Uma vida inteira de luta política para perder a batalha para a covid

Dirigente histórico do PCdoB, ex-deputado federal Haroldo Lima, 81, foi creamdo nesta quarta (24) no Cemitério do Campo Santo

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 25 de março de 2021 às 06:29

- Atualizado há um ano

. Crédito: divulgação

Haroldo  Lima, ex-deputado federal, dirigente histórico do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), sobreviveu à  prisão e tortura, mas, aos 81 anos e depois de lutar como sempre, não resistiu às compicações da covid-19. No último dia 8, quando foi internado, a voz contundente  já dava lugar a um tom  rouco e abatido. Na madrugada de ontem, ele faleceu no Hospital Aliança. O corpo foi cremado no cemitério Campo Santo, na Federação, em cerimônia restrita a familiares. Ele deixa a esposa, Solange Lima, 83, as filhas Lene, Valéria e Julieta e as netas Clara, Letícia e Beatriz.

Nascido em Caetité e condutor do processo de construção do PCdoB na Bahia,  foi uma figura marcante no cenário político brasileiro. “A gente perdeu um grande brasileiro,   um patrimônio da política nacional”, disse a deputada estadual  Olívia Santana, que faz parte de uma geração de políticos que tem Haroldo como referência.  

Lima se dizia  revolucionário em tempo integral e todas as suas ações envolviam a luta pela igualdade e pela liberdade. Foi um grande crítico da exploração dos  mais vulnerável e das ideias neoliberais. A paixão pela política começou cedo, ainda no  curso de engenharia elétrica da Universidade Federal da Bahia, de  1958 a 1963, quando participou intensamente do movimento estudantil.

Logo filiou-se ao PCdoB, partido colocado na ilegalidade pela ditadura militar, período em que Haroldo Lima foi torturado e perseguido. A perseguição o obrigou à  identidade clandestina. Mas ele  sempre se manteve firme  e esperançoso, assim como fazia frente aos obstáculos.

Foi assim também quando a esposa  e companheira de luta, Solange, foi presa e condenada, no primeiro caso de  presas políticas da Bahia, durante o regime militar. E, logo depois, chegou  sua vez. Em 1972, foi para São Paulo e, em 1976, no episódio conhecido como Chacina da Lapa, em que uma reunião do Comitê Central do PCdoB foi invadida, Haroldo  acabou sendo levado pela repressão, junto com quatro companheiros  - outros três foram fuzilados e mortos.

Mas, mesmo durante os quase três anos  que passou entre o Presídio do Barro Branco, em São Paulo, e a Penitenciária Lemos Brito, em Salvador, não esmoreceu. Quando a esposa e as filhas o visitavam,  as distraía para mostrar que estava tudo bem. Libertado somente em 1979, após a Lei de Anistia, Haroldo Lima participou da reorganização do PCdoB na Bahia, ainda sob a sigla do PMDB, e se tornou um grande articulador da esquerda.

Jovial Em 1982, Haroldo Lima foi eleito deputado federal pela frente ampla do PMDB. Com a legalização das legendas de esquerda em 1985, pode filiar-se oficialmente ao PCdoB, partido pelo qual exerceu o cargo de deputado por mais quatro mandatos, inclusive como constituinte. 

Entre 2005 e 2011, foi ainda diretor da Agência Nacional do Petróleo, período marcado pela descoberta  do pré-sal. Mesmo com tantos anos de experiência política, Haroldo se mantinha sempre aberto a novas ideias e com uma capacidade de assimilar rapidamente as pautas da juventude.  “Ele tinha um brilho diante da vida que era muito impressionante, a marca da sua personalidade. Sempre  querendo compartilhar tudo, caminhando junto, fazendo com que todas as vozes fossem ouvidas”, definiu  Olívia Santana. 

Presidente do PCdoB na Bahia, Davidson Magalhães disse que  Lima reunia firmeza e ternura: “Um homem de combate, mas de coração enorme. Um intelectual com o qual era possível conversar sobre tudo, desde as questões mais objetivas  da política até os sentimentos mais profundos. Difícil achar uma pessoa no partido que não gostasse dele”. 

 A imagem política que passava se refletia dentro de casa. Filho de Benjamin Teixeira Rodrigues Lima e de Adelaide Borges Rodrigues Lima, Haroldo sempre se fez presente. A neta Clara Lima,  20, conta que foi ele quem a ensinou a andar de bicicleta e lhe  apresentou os grandes clássicos da literatura e do cinema:  “Foi ele que apresentou o mundo para todas nós. Meu avô era uma enciclopédia ambulante”.

Em 2011, Haroldo foi condecorado com o Título de Cidadão Benemérito da Liberdade e da Justiça Social João Mangabeira, concedido a brasileiros reconhecidamente dedicados a causas nobres, humanas e sociais que tenham resultado no desenvolvimento político e socioeconômico do Brasil.  Para familiares, amigos e admiradores, a presença física de Haroldo se foi, mas sua memória será lembrada pelas gerações que ficam. Sobretudo pela autobiografia, que ele terminou em janeiro deste ano, como se preparasse o mundo para a sua partida.

Homenagens A sessão legislativa remota da Assembleia Legislativa da Bahia começou nesta quarta com o pedido do presidente Adolfo Menezes de um minuto de silêncio em memória do ex-deputado Haroldo Lima. “Foi um grande brasileiro, um lutador pela liberdade, linha de frente contra a ditadura de 1964, que defendia a bandeira comunista mas convivia democraticamente com todos. Minha solidariedade aos familiares”, destacou Menezes.

 O reitor da Universidade Federal da Bahia, João Carlos Salles,  também se pronunciou:  “Está de luto a Universidade Federal da Bahia, que ele sempre defendeu e amou; e estão de luto, em um largo espectro de posições, todos os que lutam contra a exploração, todos os que defendem a democracia e a liberdade, todos os que defendem a vida e o conhecimento”.

A notícia da morte do ex-deputado também foi comentada por políticos e colegas do PCdoB, como a deputada federal Alice Portugal. "Perdemos Haroldo Lima para a covid-19, mas ele vive e viverá eternamente na nossa luta e em nossos corações!", escreveu no Twitter.

Manuela D’Ávila também deixou sua mensagem: "O Brasil perde Haroldo Lima! Nosso Partido chora a morte de um de homem imprescindível, um gigante. Haroldo, Sua vida foi marcada pelo bom combate, meu camarada. Você nos deixou sonhos, nos deixou exemplo, nos deixou coragem!". 

O governador Rui Costa lamentou a morte do político e o secretário estadual da Saúde (Sesab), Fábio Vilas-Boas, prestou uma homenagem ao dirigente do PCdoB. "A Bahia perdeu hoje (24) para a #COVID19 mais um dos líderes que fizeram história na luta pela democracia, Haroldo Lima. Meus sentimentos aos amigos do PCdoB e a toda sua família", postou. 

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro