Uma noite rock and roll na Bahia com Thiago Mastroianni, Cazuza e Tancredo

Show do Barão Vermelho em Salvador foi no exato dia que o presidente eleito deveria tomar posse, mas ele foi internado um dia antes e acabou morrendo

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  • Da Redação

Publicado em 28 de março de 2021 às 06:30

- Atualizado há um ano

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Apresentação do Barão Vermelho, de Cazuza e Frejat, no TCA (Foto: Acervo Thiago Mastroianni) Em março de 1985, muito antes dos bordões e das memoráveis transmissões esportivas que o consagrariam, Thiago Mastroianni vivia as aventuras possíveis de um jovem aficionado por rock.  

Aquela década soava perfeita para os amantes do gênero, tanto no exterior quanto no próprio território nacional. Por aqui, surgiam bandas a todo momento, na mesma proporção que os preços subiam nas gôndolas dos supermercados, puxadas pela galopante inflação do período: Blitz, Paralamas do Sucesso, Titãs, Barão Vermelho, Kid Abelha, RPM, Camisa de Vênus, Legião Urbana, Ira.

Enquanto o Brasil respirava o fim da ditadura, Mastroianni, aos 16 anos, reunia sua trupe da Pituba para encontrar justamente um dos personagens que marcou musicalmente esta transição de poder dos militares para um governo civil - ainda que não eleito democraticamente.

Em 15 de janeiro daquele ano, na quinta noite da primeira edição do Rock In Rio, o conjunto Barão Vermelho subia ao palco, em Jacarepaguá, no mesmo dia que Tancredo Neves (PMDB) derrotava Paulo Maluf (PDS) no colégio eleitoral, em Brasília. Depois de 21 anos do golpe, o Brasil finalmente teria a volta de um presidente não forjado nas casernas verde-oliva.

No palco, Cazuza celebrou o momento cantando o sugestivo hit “Pro Dia Nascer Feliz”, embalando uma plateia de mais de 250 mil pessoas.

“Valeu! Que o dia nasça lindo para todo mundo amanhã. Com um Brasil novo... Com a rapaziada esperta... Valeu”, disse o roqueiro, ao fim da canção, mandando todos seus recados.

Barão em Salvador Dois meses depois desse show apoteótico, o Barão desembarcava em Salvador no embalo da turnê “Maior Abandonado”.  O grupo ficou hospedado no Hotel da Bahia, no Campo Grande, e faria o show no Teatro Castro Alves – tudo ali pertinho, na mesma cercania.    Thiago Mastroianni jovem ao lado de Cazuza (Foto: Acervo Thiago Mastroianni) “Fomos lá eu e mais dois amigos de infância pra frente do hotel tentar encontrar os caras. Eles eram nossos ídolos. Os tempos eram outros e nós, todos meninos, conseguimos ter acesso a eles, na área da piscina. Ficamos conversando com Guto Goffi (baterista), Maurício (tecladista) e Dé (baixista). Lembro que depois chegou Frejat. Ele estava de sunga porque tinha dado um mergulho na piscina”, lembra o hoje narrador esportivo da TV Bahia.

“Cazuza, naquela época, já era a grande estrela. Ele não estava junto aos outros, mas chegou depois, e foi muito simpático com todo mundo”, completa Mastroianni. De óculos de grau, o cantor aceitou uma foto com Thiago, que segura a capa do LP que dava nome à turnê. Integrante daquela trupe de jovens, o hoje economista Carlos Brandi, 54 anos, lembra de um momento de emoção vivido ao lado dos ídolos.“A gente ficou um tempo conversando com Goffi, Maurício e Dé, e eles gostaram de ver aqueles meninos que sabiam tanta coisa da banda. Aí eles nos convidaram pra ir com eles fazer a passagem de som no Castro Alves. Fomos a pé do Hotel da Bahia até o teatro e assistimos eles passando o som. Frejat e Cazuza não foram, mas nem por isso foi um momento tão marcante”, diz Brandi.‘Suporte, Tancredinho’ Apesar do entusiasmo dos fãs, o espírito daquele show nem de longe lembrava o otimismo que marcou a apresentação durante o Rock In Rio.

No dia 15 de março, um dia antes de tomar posse como presidente do Brasil, Tancredo Neves foi internado às pressas para uma cirurgia de urgência no Hospital de Base do Distrito Federal. Foi diagnosticado com diverticulite, uma inflamação grave no intestino. Cazuza na Bahia (Foto: Acervo Thiago Mastroianni) Por ironia, novamente Cazuza estava no palco em um momento decisivo da vida de Tancredo. O show do Barão Vermelho em Salvador aconteceu exatamente na noite que o presidente deveria tomar posse, 15 de março, e foi envolvido num ambiente de medo, aflição, notícias truncadas e a desesperança com a possível volta dos generais. O temor real era que, diante daquele quadro instável, os militares tomassem o poder e restaurassem o regime autoritário.

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Engajado, Cazuza deu seu recado no palco, novamente transformando um hit amoroso num manifesto político, à sua maneira. Na execução do refrão de “Baby Suporte” lançou um “Suporte, Tancredinho, suporte”.“Lembro exatamente dessa fala de Cazuza. Me marcou porque a gente entendia que momento era aquele que vivíamos no país e o quanto Tancredo era um símbolo importante naquele contexto todo”, diz Mastroianni.Tudo que viria depois dali culminaria em um desfecho dramático. Tancredo não suportou e, 38 dias depois de internado, em 21 de abril de 1985, morreu sem nunca ter assumido a presidência. Sarney ficou com o cargo.

A banda Barão Vermelho também não continuaria com sua formação lendária. Em agosto daquele ano, cinco meses depois do show na Bahia, Cazuza anunciaria sua saída em meio a troca de farpas e acusações entre os integrantes.

“Aquele show acabou sendo marcante por todas estas coisas envolvidas. Era um país que estava em transformação. A gente lembra com muita nostalgia disso tudo, mas também entende tudo que estava acontecendo”, conclui Mastroianni.