Valor médio do Auxílio Brasil em Salvador não paga uma cesta básica

Cesta básica sai por R$ 580, quase R$ 180 a mais que o auxilio; há beneficiários que precisam de doações, diz ativista

  • Foto do(a) author(a) Fernanda Santana
  • Fernanda Santana

Publicado em 1 de agosto de 2022 às 05:00

. Crédito: Geraldo Bubniak/AEN

Há meses, e ele já nem lembra quantos, João Gabriel de Jesus, 27 anos, não come frutas, embora adore manga. O valor médio de R$ 403 pago pelo Auxílio Brasil, programa federal que substituiu o Bolsa Família, em Salvador, não paga nem uma cesta básica, que custa R$ 177 a mais, e sua fruta favorita é uma das mais caras – na cidade, o quilo varia de R$ 6 a R$ 7. Vendedor de queijo coalho na praia, ele, então, leva para casa sempre: feijão, farinha, arroz, açúcar, café ovo e salsicha.  

O Auxílio Brasil sucedeu o antigo Bolsa Família em novembro de 2021. O valor, na época, era de R$ 217,18, acrescido no mês seguinte, pago a pessoas em situação de extrema pobreza. (Clique aqui e saiba quem tem acesso).

Só em março deste ano, João teve acesso ao programa, elegível aos inscritos no Cadastro Único. Em Salvador, eram, até o fim de julho deste ano, 252.232 famílias contempladas.

Elas, no entanto, recebiam um valor médio R$ 4,55 menor que o pago no restante do estado e R$ 5,58 inferior ao valor médio pago do país.

No dia em que recebe uma nova parcela do auxílio, João vai ao mercado. As necessidades básicas são a alimentação, aluguel e conta de luz. Sem contar o investimento no trabalho – antes de lucrar, João gasta para poder anunciar seu produto, geralmente em alguma as praias de Itapuã.“R$ 300 reais vão nesse mercado. Mas depois eu preciso ir de novo, ficar comprando os quebrados”, conta.No próximo dia 10 de agosto, é provável que a comida hoje armazenada no armário da cozinha tenha acabado, o que o levará novamente ao mercado ou a uma mercearia de bairro.“Carne não compro. Compro calabresa mesmo. Meu prato é feijão arroz e ovo ou feijão arroz e salsisha frita”, conta.Os R$ 600 anunciados pelo Governo Federal na última semana para os meses entre agosto e dezembro ainda passam longe da realidade de baianos que dependem do auxílio para compor a renda ou ter qualquer dinheiro mensalmente.

Beneficiários ainda precisam de doações

Em julho, a cesta básica ficou 24,29% mais cara em Salvador, o que põe a capital baiana na segunda posição no ranking dos maiores reajustes do país, segundo a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos do  Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

São 13 alimentos: carne, leite, feijão, arroz, farinha, batata, tomate, pão, café, banana, açúcar, óleo e manteiga. 

A entidade analisou 12 produtos e 11 deles tiveram aumento entre junho e o mês passado, o que elevou a R$ 580,82 o preço dos alimentos básicos na cidade – entre eles o feijão, o açúcar e o café que compõem o carrinho de compras de João Gabriel.

Ou seja, os beneficiárias do Auxílio Brasil, se gastarem todo o valor em compras de itens básicos, conseguirão apenas 70% deles. O preço dos itens da cesta foi alavancado pela inflação, que ficou em quase 1% ao mês nos últimos 12 meses. 

Quem recebe um salário-mínimo (R$ 1,2 mil) compromete 51,81% da renda com os produtos básicos, o que também indica a realidade para pessoas que dependem do Auxílio Brasil, um terço da remuneração mínima no país.

Para abastecer a casa, a diarista Marize Silva, 46, pesquisa os preços dos mercadinhos próximos do bairro onde mora ou em uma das filiais da Cesta do Povo. Os artigos são comprados aos poucos. “Eu compro uma coisa, depois vejo quanto está a outra, não dá para ficar comprando tudo de vez, espero ver se fica mais barato”, diz ela.

A carne e os legumes são dois produtos que, para ela, de básicos não têm nada, assim como os legumes, como o tomate - ela substitui por temperos prontos. Para o almoço, ela, que no último mês recebeu a quarta parcela do auxílio, conta o cardápio:“Ou comemos ovo no almoço ou a coxa do frango, que o quilo é mais barato”.O pão também saiu da rotina alimentar. Nas manhãs e noites, ela e a filha Maria Clara, 13, comem sopa, cuscuz ou banana.  O alimento de que mais sente falta é a carne vermelha.“O auxílio ajudou, mas é tudo muito caro. Eu trabalho como diarista, mas às vezes eu não tenho nada para fazer”. Na manhã de sábado (30) do último final de semana, Lucas Gonçalves, fundador do projeto social Salvador Invisível, foi às compras como um dos assistidos pelo grupo. Em menos de 30 minutos, gastaram quase R$ 200 – ou seja, metade do valor do auxílio e o mês de agosto estava prestes a começar. “Ele queria fazer um feijão, então foi uma besteirinha, coisa de um feijão, duas calabresas, bacon legumes, arroz e farinha”, conta.As doações ainda são necessárias, segundo Lucas. “Eles continuam dependendo dessas doações, porque o valor aumentou, mas não acompanha os preços inflacionados”.

Ainda há as dificuldades para ter acesso ao auxílio. "Estamos insistindo para que haja ônibus itinerantes atendendo pessoas para serem enquadradas no Cadastro Único. São pessoas que têm dificuldade de marcar online", conclui Lucas. Alimentação e programas sociais

O acesso à alimentação - ainda que inadequada ou insuficiente nutricionalmente - é um dos propósitos de programas sociais governamentais e de transferência de renda, como o Auxílio Brasil. "O acesso ao alimento, ainda que precário, e a escola são pontos fundamentais. A saúde também, direta e indiretamente", lista Cláudia Malbouisson, doutora em Economia e professora de Economia da Universidade Federal da Bahia (Ufba).As políticas de transferência de renda, em contextos de desigualdades sociais como as do Brasil, podem garantir o mínimo à sobrevivência - mas nem sempre, como mostra a inadequação entre o preço do auxílio e da cesta básica."O  valor teria que atender o mínimo para a cesta básica. Como todo economista, só poderíamos afirmar qual seria esse valor com cálculos. Mas o valor da cesta básica deveria ser um dos parâmetros, pois nela há a alimentação básica para as famílias". O Auxílio Brasil está previsto para acabar em dezembro deste ano, o que deixa o destino do acesso ao mínimo ainda mais incerto.