Vítimas de covid-19 em Uruçuca tiveram problemas com regulação

Paciente morreu aguardando vaga e com ambulância parada no pronto-socorro

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  • Vitor Villar

Publicado em 24 de maio de 2020 às 06:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

O casos mais graves de óbito em Uruçuca por covid-19 estão ligados a dificuldades na transferência de pacientes para hospitais da região. O processo é administrado pela Superintendência de Gestão dos Sistemas de Regulação (Suregs), órgão da Sesab.

O município do Sul baiano tem apenas 20,5 mil habitantes e já registrou 9 mortes e 83 casos da doença (veja abaixo perfil de todas as vítimas). É a cidade com taxa de mortalidade mais alta da Bahia, três vezes acima da média do estado. Como não possui hospital, depende da regulação de seus pacientes, sobretudo para a vizinha Ilhéus.

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William Magalhães tinha 35 anos. No dia 20 de abril, deu entrada às 16h no pronto-socorro de Uruçuca com quadro avançado de dispneia (falta de ar). A equipe médica solicitou a regulação, e o paciente ficou aguardando com uma ambulância do Samu parada à porta.

A vaga na UTI só foi disponibilizada às 21h. Em vão: uma hora antes, William havia tido uma parada cardíaca e morrido. Os familiares, revoltados, gravaram um vídeo mostrando a ambulância parada enquanto o rapaz tinha o ataque na maca. As imagens rodaram as redes sociais e chegaram ao Ministério Público.“É revoltante. Como ele estava numa unidade de saúde, ainda que básica, em tese só podia sair de lá mediante regulação. O Samu ficou aguardando a central, que não autorizou que saísse de lá sem isso. Mas demorou e o paciente veio a óbito”, comenta o promotor de justiça Pedro Nogueira Coelho, titular de Ilhéus.William era cardiopata e tinha histórico de internações no Hospital Costa do Cacau, em Ilhéus, referência para aquela região. No último deles, segundo a família, havia recebido alta, no dia 18 de abril, mesmo com estado clínico instável de falta de ar. A suspeita é de que tenha contraído covid-19 nessa internação.

Luiz do Gás

Luiz Argôlo Góes, 50 anos, não tinha comorbidades. Era conhecido como Luiz do Gás, por ter uma empresa de entrega de botijões. No começo de maio, começou a ter dificuldade para respirar e dias depois deu entrada no pronto-socorro.

O quadro apresentava baixa oxigenação do sangue e perda de consciência. “A equipe deu entrada na regulação. Como o estado dele piorou, foi colocado na ambulância e mandado para Ilhéus, ainda sem resposta da vaga”, conta Marcílio Souzam diretor de atenção básica da secretaria de saúde de Uruçuca.

O caso de Luiz foi posterior ao de William. O Costa do Cacau não o recebeu. O centro de triagem para covid-19, montado no Centro de Convenções de Ilhéus, também não. O paciente retornou para Uruçuca, teve o quadro agravado e voltou para Ilhéus, dessa vez com vaga. Faleceu pouco depois, no dia 7 de maio.“O paciente estava em estado grave e saiu de Uruçuca sem regulação. Na primeira ida ao centro de triagem foi dito à família que, em tese, o equipamento era para atendimento só de moradores de Ilhéus”, disse o promotor Pedro Nogueira Coelho sobre o caso.As mortes deixaram os moradores perplexos. “Luiz era uma pessoa que todo mundo tinha contato. Rodava Uruçuca inteira vendendo gás. Depois da morte dele, foram uns quatro dias de medo geral”, relata um amigo da família, que pediu para não ser identificado.“Instauramos um procedimento no Ministéiro Público sobre esses casos. Questionamos a central de regulação: se não tinha vagas na região de Ilhéus, por que os pacientes não foram mandados com celeridade para outra cidade onde existissem leitos?”, questiona o promotor Pedro Nogueira Coelho."Na época, não existia nenhuma notícia de saturação de leitos nem em Ilhéus, nem em nenhuma outra cidade do estado. Estamos aguardando uma resposta da Suregs, que abriu procedimento interno”, completa o integrante do MP-BA.

O CORREIO tentou contato com a Sesab e não foi atendido até a publicação da matéria.