‘Você dá alta a um e já tem paciente na emergência. Nem sei se é só tristeza’, diz fisioterapeuta da linha de frente

A tristeza é uma das cinco emoções básicas; saiba mais sobre os sentimentos na pandemia

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  • Da Redação

Publicado em 12 de junho de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução/Disney Pixar

Para lidar com os sentimentos da pandemia de forma saudável, devemos entender o que se passa. Na Psicologia, os 'estados afetivos emocionais' são justamente os sentimentos, emoções, humores e afetos. Apesar de serem tratados como sinônimos, não são a mesma coisa. 

As emoções do filme Divertida Mente de fato têm um papel importante para os humanos. Segundo a professora Sônia Gondim, do Instituto de Psicologia da Ufba, esses cinco estados - medo, tristeza, raiva, nojo e alegria - são as emoções básicas. 

Leia a reportagem principal: Quando seus 'divertidamentes' começam a brigar: entenda como ficam os sentimentos na pandemia

O CORREIO conversou com pessoas que estão passando por diferentes estágios desses ciclos de emoções e sentimentos. A seguir, confira os relatos de duas pessoas que estão vivendo a tristeza.  

‘Você dá alta a um e já tem paciente na emergência. Nem sei se é só tristeza, mas é desesperador’, diz fisioterapeuta da linha de frente

Desde maio do ano passado, a fisioterapeuta Layla Cupertino, 29, trabalha em UTIs de covid-19. Em 2020, ela acredita que conseguiu lidar com o trabalho de uma forma mais parecida com a forma como tratava pacientes de outras doenças. Mas desde janeiro deste ano, só vê hospitais cheios, sem nunca ter percebido um período de queda. De lá para cá, a tristeza não tem dado trégua. 

“O sentimento que predomina em mim é a tristeza. Eu não estava tanto assim até o ano passado. Como fisioterapeuta hospitalar, até então eu estava lidando normal. Tratava como uma doença grave, mas com esperança. Tinha a sensação de que as coisas iam passar rápido, que ia se achar um tratamento, que as pessoas iam ter consciência de ficar em casa. 

Só que o tempo foi passando e acho que as pessoas foram se desestimulando a ficar em casa. Acho que muito disso foi pela política do nosso presidente, que fez com que as coisa fossem piorando. Do final de janeiro até agora, não reduziu a quantidade de pessoas. Tudo foi ficando mais grave. O índice de mortalidade também aumentou, meu trabalho aumentou, minha carga horária aumentou e isso foi me deixando cada vez mais triste e esgotada.  Layla atua em UTIs de covid-19 desde maio do ano passado (Foto: Acervo pessoal) É uma sensação que descreveria como angustiante, principalmente em relação à esperança. Um sentimento de tristeza, de decepção, não só com o governo, mas também com o povo brasileiro que não cria consciência. Não critico pessoas que precisam trabalhar; inclusive fico triste porque tem gente que não pode parar. Mas a questão é com as pessoas que continuam aglomerando, indo para bares, fazendo encontros, festinhas, coisas escondidas. É desesperador. Você dá alta, aí já tem paciente na emergência. Ou você tem vaga porque o paciente faleceu. Nem sei se é só tristeza. É difícil descrever o que eu estou sentindo porque acho que o que eu tenho sentido nem tem nome. Estou fazendo terapia, para dar uma desafogada. Comecei a fazer aula de teclado. Antes eu fazia atividade física, mas hoje não tenho mais disposição. Até queria, mas tenho estado muito cansada. Pelo menos na aula de teclado tenho tentado fazer disso um relaxamento.

Eu tive um período difícil na minha vida antes da pandemia, mas que já tinha passado. Eu já estava bem. Claro que eu não estava satisfeita com o Brasil em geral, mas eu sabia lidar com isso. Eu tinha esperança e hoje esse sentimento está muito mais longe que perto. 

Já senti alegria algumas vezes. Quando eu vejo o paciente indo embora, vem a sensação de missão cumprida, de que estamos fazendo nossa parte. Fico feliz quando a gente comemora uma alta no hospital, principalmente aqueles que agravaram muito e tínhamos medo de ir a óbito.

Às vezes, tenho esses sentimentos de raiva, medo, tristeza, apatia, esperança, e raiva de novo, num só dia. Se começo o dia dando alta, fico muito feliz, só que aí fico triste porque vejo que tem paciente piorando e vai precisar ser intubado ou raiva de ouvir de acompanhante que não quer usar máscara porque faz ‘tratamento precoce’, tudo isso num dia só. Mas vou trabalhando, fazendo minha parte, sabendo que estou dando o melhor para meus pacientes". 

‘Perco a vontade de sair da cama e é difícil fazer coisas básicas’, diz estudante que planejava sair do país antes da pandemia

A estudante e microempreendedora Arielle Reis, 22, viu os planos mudarem por completo em 2020. A essa altura, esperava ter concluído a faculdade de Psicologia e ter saído do país para investir mais na carreira como modelo. Nada foi possível. A pandemia não fechou só as fronteiras, mas também agiu como algo paralisante para ela. Pela tristeza, às vezes nem tem vontade de sair da cama.

“Primeiro veio o baque e fiquei com muito medo, muito medo. Meu corpo entrou em letargia, não via sentido em fazer nada porque nada adiantaria. Para que eu vou levantar e me alimentar bem? Para que vou para a faculdade se posso pegar um vírus e morrer? Depois comecei a ficar um pouco mais positiva, entretanto vieram acessos de raiva. Tenho sido muito agressiva nos últimos 6 meses e meu corpo responde. Humor oscila, fico nervosa, fadigada de forma recorrente.

Agora sinto raiva, tristeza e medo. Tenho sentido que isso nunca vai passar, que vai ser uma eterna pandemia, todas as pessoas vão morrer, inclusive as que amo e gosto. Tenho medo pela vulnerabilidade que me encontro. Insegurança, porque vem na cabeça de que a qualquer momento vou me infectar e não vai ter vaga no hospital. É um sentimento constante. Posso não pensar nele, mas quando lembro vem tudo muito forte e junta com um sentimento de impotência. Tem situações que levanto bem e aí lembro que não há vacina, que os hospitais estão lotados e as pessoas estão morrendo. Me sinto muito triste e perco a vontade de sair da cama, tenho vontade de ficar deitada o resto do dia. E aí é muito difícil fazer coisas básicas como ir ao mercado e me exercitar, porque passa na cabeça que nada adianta e talvez eu pegue o vírus e morra. É um sentimento constante de medo e tristeza que acaba sendo paralisador. O antes da pandemia parece uma utopia. É muito surreal pensar que há um ano, um ano e meio atrás, era outra vida. Eu sequer pensava nessa situação de medo por doença ou por morrer por uma doença ou qualquer coisa do tipo.

Eu imaginava estar terminando o TCC para me formar no curso de psicologia e pensava estar nos últimos preparos para sair do país e tentar uma carreira de modelo lá fora. Só que em 2020 nada andou nos conformes. Tranquei um semestre da faculdade por não estar conseguindo focar em nada, não conseguia estudar e não queria me formar sem a experiência completa. Voltei agora e estou no 8º semestre.  Atleta de pole dance, Arielle sente que os treinos ajudam a saúde mental (Foto: Acervo pessoal) Eu vivi felicidade quando o estúdio de pole dance reabriu, porque sou atleta de pole. Treinar é muito importante pra mim tanto de forma física quanto mental. Tenho ansiedade e me ajudou muito. Agora que meu estágio retornou foi muito bom. Fiquei muito feliz, chorei de felicidade porque era algo que fazia em 2020, gostava muito e foi interrompido de forma muito brusca sem previsão de como voltar ou quando voltar. Apesar da exposição e dos riscos, eu senti que tive um pouco da minha vida planejada de volta e que talvez as coisas se encaminhem. Uma sensação de controle.A tristeza é muito ruim. Quando ela vem de maneira muito agressiva, não consigo remediar, não consigo fazer outras coisas. Tento dar um momento de aceitar que estou triste, entender e não me cobrar tanto. Tento me entender como um ser humano na pandemia, apesar de ser cobrada como se não estivesse. Tento não pensar muito no futuro e viver o presente sem fazer muitos planos, criando expectativa e vivendo um dia de cada vez. Só que às vezes não é fácil viver um dia de cada vez".