Viva varanda-dá-dá, Carmem Miranda-dá-dá-dá-dá!

Por Rogério Menezes

  • D
  • Da Redação

Publicado em 11 de março de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: CORREIO

Varandas simples, varandas complexas. Varandas côncavas, varandas convexas. Varandas fundas, varandas rasas. Varandas tímidas, varandas desavergonhadas. Varandas camarotes de lendários teatros, varandas habitadas por morcegos e gatos. Sempre  benfazejas e acolhedoras e maternais. Ainda que as grades das varandas possam estar corroídas, enrugadas e enferrujadas.  Românticas por natureza ou capricho, são os meus portais da serendipidade. [Um Caetano Veloso pré-capitalista versejou com precisão: vão ‘dar no avarandado do amanhecer’].

Desde 2004, quando me apropriei desta varanda onde ora escrevo, a ponto de quase torná-la minha, eu brinco de cantarolar: 1. - Se esta varanda fosse minha, eu mandava transformar em mágico tapete que pudesse me levar para onde eu me quisesse levar. 2. – Se esta varanda fosse minha, eu a amarraria ao meu corpo e me dividiria em cabeça, tronco, membros – e varanda.

Cantei e canto. Em vão.  Minhas cantigas nunca são ouvidas. Esta varanda é carioca da gema e imóvel da gema, apesar dos ventos fortes soprados da Baía de Guanabara e que a balançam e a estremecem durante bíblicas tempestades. Eu, multiforme e multicor, sou carioca + sertanejanobaiano + paulistano + brasiliense + pernambucano + marciano, e o que + vier.

O meu porto é onde estou agora, agorinha mesmo: esta bucólica varanda. Amanhã será outro o meu porto, será outro o meu amanhã. [Não posso colocar esta varanda em cima do caminhão e levá-la mundo afora como se fosse o circo-de-1-homem só]. Neste circo-de-1-homem-só fui palhaço. Falava japonês com os meus sobrinhos-netos – e os então ‘petipetizes’ engasgavam de tanto rir. Em notável arte de imitação, eu me sentia o próprio Toshiro Mifune em Os Sete Samurais, de Akira Kurosawa.

Neste circo-de-1-homem-só picotava dezenas de folhas de papel sulfite e fazia nevar – como se nevasse na Lapônia – sobre a cabeça dos meus pimpolhos amados. Embora estivéssemos em pleno e tórrido Verão carioca, incorporávamos à la Grotowski nossos personagens e tremíamos de frio e tiritávamos os dentes.

Nesta varanda, fui herói e vilão. Fui julgado e condenado e absolvido (por mim mesmo, claro). Gargalhei. Bradei.  Orei horas. Debulhei-me em lágrimas amargas. Curti dores de amores. Amaldiçoei inimigos. Ruminei romances. Pensei em ‘desparir’, em me devolver. Abriria buraco na rede de proteção que cerca todas as varandas onde crianças frequentam. Durante madrugadas insones, tesoura na mão,  não consegui coragem para mergulhar. Nesses momentos a minha única companhia era/é este pedaço viçoso de Mata Atlântica que ora me margeia e me sombreia. Transformei-o em regaço, em colo materno, e nele ‘placenteei’.

Ao chorar, ao amaldiçoar ex-amantes e ex-amigos, ao ser de novo bombardeado por pensamentos suicidas, este pedaço viçoso de Mata Atlântica fazia suas árvores frondosas varrerem meu pensamento, e esse vento forte me cochichava: - Fica, Roge! Fica! [Fiquei e não me arrependi. Fico e não me arrependo. Fico e vou levando].