Vacinas na mira da desinformação: veja dez 'teorias' checadas pelo Projeto Comprova

Projeto Comprova Nos últimos três meses, 37% dos conteúdos checados buscavam desacreditar as vacinas

Publicado em 27 de dezembro de 2020 às 12:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Infografia: Axel Hegouet/CORREIO

Para cada 10 verificações publicadas nos meses de outubro, novembro e dezembro pelo Projeto Comprova - uma coalizão de combate à desinformação da qual o CORREIO faz parte -, 3,7 eram textos, vídeos e outras postagens tentando desacreditar as vacinas em teste contra o coronavírus. Quanto mais próximos de chegar a um imunizante, mais desinformação circula sobre ele - e não foi só nos últimos três meses que os anti-vacina distribuíram mentiras sobre a grande aposta do mundo contra a pandemia. Das 239 verificações publicadas de março a 25 de dezembro, 38 - ou seja, 15,8% - eram conteúdos falsos ou enganosos sobre vacinas desenvolvidas no mundo inteiro.

As alegações foram variadas: desde críticas direcionadas à CoronaVac - umas das 13 vacinas desenvolvidas na China, esta em parceria com o Instituto Butantan - até afirmações mentirosas de que as vacinas são produzidas com DNA de fetos abortados, de que elas são capazes de promover danos genéticos, alterações neurológicas, provocar câncer, infectar pessoas com o HIV, promover mudanças de gênero e sexualidade, provocar a Paralisia de Bell, matar pessoas indiscriminadamente para reduzir a população mundial.

A primeira checagem feita pelo Comprova sobre o assunto foi ainda em abril - lá no início das medidas restritivas para o Brasil. O conteúdo circulava tentando fazer as pessoas acreditarem que as vacinas teriam microchips de controle social da população. Mais recentemente, as vacinas também foram acusadas de ser ineficazes, inseguras e até desnecessárias para as pessoas que já tiveram a covid-19, o que não é verdade. Veja abaixo algumas das ‘teorias’ mais disseminadas ao longo deste ano sobre a vacina e conheça o que especialistas dizem sobre o assunto. E confira aqui todas as verificações feitas este ano pelo Projeto Comprova.

1. Vacinas não causam alterações genéticas Desde março, o Comprova fez pelo cinco verificações desmentindo postagens que afirmavam que uma vacina contra o coronavírus causaria alterações genéticas ou danos irreversíveis no DNA. Algumas vacinas usam uma técnica nova, chamada mRNA, que usa informação genética do vírus para ensinar nosso corpo a produzir uma proteína específica e gerar anticorpos. Especialistas, como o diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia, Renato Kfouri, confirmam que é impossível que uma vacina possa incorporar no nosso código genético um DNA estranho. Também são falsas as postagens que dizem que as vacinas usam DNA de fetos abortados.

2. Não causa câncer ou ‘homossexualismo’ Em outubro, um áudio viralizou no WhatsApp dizendo que a CoronaVac  tinha como objetivo reduzir a população mundial, causar alterações genéticas, provocar câncer, problemas de fertilidade e ‘homossexualismo’. Não é verdade. A médica Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, classificou como “completamente mentirosas” as afirmações sobre a relação entre a vacina e a ocorrência de câncer, alterações genéticas, mudanças de gênero e sexualidade. Ela disse que não há estudos que falem sobre a vacina e a redução da fertilidade. “Bom, hoje em dia o pessoal fala que a Terra é plana, né? É uma afirmação completamente mentirosa”, disse.

3. Imunizante não provoca alterações neurológicas Após um voluntário nos testes da CoronaVac ser encontrdo morto em São paulo, no final de outubro, e a polícia apontar suicídio como possível causa da morte, começram a circular postagens que afirmavam que a vacina causava danos neurológicos nas pessoas, levando-as a cometer suicídio. Especialistas ouvidos pelo Comprova afirmaram que não há casos na literatura que relacionem danos neurológicos com vacinas. A coordenadora da Rede Análise covid-19, Mellanie Fontes-Dutra, disse que não há nenhuma causalidade confirmada entre efeitos adversos neurológicos e vacinas. Também são falsas as afirmações de que as vacinas buscam causar danos neurológicos para reduzir a população mundial.

4. Sem relação comprovada com Paralisia de Bell Quatro voluntários, entre os 38 mil que receberam a vacina da Pfizer em fase de testes, nos Estados Unidos, desenvolveram a Paralisia de Bell, um distúrbio repentino causado por uma lesão no sétimo nervo craniano, o nervo facial. No entanto, não ficou comprovado que a paralisia foi provocada pela vacina. Além disso, a paralisia, em geral, não tem uma causa esperada, embora possa estar, muito raramente, relacionada a vacinas. Todos os voluntários que tiveram a paralisia já estão totalmente recuperados - em geral, o distúrbio atinge de 20 a 30 pessoas para cada 100 mil no mundo, e de 70% a 90% se recuperam totalmente.

5. Vacina não é plano para reduzir a população Mais de uma postagem na rede foi alvo de verificações do Comprova por afirmarem que o objetivo das vacinas era matar as pessoas e reduzir a população mundial. O professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração, Jorge Kalil, afirmou que isso se trata de teoria da conspiração. “Nunca houve nenhum tipo de vacina responsável pela morte de muitas pessoas. Isso nunca existiu”, afirma. Kalil acrescenta que a vacina é a alternativa mais adequada para frear o contágio do novo coronavírus, porque as pessoas vão ficar imunizadas, deixarão de adoecer e de transmitir o vírus.

6. Vacina não infectou voluntários com o HIV São falsos os vídeos e textos que circulam recentemente nas redes sociais afirmando que todos os voluntários que tomaram a vacina chinesa na Austrália foram infectados com HIV. Primeiro, a vacina chinesa CoronaVac não foi testada na Austrália. Segundo, as pessoas não contraíram o HIV ao tomar uma vacina em teste. O que aconteceu foi que uma vacina desenvolvida na Austrália em parceria entre a empresa CSL e a Universidade de Queensland utilizou uma proteína do vírus HIV na vacina contra o coronavírus, a fim de estimular a criação de uma barreira de anticorpos. Funcionou, mas o número de anticorpos foi tão elevado que interferiu nos testes de HIV. Ou seja, alguns dos pacientes que testaram a vacina tiveram resultados falsos-positivos para HIV, mas nenhum deles foi infectado. Os testes foram suspensos no país.7. 10 anos não é prazo mínimo para vacina ser segura São falsas as postagens que afirmavam que os médicos brasileiros Nise Yamaguchi e Anthony Wong haviam provado que uma vacina precisa de no mínimo dez anos de pesquisa para ser considerada segura. O tempo de pesquisa não é um dos fatores considerados nos protocolos de aprovação de vacinas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nem pela Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária dos Estados Unidos. Em 2009, por exemplo, a FDA aprovou uma vacina contra o ebola desenvolvida em cinco anos. A vacina contra a caxumba foi desenvolvida em quatro anos e a contra o sarampo, em nove.

8. As testadas no brasil tiveram fase pré-clínica Ao contrário do que diz um médico brasileiro em uma entrevista, todas as vacinas em teste no Brasil passaram por uma fase pré-clínica. Isso significa que, antes de serem testadas em humanos, as vacinas foram aplicadas em animais pelos laboratórios, a fim de se certificar que as doses eram seguras para as pessoas. Quem garante que a fase pré-clínica aconteceu é o coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), Jorge Venâncio. A CoronaVac foi a primeira a se mostrar eficaz contra o SARS-Cov-2 em um macaco, segundo publicou ainda em abril a revista Science.

9. Já ter tido covid-19 não dispensa a vacina Especialistas ouvidos pelo Comprova afirmaram que ainda não há conhecimento suficiente sobre a imunidade para deixar de vacinar as pessoas que já tiveram covid-19, diferente do que afirma uma sequência de posts no Twitter. O imunologista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina André Báfica afirma que ainda não há conhecimento sobre o índice de imunidade natural fornecido pelo coronavírus e, por isso, quando a vacina estiver disponível, mesmo quem já teve a doença deve tomá-la. “Se a gente tivesse uma resposta clara de que a pessoa que se infectou está protegida, igual na catapora, ótimo. Não é o caso”. Especialista em desenvolvimento de vacinas de DNA vírus pela Fiocruz, Rafael Dhalia afirma que “se a imunidade celular por si só conferisse total proteção, não existiriam casos de reinfecção pelo SARS-Cov-2”.

10. É falso que a China não usará a própria vacina Não é verdade que a China não vai usar a própria vacina em sua população, como afirmam posts desmentidos pelo menos duas vezes pelo Comprova. O país tem pelo menos 13 imunizantes em desenvolvimento - não apenas a CoronaVac, que no Brasil conta com o apoio do Instituto Butantan. Além disso, a China já utiliza suas próprias vacinas, em caráter emergencial, em grupos de profissionais em alto risco - como médicos e profissionais de saúde. Além do Brasil, a Indonésia, o Chile, a Turquia e a própria China pretendem usar a CoronaVac, desenvolvida pela Sinovac.