Você ainda usa salto alto?

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 8 de julho de 2019 às 14:55

- Atualizado há um ano

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Na noite passada, sonhei que usava sapatos altíssimos. Era incômodo, mas parecia "necessário" que eu estivesse ali em cima daquele troço desafiando a minha anatomia. Acordei descalça, aliviada e não precisei de terapia pra fechar uma questão. Faz tempo que não subo em saltos, mas ainda há uma prateleira de botas e sandálias desse tipo, aqui. Tenho uma amiga que (ainda) gosta, temos estilos parecidos e ela usa o mesmo número que eu. Pois vão todos pra um saco, mudarão de endereço e esse é um "até nunca mais" tão definitivo quanto todas as minhas separações.

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Eu sei andar de salto. Direitinho, sem fazer barulho, distribuindo o peso nos pés da forma "correta" e tal. Quando estou lá em cima, inclusive não pareço ter me borrado, como muitas mulheres que se sentem chiquérrimas, mas na verdade estão andando com os joelhos dobrados e as pernas abertas o que pode ser tudo, menos elegante. Minha mãe e minha avó me ensinaram, porque não é só subir e sair andando. Tive boas professoras e aprendi, por menos que isso combine com minha personalidade. Nunca foi a minha cara, mas, não adianta, segurança chega é com o tempo que passa.

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Aos 35, eu eu casei de rasteirinha na igreja e não sei se o Outeiro da Glória (RJ) já foi pisado por outra noiva com solas de borracha. Achei chique, finíssimo. Outro dia, uma comadre minha perguntou, ao me ver vestida para uma festa na escola do meu filho, se eu iria de "chinelo". Sim, eu fui. Estava me sentindo linda, segura e adequada. Ainda nos anos 90, eu já chamava de "próteses os saltos altíssimos que uma das minhas amigas usava, porque ela, baixinha, dizia que eram "necessários". Criança, eu achei dramático que a amiga da minha mãe tivesse um encurtamento de tendão pelo uso de sapatos altos e sofresse dores horríveis, com isso. No início dos anos 2000, eu achei sacanagem que as atendentes do camarote de Carnaval da Schin, na Sapucaí, fossem obrigadas a usar Melissas altíssimas. Volta e meia, tinha uma cara de dor. Fui experimentar as sandálias e não aguentei cinco minutos. Eu trabalhava na produção, mas não pude fazer nada pelas meninas. Era o "padrão", me disseram. Elas sabiam.

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O "padrão" que um namorado meu defendeu, um dia. Segundo ele, mulheres ficam bem mais gostosas de salto porque com a "bunda empinadinha". Desse mesmo "padrão", uma amiga (com outra cabeça, gente de outro nível) me ajudou a sair ao dizer, me vendo num scarpin: "logo você? Que cafonice!". A partir daí, foi só uma questão de tempo esvaziar o sentido de um treco que dói, machuca e entorta colunas, mas mulheres usam porque deixa a "bunda empinadinha". Um negócio que é ruim ao ponto de distruibuírem sandálias de borracha em eventos chiquérrimos para que, em determinado momento, as convidadas desçam dos saltos e, enfim, possam se sentir confortáveis. Percebem a demência disso? Eu acho bizarro, algo inaceitável. Pra mim, claro.

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E para muitas, me alegro ao reparar. Empregadores ainda exigem que mulheres passem horas por dia com sapatos que deformam seus pés, namorados ainda estimulam a "elegância" dependente do salto agulha e as passarelas ainda trazem modelos tropeçando em sapatos que, de tão altos, remetem a pernas de pau. Mas tá passando, observe. Assim como as tinturas e alisamentos nos cabelos, da mesma maneira que os sutiãs apertados, no mesmo caminho dos tratamentos de beleza doloridos e caros, os saltos altos andam saindo dos closets e prioridades. Isso porque, ao que parece, cada vez mais mulheres percebem o óbvio: beleza mesmo só existe onde há conforto e liberdade. 

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