Vendedores e comércio local temem impacto com fim da Petrobras na Bahia

Vendedor de picolé há 20 anos, Seu Edvaldo teme um recomeço

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  • Gabriel Amorim

Publicado em 14 de setembro de 2019 às 07:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/Arquivo CORREIO

O clima de medo e tristeza pela possibilidade do fim das atividades da Petrobras na Bahia não afeta apenas os funcionários que trabalham dentro das dependências da Petrobras. A história de Edvaldo Silva, 47 anos, por exemplo, se confunde com a da empresa.

São 20 anos vendendo picolé na porta da sede da Petrobras, na Pituba. “Eu já conheço todo mundo. Fiz minha clientela aqui. Em épocas boas, cheguei a vender 300 picolés por dia”, recorda o vendedor, sempre entre um cumprimento e outro dos clientes fiéis.

Mesmo sem trabalhar na empresa, o possível fechamento do prédio preocupa o vendedor. Todos os dias, na porta, ele acompanha a preocupação de quem pode ter a vida totalmente bagunçada por uma mudança de estado ou demissão.“Todo mundo só fala disso, estão todos preocupados. E não são só os funcionários que vão ser afetados”, acredita ele. O próprio Edvaldo já tem pensado no que vai fazer. O primeiro plano é mudar seu ponto de trabalho para a região do Comércio e tentar recomeçar. Segundo ele, restaurantes e outros vendedores também estão aflitos com o impacto da saída da Petrobras da região. “Para mim vai ser difícil. Vou ter que começar tudo de novo, criar uma nova clientela, escolher um novo ponto”, lamenta.        

O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes na Bahia (Abrasel-BA), Daniel Alves, confirma que os impactos serão sentidos com a desativação do prédio. 

“Vai ser, com certeza, uma perda muito grande para o seguimento de alimentação fora do lar. Restaurantes vão sentir e é possível até que alguns precisem fechar. O trabalhador informal, que vende quentinha ou o lanche de tarde, também deve sentir bastante”, avisa.

Fim das atividades em Salvador Em uma breve visita ao imponente prédio de 22 andares da Petrobras para perceber o clima pesado que toma conta de quem trabalha por ali. As conversas entre eles têm assunto certo: o encerramento das operações da empresa em solo baiano e o consequente esvaziamento da agora conhecida Torre Pituba.

Abordados pela reportagem do CORREIO, a maioria dos funcionários retiram os crachás, para não serem identificados. O medo de que qualquer reclamação possa piorar uma situação que já não está boa é recorrente. Com as identidades protegidas, no entanto, o discurso é unanime.“A situação está muito ruim, a Petrobras está destruindo famílias. A gente não sabe o que vai fazer agora”, diz um servidor.  “Voltei de férias sem saber muito das coisas, mas o clima péssimo é visível. A gente só fica sabendo das coisas pela rádio peão. Tudo muito incerto”, completa outra funcionária. Os boatos que correm os corredores dão conta de que a Petrobras decidiu transferir seus funcionários concursados para outros estados. Quem atualmente trabalha em Salvador provavelmente será deslocado para os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo. Já os terceirizados, sem a garantia do concurso público, já começam a buscar outros caminhos.“Trabalho em uma sala só de terceirizados. Apesar de ninguém falar nada, porque não temos nenhuma informação oficial da empresa, a gente já está buscando outras coisas. Não dá para ficar desempregado da noite para o dia”, reclama uma funcionária.Todos os cerca de 2,5 mil terceirizados que trabalham no prédio da Pituba devem ser demitidos, segundo informações do Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro-BA).

Procurada pelo CORREIO a Petrobras desmentiu boatos de demissão em massa e afirmou que o fechamento da Torre Pituba faz parte de uma estratégia econômica. “Atualmente o imóvel possui taxa de ocupação de 20% e elevados custos de aluguel e manutenção. Dentro de uma estratégia de redução de custos em todos os seus processos e atividades, inclusive a ocupação predial, a Petrobras está realizando estudo para adequar a ocupação dos espaços à estratégia de negócio da companhia”, disse por meio de nota.

A empresa afirmou ainda que as áreas afetadas estão realizando estudos para melhor alocar suas equipes e atividades, e que essa migração não significa, necessariamente, transferência de estado. 

“Também estão sendo realizados estudos para readequação de contratos de prestação de serviços conforme necessidades da companhia no estado. Não é verdadeira a informação sobre demissão em massa de prestadores de serviços. Esse movimento de adequação para redução de custos de ocupação predial não é pontual em uma região específica. Esse ano já foi desocupado o Edisp, em São Paulo, contratadas novas instalações e realocadas algumas equipes, gerando uma economia anual de cerca de R$ 20 milhões para a companhia. Com o mesmo intuito, estão sendo desocupados o Edifício Ventura, no Centro do Rio de Janeiro, e o Edifício Novo Cavaleiros, em Macaé”, completa ao comunicado. (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Transferência De acordo com o diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e do Sindipetro-BA, Deyvid Bacelar, os trabalhadores que vão ser transferidos já receberam prazos para sair do estado. O limite para a maioria das gerências começa em novembro e vai até março de 2020, mas há uma com prazo em setembro do ano que vem.

Ao todo, cerca de 1,5 mil servidores se enquadram nessa situação e podem ser deslocados para São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Esta semana, segundo ele, as entidades foram informadas de que mesmo os servidores concursados podem ser demitidos após a transferência.

“Algumas pessoas serão demitidas porque não haverá local de trabalho para todas. Naquele prédio (da Pituba), você tem áreas de contabilidade, aquisição de bens e serviços, finanças, tributário e gestão de pessoas. Quando essas áreas forem centralizadas no Rio, cada uma delas terá um limite de pessoas para trabalhar”, explica.

Uma vez que esse limite for atingido, o restante dos profissionais deve ser demitido. O percentual, porém, não foi informado. “Essa orientação (da demissão) já foi dada a todos os gerentes executivos. Observa o transtorno: a pessoa está na Bahia, vai ser transferida e ainda corre o risco de ser demitida, às vezes levando família, vendendo casa”, afirma Bacelar.

De acordo com o diretor, as demissões de concursados já começaram a acontecer. Em 2019, houve quatro casos de desligamentos sem justa causa na Bahia. Esses casos estão sendo acompanhados pela assessoria jurídica do Sindipetro-BA.

A soma das possíveis demissões dos concursados e de todos os terceirizados lotados no prédio representa, para Barcelar, um prejuízo econômico alto para aquela região da cidade e para Salvador.

“Vai aumentar o índice de desemprego em Salvador e na Bahia, e você deixa de ter uma massa salarial que consome naquela região da cidade. O impacto é significativo para as redes de alimentação, transportes e comércio”, explica.

No entanto, ele explica que as entidades que representam os petroleiros têm se movimentado para evitar essa situação. A primeira ação foi na via judicial: todo o processo já está na Justiça do Trabalho. Segundo ele, como os trâmites de retirada da Petrobras do estado envolvem uma série de aspectos – a retirada da sede, a venda da refinaria, o fechamento da Fafen, e o fato de campos terrestres, terminais e termoelétricas terem sido colocados à venda –, o sindicato tem impetrado ações judiciais.

Nas escuras  Entre os funcionários, que ainda não sabem exatamente o que acontecerá, a maior queixa é a do silêncio por parte da Petrobras. “A gente faz nosso trabalho porque é nossa obrigação. Mas a empresa precisa se posicionar oficialmente para a gente saber o que fazer. Tem gente com filho pequeno, com pais idosos, com marido e esposa que tem trabalho aqui, como vamos fazer para simplesmente nos transferirmos?”, questiona um servidor.

A falta de clareza no processo por parte da Petrobras é criticada também pelo presidente da Associação Comercial da Bahia (ACB), Mário Carvalho. Para ele, a estatal precisa explicar o que está acontecendo – inclusive, dizer por quais motivos não precisaria mais dos servidores que trabalham na Bahia.“A gente entende que é uma empresa de economia mista, que tem responsabilidade com os acionistas. Mas, como qualquer empresa, tem responsabilidade social, ainda mais porque seu controlador é a União. Ela tem que vir a público para explicar e se existe espaço para estado, municípios, ACB ou mesmo empresas privadas fazerem algo para impedir (a saída)”, afirmou.Segundo ele, a própria ACB tem tentado contatar a Petrobras para ter mais informações, mas não tem obtido sucesso. “É muito ruim, sem dúvida, principalmente pela forma como está sendo feito, sem diálogo com as entidades privadas e os poderes estadual e municipal. A Petrobras não é obrigada a ter prejuízo por ser da União, mas não pode fazer isso desse jeito. O que a Petrobras tem a esconder? Por que não explica? Por que não se comunica?", questiona. 

A ACB não é a única buscando diálogo. Nesta segunda-feira (16), todos os sindicatos de petroleiros do Nordeste, além da FUP, serão recebidos na reunião do Consórcio do Nordeste, segundo o diretor da FUP e do Sindipetro-BA Deyvid Bacelar. Na ocasião, os governadores da região, que compõem o consórcio, vão se reunir em Natal (RN). A ideia é apresentar os impactos da situação aos governadores, para que eles também se movimentem pela permanência da estatal na região.

No dia 23 de setembro, na Bahia, será lançada uma Frente Parlamentar e Popular Mista em Defesa da Petrobras no estado. Composto por diferentes partidos políticos e pela sociedade civil, o grupo será lançado na Assembleia Legislativa do Estado (Alba). Em Brasília, o Congresso já lançou uma frente com o mesmo objetivo. Uma greve nacional dos petroleiros contra o que chamam de "destruição da Petrobras" também está sendo desenhada, ainda sem data.“Não tem argumento econômico que justifique isso. Essa (saída da Bahia e do Nordeste) é uma decisão política. Resumir a Petrobras a apenas três estados é ir de encontro ao que qualquer grande petrolífera faz hoje, que é integrar exploração, produção, refino, petroquímica e comercialização desses produtos. Parece até uma reação ou vingança contra o Nordeste”, diz Bacelar.Outros lados  Em nota enviada ao CORREIO, o presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), Ricardo Alban, afirmou que o fechamento de unidades da Petrobras, apesar do impacto imediato que pode ter sobre o comércio e serviços, pode trazer mais dinamismo para a indústria e para a Bahia. Para ele, isso aconteceria com a atração de novos investimentos do setor privado nas atividades de refino.“É importante lembrar que a estratégia da Petrobras vem sendo focada na exploração de petróleo e numa descontinuidade progressiva dos investimentos nas atividades de refino”, disse. “Com a privatização da RLAM e do eventual arrendamento da Fafen, a atração de novas indústrias de capital privado pode conferir mais eficiência e dinamismo ao segmento produtivo, com efeitos que se estenderão a toda a cadeia produtiva da petroquímica baiana”.

Outro ponto, para Alban, é que a exploração de campos maduros por outros agentes também é um fator positivo para a economia. “Segundo a PIA 2017 (IBGE) o setor de refino contribui com 25,2% do VTI (Valor da Transformação Industrial) e 1,4% do POT (Pessoal Ocupado Total) da Indústria de Transformação da Bahia. Outro dado importante sobre o setor/Petrobras é que respondeu por 25% da arrecadação de ICMS do estado, em 2018. Estes números mostram que há oportunidades para o setor privado no estado”, completou.

* Com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro