Viva à rainha do mar

Festa está suspensa pelo segundo ano, porém, devoção à Iemanjá se mantém fortalecida

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  • Da Redação

Publicado em 2 de fevereiro de 2022 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Shuttestock

Todo dia 2 de fevereiro, os fogos da alvorada anunciam que tem festa no mar para saudar a rainha das águas: Iemanjá. Uma das tradições mais bonitas do calendário de festejos populares em Salvador, que mobiliza milhões de pessoas e reaviva a fé do povo baiano. Tradicionalmente tem cortejo, música, reza nas areias… Tem devoto depositando suas rosas brancas para pedir e agradecer… Mas o ponto alto da comemoração é sempre a entrega do presente: um balaio cuidadosamente preparado por membros do Candomblé e ofertado a ela por pescadores, nas águas do Rio Vermelho, em alto mar.

Considerada Patrimônio Imaterial de Salvador, a comemoração à Iemanjá atrai atenção de nativos e turistas. Porém, antes mesmo de ser uma das festas mais importantes que antecedem o Carnaval, é uma genuína expressão da cultura e religiosidade de matriz africana.  “Para confecção do presente, contamos com a iniciativa dos pescadores da colônia Z1, do barco Rio Vermelho, barco Popoka, do terreiro lle Axé Awa Negy e doações da Casa do Peso / Casa de lemanjá. Ele está sendo confeccionado no terreiro com todos os protocolos de saúde. Além de contar com toda logística da SALTUR, SECULT, Polícias Militar e Municipal e Capitania dos Portos da Bahia”, revela o pescador Fernando Lopes, proprietário da embarcação Rio Vermelho, que há 40 anos leva o presente principal em cortejo com outros barcos."Estamos fazendo tudo para realizar a entrega do presente de Oxum no Dique do Tororó, e de lemanjá, no Rio Vermelho, da melhor forma possível como sempre fizemos"_ Fernando Lopes, que há 40 anos leva o presente principalComo medida contra aglomerações, este ano, a prefeitura de Salvador optou por não fechar as ruas do bairro, como sempre fez;  também proibiu o uso de som e anunciou a interdição da praia da zero hora do dia 1º até as 6h do dia 3. O prefeito Bruno Reis pediu aos devotos que usem toda a extensão da orla de Salvador para suas homenagens, evitando, assim, concentrações no Rio Vermelho. A intenção é que as pessoas possam demonstrar sua fé com segurança, respeitando o distanciamento social. Outra mudança é que este ano a oferenda principal não ficará exposta na Casa de Iemanjá, mas será diretamente levada ao mar, às 8h, para evitar que as pessoas se aglomerem no local. O barco Rio Vermelho há 40 anos mantém o ritual de depositar a oferenda principal para Iemanjá em alto mar (Foto: Fernando Lopes/acervo) “Por conta do COVID19, retornaremos ao passado para buscar forças e inspiração e faremos uma entrega de presente, digna e linda, como lemanjá merece". Não temos motivos para festas, afinal, o mundo está de luto com cinco milhões e seiscentas mil vidas que perdemos e cerca de 624.717 mil só no Brasil. Então, nossa fé deve ser mantida cada vez mais forte, justamente neste momento que precisamos manter a tradição da entrega do presente principal dos pescadores da colônia de pesca Z1. Com o intuito de pedir não só fartura, peixe na mesa do pescador, mas, mais do que nunca, pedir saúde neste momento tão crítico e triste que estamos vivendo”, destaca o pescador Fernando Lopes.

Origem da devoção O nome Iemanjá vem do Iorubá e significa “mãe cujo filhos são peixes”.  De acordo com explicações de Pierre Verger na publicação “Orixás, Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo”, Iemanjá é uma divindade de axé “assentado sobre pedras marinhas e conchas, guardadas numa porcelana azul”. O dia da semana a ela dedicado é o sábado, ao lado de outras divindades femininas. Seus devotos costumam usar colares de contas de vidro transparentes e roupas na cor azul claro. Por isso, a predominância desses tons durante a festa. Por uma questão ambiental, as pessoas ofertam apenas flores à Iemanjá (Foto: Priscila Seijo) Segundo a tradição e os preceitos culturais, Iemanjá é uma sereia muito formosa que veste azul e tem cabelos longos. A imagem associada à vaidade feminina fez com que, no decorrer dos anos, os devotos depositassem como presentes espelhos, pentes e frascos de perfume, porém, hoje, por uma questão ambiental, as pessoas ofertam apenas flores, mas não deixam de reconhecer a beleza da rainha do mar, também chamada de Janaína e Odò Ìyá (Mãe do Rio).  Em seu livro, Verger também chama atenção para as filhas de Iemanjá descritas como “mulheres voluntariosas, fortes, rigorosas, protetoras e altivas”.

É dito que em um certo ano de muitas dificuldades na pescaria, um grupo de pescadores resolveu pedir ajuda de Iemanjá e lhe ofereceu alguns presentes. A rainha das águas atendeu ao pedido e veio a abundância para eles. A partir daí, então, o ritual passou a se repetir ano a ano. Desta forma, a Casa do Peso, ponto de reunião dos pescadores para vender as pescas frescas, passou a ser um local consagrado aos adeptos do Candomblé, e, a partir do ano de 1972, ganhou o nome de “Casa de Iemanjá”. É ali que a festa acontece, as pessoas depositam suas oferendas, e também de onde sai para o mar a oferenda principal, no dia dia 2 de fevereiro. Em outros dias, a casa  pode ser visitada pelo público.

Comemoração em Itapuã As homenagens à Rainha do Mar, no entanto,  não se limitam à praia do Rio Vermelho. Onde tem um pescador e água salgada, Iemanjá é celebrada. Nascido em uma família de pescadores e criado no bairro de Itapuã, Arivaldo Santana, 53 anos de idade, dos quais 40 dedicados ao ofício, é uma prova disso.“Sou filho e neto de pescador, então, a minha devoção é desde sempre”_Arivaldo Santana Balaio preparado com amor e ofertado à mãe das águas, no ano passado, pelos pescadores de Itapuã (Foto: Arivaldo Santana/acervo) Em cada dia 2 de fevereiro, ele acorda ainda de madrugada para depositar o presente de Oxum, a rainha das águas doces, na Lagoa do Abaeté. Logo depois, se prepara para fazer a oferenda à Iemanjá, em águas salgadas. Este ano o ritual não é diferente, porém, realizado sem aglomeração por conta da pandemia. “O balaio é sempre preparado na véspera por uma ialorixá e no dia vou em meu barco entregar”, conta ele, que também atribui à  Iemanjá tanto o sucesso nas pescarias quanto a proteção contra perigos em alto mar, como bem já experimentou em diversas situações.

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