Vigilantes da próstata: câncer de baixo risco pode ser 'tratado' sem intervenção

Protocolo de vigilância ativa, que monitora câncer de próstata de baixo risco, ainda é incomum no Brasil

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  • Da Redação

Publicado em 15 de agosto de 2021 às 11:00

- Atualizado há um ano

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Foto: Reprodução Observar o inimigo, mas sem precisar intervir. É difícil imaginar ter um câncer de próstata e mantê-lo lá, quieto, sem intervenção cirúrgica ou radioterapia. Contudo, é possível e muito comum na Europa e Estados Unidos. Ainda pouco difundido no Brasil, a vigilância ativa é uma solução médica de monitoramento contínuo do câncer de próstata de baixo ou baixíssimo risco.

A regra é simples: observar. Muitas vezes, a doença não evolui e o paciente pode passar anos com o câncer, mas sem precisar de procedimentos mais agressivos, evitando algumas consequências que tiram o sono do homem, como a disfunção sexual e incontinência urinária.   “A vigilância não é um tratamento, é bom frisar. É uma estratégia de acompanhamento, que monitora o câncer e é preciso seguir à risca todo o processo. Não adianta ir ao médico de ano em ano e não cumprir o protocolo. Enquanto nos Estados Unidos e Europa os médicos estão deixando de operar e optando pela vigilância ativa naqueles casos com critérios para entrarem no protocolo, aqui ainda sofremos algumas resistências”, reforça o uro-oncologista Augusto Modesto, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Urologia seccional Bahia (SBU-BA). 

Ainda não existe um estudo de quantos brasileiros já utilizam a vigilância ativa. Nos Estados Unidos, o número de pessoas diagnosticadas com câncer na próstata em fase inicial ou com risco baixo, que utilizam o protocolo, já chega a 40% dos casos.    Requer muita disciplina e uma dose de paciência. Em alguns casos, é preciso fazer o PSA, que rastreia o câncer, além do toque retal, de três em três meses. Este intervalo pode ser maior, mas vai depender do quadro e da avaliação médica. A biópsia será realizada todo ano.  Se ele permanece lá quietinho, sem alteração, a pessoa vai continuar vivendo sem precisar de cirurgia ou radioterapia. Augusto Modesto é Uro-oncologista e defende a importância da vigilância ativa em alguns casos de cêncer de próstata (Foto: Divulgação) “Se a pessoa não vai seguir todo o protocolo da vigilância ativa, prefiro nem iniciar o tratamento.  Se perder o ‘time’ da rotina de exames, passa a ser inviável, pois é preciso monitorar sempre. Não dá para ser de ano em ano”, avisa Augusto. Existe uma preferência em pacientes mais velhos, mas o protocolo também pode ser seguido pelos mais novos. O que vai determinar se o homem pode ou não fazer a vigilância é a gravidade do câncer. Se houver progressão do tumor durante o acompanhamento vigiado é preciso intervenção.

O médico explica que as principais razões pela preferência aos pacientes mais  velhos envolvem a expectativa de vida e o quanto este paciente vai manter a disciplina.  “A chance de abandonar a vigilância é alta em pacientes mais jovens, pois ele terá que acompanhar o câncer durante muito mais tempo que uma pessoa mais velha. A chance de adesão passa a ser menor. Por outro lado, nos últimos anos, tenho recebido muitos pacientes jovens  perguntando sobre a vigilância. O motivo é o medo das sequelas de uma cirurgia, como a impotência sexual”, completa  Modesto. 

Há cinco anos, após um ultrassom transretal, o empresário Alexandre Thomaz descobriu um câncer de próstata bem no início, com baixíssimo risco. “Fiz uma consulta com um médico muito conhecido em São Paulo e ele me indicou o procedimento. Procurei uma segunda opinião e decidi fazer um procedimento chamado braquiterapia. Eu decidi tirar logo, pois não sei como seria ficar tanto tempo indo ao médico sempre”, explica Alexandre, 68, que tem o câncer controlado. A braquiterapia é um procedimento de radioterapia, em que  são colocadas ‘sementinhas radioativas’ parecidas com arroz no local do câncer, que ficam lá a vida toda. Alexandre tem 84 destas ‘sementes’ na próstata. O SUS ainda não cobre este procedimento, que pode custar cerca de R$ 25 mil. 

Aos 62 anos, um advogado, que prefere não se identificar, optou pela vigilância. “É preciso, de fato, disciplina. Tenho dois anos com a vigilância ativa e o câncer não evoluiu. Vivo sem as sequelas que uma cirurgia poderia me dar, como impotência sexual. Consigo ter qualidade de vida, mas entendo quem se sente inseguro. É preciso ter um psicológico bem definido para saber conviver com um câncer. Me preocupo, contudo, como pacientes do SUS vão conseguir as visitas ao médico se é difícil marcar qualquer consulta de rotina?”, pondera.  

De fato, a dificuldade de marcação de consulta é uma barreira para quem deseja utilizar a vigilância ativa, mas não tem um plano de saúde. “No sistema público, que responde pelos cuidados de mais de 70% da população brasileira, o acesso para a realização do rastreamento, biópsia e exames de imagem nem sempre se dá no tempo necessário. No sistema de saúde suplementar, o maior entrave está na necessidade de profissionais de saúde explicarem detalhadamente para os pacientes todas as opções terapêuticas, com seus riscos e benefícios”, avalia Rodolfo Borges dos Reis, diretor do departamento de uro-oncologia da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia), em entrevista à revista Veja.  

Outro entrave está também nos próprios médicos, que não divulgam a possibilidade de acompanhamento.“Na Europa e EUA é um procedimento padrão oferecer este meio menos agressivo e com maior expectativa de vida. Um estudo recente mostrou que menos de 5% dos pacientes que utilizam a vigilância morrem em decorrência do câncer. Cirurgia é o último caso”, opina um oncologista que pediu anonimato.   O professor universitário Ubiratan de Menezes descobriu este ano um câncer de próstata e foi operado em julho. Ele acredita que é preciso o médico mostrar todas as formas de tratamento,  prezando pela qualidade de vida do paciente. Para ele, informação é tudo: “Se eu fosse convencido pelo médico de que a vigilância ativa seria o melhor procedimento, faria. Manteria funções fisiológicas na normalidade e com qualidade de vida. No meu caso, precisei fazer a prostatectomia radical”. Ubiratan passou a dedicar seu perfil no Instagram para falar sobre a doença (@biraamenezes).

Perguntas frequentes

O que é vigilância ativa?  A vigilância ativa consiste no monitoramento do câncer de baixo risco e pouco volume por meio de exames e consultas periódicas, normalmente a cada seis meses. Este tempo pode ser menor. 

Como um paciente se enquadra no perfil?  Essa classificação é baseada no toque retal, PSA, métodos de imagem como a ressonância multiparamétrica e principalmente na biópsia da próstata. 

Há algum risco de se adiar o início do tratamento do câncer porque se optou inicialmente pela vigilância ativa?  Desde que o paciente faça os exames periodicamente, conforme seu urologista determina, nos tumores de baixo risco, a possibilidade é muito pequena. 

Homens jovens podem fazer esse tratamento? A idade não é fator importante na vigilância ativa, somente os critérios de baixo risco. Contudo, o tratamento é oferecido para homens acima dos 60 anos por expectativa de vida.  

Quais os benefícios de se ficar em vigilância ativa?  Evitar os efeitos colaterais do tratamento, como incontinência urinária e disfunção erétil. 

Há algum estudo que apresente a porcentagem de sobrevida de quem opta por esse tratamento?  Os estudos mostram que 70% dos pacientes que fizeram ou fazem vigilância ativa por 15 anos não apresentaram progressão do câncer de próstata. A taxa de mortalidade pela doença destes pacientes vigiados é menor que 5%. 

No Brasil e no mundo, qual o número estimado de pacientes em vigilância ativa?  Não existem estudos no Brasil. Nos EUA estima-se que 40% de pessoas com o quadro que se encaixa na vigilância aderem ao monitoramento. 

A vigilância ativa é oferecida no SUS?  Sim. Em diversos serviços do SUS a vigilância ativa é realizada da mesma forma que nos pacientes privados, dependendo muito da aderência do paciente a esse tratamento.