Vídeo de Lucas Ribeiro expõe mau uso de redes sociais por atletas

Rede social pode ser solução ou problema. Como os jogadores de futebol têm utilizado?

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  • Daniela Leone

Publicado em 19 de setembro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Mauricia da Matta / EC Vitória

Um vídeo íntimo publicado no Instagram do zagueiro Lucas Ribeiro, titular do Vitória, direciona os holofotes para uso das redes sociais e suas consequências em um meio tão badalado como o futebol. No vídeo, o jogador de 19 anos e um amigo aparecem fazendo sexo com uma mulher.

Lucas Ribeiro apagou a publicação pouco tempo depois e se retratou com uma nota oficial na mesma rede social, na qual pediu desculpa pelo equívoco. Mas, como característica do ambiente virtual, ele não conseguiu mais controlar a repercussão do ato: a partir de um dos seus 7,9 mil seguidores no Instagram, o conteúdo viralizou no WhatsApp na última segunda-feira (17), data da publicação. Uma situação que, se levada às últimas instâncias, pode acabar até em implicações judiciais.

O uso das redes sociais é um dos temas abordados nas atividades desenvolvidas nas categorias de base dos principais clubes baianos, Vitória e Bahia. Os benefícios e prejuízos na carreira de atletas costumam ser temas de palestras.

Revelado na Toca do Leão, Lucas Ribeiro participou de ações na base rubro-negra antes de ser promovido ao time profissional pelo técnico Paulo Cézar Carpegiani. Na opinião da psicóloga Verena Freire, no Vitória há dois anos, o zagueiro terá condições de reverter o erro.

“É um atleta que esteve com a gente. O mau uso das redes sociais pode impactar a carreira de qualquer pessoa. Como são jogadores muito jovens, a gente sempre acredita que tem tempo hábil para reverter essa situação, que as falhas nesse momento da vida acontecem. Infelizmente, algumas vezes ficam registradas na mídia, mas sempre dá tempo das pessoas se recuperarem sobre o que aconteceu no passado”, comenta Verena.

Ela prefere usar os bons exemplos para efeito educativo, mas admite que o episódio protagonizado por Lucas pode servir para chamar a atenção de outros atletas sobre a temática. “Eu acredito que isso pode alertá-los para o mau uso e eles podem ser mais cuidadosos”, analisa.

O psicólogo Rafael Ramos, que trabalha no Bahia há cinco anos, pontua sobre a rotina no esporte de alto rendimento mais popular do país. “A garotada vive no mundo das estrelas, o ambiente onde eles estão traz visibilidade. Eles precisam ser orientados que serão indivíduos públicos e que qualquer vídeo pode se tornar um problema para a vida deles, como cidadãos e ainda mais como atletas, e que carregam uma instituição por trás”, afirma de maneira abrangente, e não em particular sobre o atleta do Vitória.

Ele conta que monitora as postagens dos atletas da base tricolor. “É uma forma de trazer informação pra gente, da relação familiar, por onde anda. Esse monitoramento é constante para saber se tem algo que vai trazer transtorno para o rendimento do atleta”.

O vídeo de Lucas  gerou uma conversa entre os departamentos de comunicação e de futebol do Vitória, o atleta e seu staff. “Nós falamos com ele ontem (segunda) e falamos hoje (terça, 18) novamente. Esse tipo de situação acaba trazendo muitos desdobramentos. Sabemos que ele tem a responsabilidade dele com suas questões pessoais, mas, a partir do momento que se torna um agente público, que encarna uma camisa como a do Vitória, ele precisa ter um conjunto de responsabilidades para que as imagens dele e da instituição não fiquem maculadas”, argumenta o diretor de comunicação e marketing do Leão, Anderson Nunes.

“É um jovem em formação e aqui a gente não está falando apenas do atleta Lucas Ribeiro. Está falando do cidadão, do homem, que também está em formação. Diz respeito a atividades outras na carreira do atleta, que é imagem, que é comunicação, que é comportamento, de ser exemplo positivo, já que é uma pessoa pública”, prossegue Nunes.

Ao contrário do que acontece na base, os elencos profissionais da dupla Ba-Vi não são acompanhados por psicólogo. As orientações sobre cuidados com as publicações são passadas pelo departamento de comunicação durante a pré-temporada.

No Bahia, o tema também é citado em uma cartilha distribuída aos atletas quando assinam contrato com o clube. “A rede social adquiriu uma força e um tamanho tão grandes nos tempos atuais que é a verdadeira porta de entrada em termos de comunicação para os clubes de futebol. Pelo caráter instantâneo, superou em muito o site oficial, as entrevistas coletivas e tudo mais”, exemplifica o gerente de comunicação Nelson Barros Neto.

É crime?

“O clube, enquanto empregador, pode dar orientações, mas nem sempre a gente consegue ter esse controle”, resigna-se Anderson Nunes.

Não é para menos. Do ponto de vista do Direito trabalhista, o Vitória realmente não tem muito o que fazer em uma situação como esta.

“Dentro do ambiente de trabalho, o empregador tem direito de estipular as regras que entenda necessárias, mas não pode restringir a vida pessoal de seu funcionário. Em tese, não tem como interferir, a menos que a publicação esteja vinculada ao ambiente de trabalho. Por exemplo: um vídeo na concentração ou de uma conversa com o técnico. Aí o clube pode vetar”, explica o advogado André Machado.

“Para o clube é uma situação muito complicada. Não há muito o que fazer do ponto de vista do contrato de trabalho. Neste caso do atleta, em nenhuma hipótese caberia demissão por justa causa, por exemplo”, ilustra.

“Na esfera cível, caberia uma ação indenizatória por parte da mulher ou do amigo se a divulgação não tiver sido autorizada. O fato de autorizar a filmagem não significa que está autorizando a divulgação em rede social. E na esfera criminal, pode configurar injúria real, com pena de 3 meses a 1 ano. Compartilhar seria o mesmo crime, desde que se soubesse a autoria, o que na prática não ocorre”, complementa o advogado.

"Vivemos em um regime de visibilidade ampliado"

Professor da disciplina Comunicação e Tecnologia da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba), o pesquisador André Lemos lança o olhar sobre um padrão de comportamento que tem se tornado comum em tempos de selfies e compartilhamentos em abundância.

“É uma busca por autoexposição, uma espécie de construção de um discurso sobre si mesmo, que passa sobre mostrar para o outro. A autoexposição cria a visibilidade clara, mas há um outro efeito perverso. Vivemos num regime de visibilidade muito ampliado, as pessoas usam isso, mas precisam fazer com responsabilidade”, pondera.

“A minha foto eu fazia analógica, guardava no meu álbum e só a minha família tinha acesso. As pessoas têm que entender o funcionamento da rede e que a publicação foge do controle depois que vai pra rede”, compara Lemos. E lembra também das implicações que tal exposição pode vir a causar no ambiente de trabalho.

“A pessoa tem que saber em que empresa ela está para saber o que ela vai revelar, porque isso pode gerar um constrangimento ruim para a profissão. Muitos usam isso para ganhar destaque e potencializar a carreira. É uma questão complexa”, conclui.

O diretor de comunicação e marketing do Vitória, Anderson Nunes, também atenta para os prós e contras. “É uma questão de orientação e de cuidado. Orientação no sentido de que é importante ter esses canais diretos com os fãs, pois isso humaniza mais o atleta, aproxima do torcedor. Mas é preciso ter cuidado, é preciso ter condutas. Hoje, com rede social, todo mundo é gerador de conteúdo”.

“A gente conversou com o atleta para que ele tome, dentro da esfera privada da vida dele, atitudes e comportamentos condizentes com um atleta de futebol”, afirma Nunes.

Após o acontecido durante a folga, o zagueiro Lucas Ribeiro se reapresentou para treinar no Barradão, ontem, junto com o elenco. Ele não deu entrevistas.

Bahia já demitiu atacante por vídeo vazado

Exemplos ruins nas redes sociais não faltam no mundo da bola. Jogadores da dupla Ba-Vi já protagonizaram alguns episódios que não repercutiram bem.

Um caso emblemático ocorreu em agosto do ano passado. Na véspera de uma viagem para Curitiba, onde o Bahia enfrentaria o Atlético-PR, o meia Gustavo Ferrareis provocou um alvoroço entre torcedores nas redes sociais ao publicar uma foto no Instagram com a legenda “churraxx”. Na publicação, ele aparecia junto a um cooler com latas de cerveja próximo à piscina do Fazendão.

Também em 2017, o centroavante Rodrigão foi desligado do tricolor após aparecer dançando e tomando cerveja às vésperas de um clássico Ba-Vi. Tudo porque o vídeo postado por amigos do jogador nas redes sociais viralizou. Ou seja, o atleta precisa ter zelo não só com o que publica, mas também com o que se permite publicar, em ocasiões com amigos ou fãs.

Outro caso aconteceu com o zagueiro Kanu, do Vitória, em fevereiro. Pouco depois da briga generalizada que houve no primeiro Ba-Vi do ano, o jogador rubro-negro, que havia dado um soco no meia Vinícius, do Bahia, aceitou fazer uma foto em pose de briga, com os punhos cerrados, a pedido de torcedoras. Horas depois, a imagem estava nas redes sociais. Consequência: o conteúdo foi usado contra o próprio Kanu durante o julgamento da briga, no Tribunal de Justiça Desportiva da Bahia (TJD-BA).

Na análise do gerente de comunicação do Bahia, Nelson Barros Neto, o mau uso das redes sociais pode prejudicar não apenas o jogador, mas também a imagem do clube. “Pode interferir na imagem tanto positiva quanto negativamente. Há uma série de bons exemplos e boas práticas para o jogador não só ajudar o clube, como também ganhar moral perante a torcida. O mau uso pode  entregar uma escalação que seria escondida até provocar bate-boca com torcedores e expor situações que deponham contra a instituição”, destaca.