O livro não tem uma característica panfletária, mas uma convocação poética sobre essa relação. 

Quais são os benefícios que esse vínculo intenso com o pai traz para a criança?  Quando uma criança tem a chance de conviver com adultos dispostos a cuidar, independente do modelo de família – pais e mães, dois pais e duas mães –, isso aumenta o espectro de possibilidade de desenvolvimento dela. Quando a criança tem a possibilidade de ter a diversidade durante o que chamamos de primeira infância, há uma experiência social mais ampla no futuro. Só agrega desenvolvimento.Se a gente cria uma geração de crianças amadas, que se sentem seguras com seus pais, a chance dessas crianças reproduzirem isso em suas relações sociais é maior. Nosso laço social fica mais tolerante, menos violento.Por que escrever para crianças?  Sempre tive a ideia de fazer um livro teórico e a quarentena mudou tudo, porque pela primeira vez fiquei um ano inteiro com meu filho, de manhã, de tarde e de noite. Fui atravessado pela experiência de maneira tão potente que tive a necessidade de deixar coisas escritas para ele. Mudou o rumo. Eu, a mãe dele e ele mudamos nossa vida, fomos para uma casa. Foi uma crise que produziu muitas transformações. Então tive a ideia de me dedicar a conversar mais com as crianças e seus pais, ao mesmo tempo. 

Em sua opinião, quais são os mitos da paternidade que precisamos superar?  A ideia de que o pai ajuda, porque é bem comum a gente ouvir isso. O pai precisa assumir que a função dele é diferente de “ajudar”. Outro mito é que nós não somos preparados para a paternidade e que a maternidade é quase uma coisa divina, sobrenatural e biológica. Isso toca no mito da paternidade, porque é como se nós não tivéssemos autorização para cuidar. O livro convoca o pai para uma união visceral com seu filho. Quando a gente tem a oportunidade de viver intensamente a paternidade, a gente contribui para o funcionamento coletivo. Cuidar de uma criança é uma tarefa que faz bem para o coletivo, para a sociedade como um todo. 

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*Quem é Pai de Lucca, 8 anos, Alessandro Marimpietri é psicólogo com doutorado em ciências da educação. Autor do livro Quando Somos um Só (Solisluna Editora), aborda a relação entre pais e filhos a partir das observações e estudos desenvolvidos ao longo dos 20 anos, como psicólogo de crianças, adolescentes e famílias.