Uma planta com seu nome

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  • Kátia Borges

Publicado em 4 de abril de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Tenho conversado bastante com a pequena jiboia que repousa em um vaso de barro na varanda do apartamento. Sob a luz indireta do sol, suas folhas verde-amarelas despencam da amurada baixa de vidro e cimento sobre um banco de madeira e quase alcançam o piso frio do cômodo. Em botânica, dizem Epipremnum pinnatum.

Em linguagem popular, há apelidos vários: centopeia, rainha marmórea, cauda de dragão. Até mesmo hera-do-diabo, a despeito da folhagem lembrar um coração. Essa que tenho comigo há quase dez anos foi batizada por minha mãe, que costumava botar nas plantas da casa os nomes das pessoas. Modos de rega, aprendi com ela.

Devemos molhar a terra conversando em voz baixa. Mas não muito. As jiboias gostam de sentir sede e se adaptam docemente, e de modo quase inexplicável, a todo tipo de cultivo. São uma espécie de cão vegetal que obedece às vontades do dono e junto com ele atravessam, incansáveis, tanto o Saara quanto a Abbey Road.

Com delicadeza, as jiboias urbanas se acomodam em espaços reduzidos, emprestando vida aos móveis, quando não descem dos tetos, penduradas em ganchos. Nas florestas tropicais, onde se espalham à vontade, tornam-se um perigo selvagem para as árvores, envolvendo como serpentes os seus troncos até a morte.

Mas esta também é uma planta considerada mágica e de proteção espiritual. Segundo os mestres do Feng Shui, ela é capaz de purificar os ambientes da casa. Contraditoriamente, há quem diga que traz má sorte. Talvez porque a jiboia seja capaz de pressentir a morte dos que moram com ela, como ensina a herbologia mística.

Só sei que, no Verão, cresce a frequência dos nossos papos em consonância com a necessidade mais constante de rega. Cedo esse tempo de conversa. Puxo uma cadeira, sento-me ao lado, comento sobre a vida. E sinto então o seu afeto venenoso, ráfide capaz de dilacerar os lábios. E me rendo à sua beleza e estranhamento.

Se as suas folhas têm veneno que direi das minhas? Também cultivo cá os meus humores. Nos meses de frio, por exemplo, pouco falamos, embora sinta seus olhos sobre mim o tempo todo, floresta densa que encerra uma ameaça para as árvores. Como todo ser humano talvez guarde, dentro de si, incerta natureza sem controle.