Você é um problema seu

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 8 de novembro de 2019 às 16:38

- Atualizado há um ano

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Eu disse que ia comer uma picanha e minha amiga brincou "faz uma foto e manda pro seu treinador". Demorei uns três segundos pra entender a piada que ilustra, exatamente, o que a gente se tornou. A gente não, que eu não viajo nessa, mas me intriga, há um tempo, a quantidade de regras, limites, obrigações e lideranças que as pessoas têm ido buscar, por livre e espontânea vontade.

Eu já achava estranho quando o povo dizia que ia fazer alguma coisa porque "meu terapeuta" mandou ou quando entrava numa casa que tinha a cara não do/a dono/a, mas do/a decorador/a. Imagine o meu tédio agora que apitam o/a designer de sobrancelhas, o/a dermatologista, o/a "guru", o/a coach, o/a nutricionista, o/a personal e mais meio mundo de assessores que esse povo precisa, pra existir. Todos/as cheios/as de poder. Fico "incrívi", como diz minha amiga, com tanta submissão.

Que graça tem conversar com gente que apenas obedece e reproduz os discursos dos pacotes que comprou? Pessoas de quem basta uma palavra pra já sabermos o que dirá, em referência àquela questão? Se alguém diz "lowcarb", você já pode adivinhar tudo o que ela pensa sobre alimentação e como acha (isso é grave) que TODOS/AS deve comer. Mesma coisa com veganos, não se engane não. Se o papo for modos e costumes, citar a religião basta, porque é claro que vai repetir, na íntegra, o que o "mestre" mandou. Pior ainda é quando dizer "sou paciente de fulano/a" já entrega a "seita" para a qual a pessoa entrou.

Teorias e "lideranças" sempre estiveram aí, veja bem. A gente é que precisa saber transitar. Foi justamente porque comecei a amar Freud e Lacan que fui fazer Somaterapia, uma coisa totalmente antagônica. Pra contrapor e pensar. Foi por ver que não funcionava PRA MIM comer de três em três horas que estudei a teoria do jejum e testei, sem nenhum "guru". Jamais tive "o/a pediatra do meu filho", mas uma rede de profissionais aos quais recorro para entender os vários aspectos de um humano em desenvolvimento. Sabendo, claro, que quem conhece esse indivíduo sou eu. Dá trabalho? Dá. Mas estamos bem, obrigada. Fora a pura delícia me sentir protagonista da minha vida, viver sem bater cabeça, sem comer reggae de ninguém. 

É medo, né? Só pode ser. Dessa responsabilidade - sinto informar que intransferível - de viver. Assim, cumprindo regrinhas, "seguindo o mestre" em todos os âmbitos, deve rolar um sentimento de segurança, de "não tem como dar errado", de "se der merda, não foi minha culpa". Um autoengano danado, mas comum. A existência terceirizada é uma postura tão disseminada que o autor se sentiu à vontade para escrever "mude!" na dedicatória do livro de autoajuda que comprei por educação. "Quem disse que eu não tô bem assim?", perguntei. E ele respondeu "ninguém está", certo de que aqui também havia o buraco onde cabe qualquer babaca pra "aconselhar". Aqui, não.

Não é conselho, mas uma constatação: você é um problema seu e sempre será. Meu ex-sogro uma vez, me vendo rejeitar os mil palpites sobre como deveria cuidar do meu bebê, disse "ela prefere errar os próprios erros" e resumiu. É isso. Prefiro os meus do que os dos outros. Especialistas não têm emprego fixo, aqui. Apenas passam por mim. Sou eu que fico. Eu decido. Sem regras alheias, sem obediências, sem "medo do treinador". Na sua vida, se não é, deveria ser você. No mínimo, por dignidade porque essa existência assessorada é, em última instância, a escolha de quem acha que é malandro/a, mas apenas abriu mão. Resumindo, num mundo tão rico de possibilidades, fez a pior opção: se infantilizou, ajoelhou, ficou irremediavelmente covarde.

(E se um profissional precisa da submissão alheia pra fazer o seu trabalho, tem que primeiro se curar)