'Venho porque dói na minha pele', diz professora ao protestar contra racismo

Ato foi organizado pelo grupo 'Rolezinho das Caras Pretas' na região da Avenida ACM

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  • Gabriel Amorim

Publicado em 5 de fevereiro de 2020 às 23:08

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Betto Jr/CORREIO

O trajeto do McDonald’s na Avenida ACM à estação Rodoviária do metrô foi transformado em passarela de protesto. Cartazes em punho e cantando a plenos pulmões, um grupo de cerca de 15 pessoas, do movimento Rolezinho das Caras Pretas, protestou, na noite desta quarta-feira (5), contra os últimos casos de racismo ocorridos em Salvador.

O início e o fim do caminho foram escolhidos em razão do propósito do grupo.Criado em 2017, o coletivo nasceu para agir contra casos de racismo em situações de consumo. Nesta noite, protestaram em razão de casos ocorridos em janeiro. No McDonald’s, um adolescente negro em situação de rua foi agredido por um segurança enquanto pedia comida. Já a estação Rodoviária, onde a caminhada terminou, foi palco de um caso envolvendo duas garotas gêmeas e um segurança que chamou as meninas de “bucha 1 e bucha 2”.“Quando a gente protesta, as pessoas acham que a gente não tem o que fazer. Mas eu dei aula, vim fazer o rolezinho, e depois vou trabalhar. Não é porque eu não tenho o que fazer, é porque dói na minha pele”, relata a professora Amanaiara Conceição Miranda, 49 anos, uma das fundadoras do grupo. Ativo há pouco mais de dois anos, o grupo já realizou cerca de dez atos como o desta noite. O objetivo, segundo eles, é realizar o que chamam de ‘constrangimento pedagógico’ nos ambientes de consumo onde o racismo se fez presente. “Nosso trabalho é um trabalho educativo, para chamar atenção. A vítima não precisa estar no lugar, quem precisa somos nós para falar por ela. Porque as vitímas somos todos nós”, defende a fundadora. 

Ela própria já foi vítima de uma ação racista em um shopping da cidade. Entrou em uma loja de calçados para comprar uma sandália e foi abordada pela vendedora. “Mas essa sandália custa R$ 60. Ela disse isso como se eu não tivesse condições de comprar”, relata. No mesmo dia, no shopping, a professora presenciou um ‘rolezinho - adolescentes negros que passeavam pelo centro de compras em grupo - e ouviu comentários racistas vindos da gerente de uma loja.

“Era dia 13 de maio, em 2017, e elas diziam: ‘Hoje não vai ter venda, porque só tem gente feia nesse lugar'“. Foi desse episódio, ocorrido em um dia marcante para o movimento negro, que o grupo surgiu. “Ao corpo negro nada é previsto. Não é esperado um lugar de poder. Eu só não seria questionada se eu tivesse no lugar da empregada doméstica, da auxiliar de serviços gerais, algum lugar que demonstra uma subordinação”, detalha.

Durante o protesto, o grupo comentou ainda o episódio envolvendo um adolescente agredido por um policial militar, em razão do seu cabelo. “Como a polícia diz pra um adolescente 'que cabelo da desgraça é esse?' É um cabelo igual ao meu, um cabelo crespo. Um cabelo que não está como o padrão de beleza. A gente vem se manifestar por essa e pelas diversas situações no mês de janeiro, e não dá para ficar parada. Eu não queria estar aqui, precisar me manifestar, mas é necessário”, completa.

Educação Se o intuito é agir para educar, o grupo recebe pessoas de todas as idades, inclusive crianças. É o caso da garota Edla Kyesi, 10 anos, que participa dos atos com a mãe sempre que possível. 

Quem traz a pequena é a professora Analia Santana, 49 anos. “Ela precisa estar fortalecida e educada nesse sentido para falar do racismo que sofre, e não sucumbir. Quando a gente se fortalece, e fortalece nossos filhos nessa luta educativa, ela já vai ter estratégias de como agir”.

A garota mostra que a educação tem dado resultados. “Eu penso primeiro o que vai ajudar uma outra pessoa caso aconteça com ela. Eu vou na calma e na paciência pra que a pessoa entenda que o que ela fez foi extremamente errado”, diz, ao explicar como reage aos episódios de racismo que enfrenta. “Com quatro anos um menino riu de mim porque eu estava de turbante na escola”, lembra a garota, exemplificando o dia a dia. 

Outro lado Procuradas pelo CORREIO, tanto a CCR, empresa que administra o metrô, quanto o McDonald’s se posicionaram sobre o protesto. “A empresa informa que as apurações internas apontaram que o profissional envolvido no incidente reagiu a uma agressão do jovem. A rede reforça que é contrária a qualquer forma de violência ou discriminação e preza sempre pelo respeito por todas as pessoas e, por isso, o profissional foi afastado”, disse, em nota, a rede de lanches. 

Já a CCR, depois de ser cobrada pelos manifestantes que realize ações continuadas de educação dos colaboradores, para evitar casos como o que ocorreu com as meninas gêmeas, afirmou que “desde o início da operação do Sistema Metroviário de Salvador e Lauro de Freitas, em 2014, vem promovendo iniciativas em várias frentes visando valorizar a diversidade étnico-cultural e de gênero, além de buscar a promoção da igualdade de oportunidades para todos”.

*Com orientação da subeditora Fernanda Varela