Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

Vida nova pro mangue de Garapuá

Vencedor do edital Nordeste em Movimento, da Uber Brasil, projeto Bioação vai usar vegetação nativa para diminuir resíduos poluentes

  • D
  • Da Redação

Publicado em 28 de dezembro de 2020 às 06:00

 - Atualizado há 2 anos

Durante uma viagem de barco entre Salvador e Ilhéus, lá pelas bandas de 1817, os naturalistas Carl von Martius e Johann von Spix, responsáveis por catalogar mais de 22 mil espécies da fauna brasileira, avistaram um lugar que chamou atenção: “A vegetação sempre viçosa, na proximidade imediata do mar, sobretudo a do mangue-vermelho, oferece de longe bonito aspecto”. 

Eles estavam relatando, talvez pela primeira vez na história, Garapuá. A dupla vacilou e não deu uma parada no lugar. Perderam a chance de catalogar espécies que estão prestes a salvar todo um ecossistema, além do sustento de uma comunidade que vive da pesca de mariscos. Dois frequentadores assíduos do lugar, nativos e cientistas da Ufba colocaram a mão na lama e vão, enfim, salvar o paraíso do vazamento de óleo que quase destrói um dos principais manguezais do país. Tudo isso graças ao que a própria natureza fornece.

Garapuá é um povoado localizado na ilha baiana de Tinharé, no município de Cairu, bem pertinho da badalada Morro de São Paulo. Assim como a praia, o manguezal de Garapuá foi invadido pelo óleo derramado na costa nordestina no segundo semestre de 2019. Na época, mais de 4 toneladas de dejetos foram removidas do povoado, de forma manual.

[[galeria]]

 Um ano após o desastre, não é mais possível ver as manchas. Não a olho nu. Substâncias químicas microscópicas ainda estão nas águas dos manguezais, prejudicando a biota. Para se livrar de vez dos resquícios do desastre, a produtora cultural Lívia Cunha e o jornalistas Victor Uchôa idealizaram o Bioação Garapuá.

O projeto utilizará a própria vegetação para eliminar de vez os resíduos químicos do local, com uma técnica patenteada pela Ufba, que utiliza a fitorremediação, processo que utiliza as próprias plantas do local para purificar o solo ou a água contaminada. Os integrantes do projeto recolheram no início de dezembro espécies de plantas do manguezal, que foram trazidas para Salvador. Elas serão aclimatadas em laboratório, aumentando sua capacidade de absorção de hidrocarbonetos de petróleo pela raiz. Em seguida, serão replantadas em Garapuá. 

A grosso modo, estas plantas se alimentarão dos resíduos de óleos microscópicos, limpando o ecossistema de forma natural. O replantio está previsto para o início de 2021, entre janeiro e fevereiro. “O que fazemos é usar organismos vivos para remover os poluentes do ambiente. É preciso eliminar os compostos invisíveis, como benzeno, tolueno e xileno, ou no mínimo diminuir a presença deles. Aí entra a biotecnologia”, disse o pesquisador e professor da Ufba, Ícaro Moreira, que faz parte do projeto.

 O manguezal de Garapuá tem um aspecto diferenciado e único no país. A vegetação do mangue invade a bancada de corais do mar, algo  visto em poucos lugares no mundo, como em regiões caribenhas. Talvez por isso chamou tanta a atenção dos naturalistas Spix e Martius, que relataram o lugar no volume 2 do livro Viagem pelo Brasil, disponível para download no site oficial do Senado Federal. 

Não é apenas a beleza do lugar que está em jogo. O sustento das marisqueiras e de toda comunidade também. Dos 800 habitantes da comunidade, boa parte é sustentada por mulheres que coletam mariscos, entre eles a lambreta, a principal iguaria do local. Após o derramamento de óleo, muitas marisqueiras se queixam do sumiço de algumas espécies, além de problemas de saúde. “Reduziu significativamente o quantitativo de marisco que elas conseguiam retirar no dia, sem contar que temos medo dos problemas invisíveis, a médio e longo prazo, como câncer devido ao contato com estas substâncias na água.  Temos uma marisqueira com um sério problema de pele nas mãos e pés e não sabemos ainda a causa. Algumas espécies de mariscos estão sumindo e não sabemos o porquê”, afirma a professora e líder comunitária de Garapuá, Jailma Rafael, que vê com bons olhos a Bioação. 

Este projeto visa justamente o equilíbrio entre natureza e homem. E as marisqueiras terão um cuidado especial, além de fazerem parte da solução sustentável. “Entramos na fase laboratorial e depois vamos para a fase de implantação das mudas dentro do mangue para o reflorestamento, quando começa efetivamente o processo de fitorremediação. O objetivo é que as próprias marisqueiras passem a criar e cultivarem estas mudas, participando efetivamente deste processo”, projeta o jornalista Victor Uchôa.

O projeto Bioação Garapuá foi um dos oito vencedores do edital Nordeste em Movimento, idealizado e custeado pela Uber Brasil, que terá subsídio da empresa para diminuir os impactos deixados nas áreas afetadas pelo óleo, tanto na parte socioeconômica, quanto na ambiental. Serão disponibilizados  R$ 200 mil entre os projetos, que terão um importante papel na recuperação da costa nordestina. Aprovado em dezembro de 2019, o Bioação deveria ter iniciado desde março, mas a pandemia do coronavírus atrasou o cronograma, que finalmente deu o pontapé inicial.

A iniciativa ainda conta com os apoios do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá), do Instituto de Geologia da Universidade Federal da Bahia (Igeo/Ufba), liderada pela diretora Olívia Oliveira, além da Associação de Moradores do local. Os mangues beneficiados são conhecidos como Vilesboa, Pedarta, Camboa Velha e Panã, que tomam 150 hectares da ilha, todas pertencentes a uma Área de Proteção Ambiental (APA).

Pelo visto os naturalistas Spix e Martius devem estar se revirando no túmulo por não terem dado aquela paradinha em Garapuá. Azar o deles...