Xangô e Iansã passaram por aqui: Bahia registrou 183 mil raios

Previsão é de mais chuva para o final de semana

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 5 de novembro de 2021 às 21:10

- Atualizado há um ano

. Crédito: Frequência de clarões e sons no céu assustou e deu o que falar nas redes sociais (foto de Tiago Quirino Troccoli)

A Bahia foi surpreendida, na noite de quinta-feira (4) por relâmpagos e trovoadas. Ao todo, foram 183 mil raios. Os clarões e o barulho assustaram os moradores. Nas redes sociais, o assunto deu o que falar e teve até quem fizesse piada da situação. “Caiu um raio do lado da viatura da polícia. Quero ver irem lá prender Xangô e dizerem que ele atirou contra a guarnição”, disse um usuário do Twitter. Bastante cultuado pelas religiões afro-brasileiras, Xangô é um orixá considerado deus dos raios e dos trovões, ao lado de Iansã, senhora dos ventos e tempestades. Ultimamente, eles andam agitados pelo território baiano.   Segundo o Grupo de Eletricidade Atmosférica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Elat/Inpe), de janeiro a outubro, a Bahia registrou 2.564.694 raios. Em Salvador, foram 613. Durante todo o ano de 2020, a Bahia registrou 2.931.207 raios. Na capital, foram 1.569. Dos mais de 183 mil raios que atingiram a Bahia na última quinta-feira, 8.640 foram registrados na Região Metropolitana de Salvador.    De acordo com o ClimaTempo, a Bahia foi o estado que mais acumulou raios nesse período, isso porque grandes núcleos de nuvens carregadas se formaram e o tempo ficou bastante instável na região. “Os números são muito altos para o padrão tanto do estado quanto da capital. Com certeza é uma das maiores tempestades da história da região”, aponta o coordenador do Elat/Inpe, Osmar Pinto Jr.   Mas você ainda se pergunta qual a diferença entre relâmpago, trovão e raio? Calma que o CORREIO explica. De acordo com o Elat/Inpe, um relâmpago é uma corrente elétrica muito intensa que ocorre na atmosfera com duração média de meio segundo e trajetória com comprimento de 5 a 10 km. O fenômeno é consequência do rápido movimento de elétrons (partículas que constituem um átomo) de um lugar para outro. Os elétrons se movem tão rápido que iluminam o ar ao redor, resultando em um clarão e um aquecimento, que geram um som: o trovão. Quando o relâmpago encontra o solo, é chamado de raio.

Assim, relâmpago e trovão são os nomes dados, respectivamente, à luz e ao som dos raios. O trovão chega depois do relâmpago porque o som caminha mais devagar do que a luz. Os raios se formam quando certa região de uma nuvem acumula excesso de carga elétrica, positiva ou negativa. Se isso ocorrer, o raio é a forma de desfazer a tensão, por meio da transmissão da eletricidade.

E a pergunta que não quer calar: um raio pode cair duas vezes no mesmo lugar? Pode! Geralmente eles caem mais de uma vez em um mesmo local quando este apresenta grande incidência de raios. Como exemplo, é possível citar o monumento Cristo Redentor, que é atingido anualmente por cerca de seis raios.

Um estudo abordado no livro “Brasil: Campeão Mundial de Raios”, dos cientistas Osmar Pinto Jr. e Iara R.C.A. Cardoso, fundadores do Elat/Inpe, afirma que o Brasil é campeão mundial em incidência de descargas atmosféricas e prevê aumento na incidência de raios por aqui até o final deste século. A explicação é geográfica: é o maior país da zona tropical do planeta - área central onde o clima é mais quente e, portanto, mais favorável à formação de tempestades e de raios. A região entre Coari e Manaus, no estado do Amazonas, é a que mais tem raios.    O Brasil registra em média cerca de 70 milhões de raios por ano, com grandes variações como em 2020, ano sobre a influência do fenômeno climático La Niña, quando foram registrados 110 milhões de raios. O país ocupa o sétimo lugar do ranking mundial de mortes provocadas pelo fenômeno. De 2000 a 2019, foram registrados 2.194 casos; uma média de 110 casos por ano. Foram 68 na Bahia, sendo 5 em Salvador.   O levantamento nacional revela que a maior parte das mortes (67%) ocorreu no verão e primavera - estações mais quentes do ano e por isto com maior número de tempestades e raios. Os homens representam a maior parte dos casos (82%), enquanto as mulheres representam 18%. Dentre as principais circunstâncias de fatalidades, os maiores percentuais são aqueles associados à prática de atividades agropecuárias (26%) e estar dentro de casa próximo a rede elétrica ou hidráulica (21%).   A probabilidade de uma pessoa morrer atingida por um raio no Brasil ao longo de sua vida é de um em 25.000. Embora pareça pequena, a chance é maior do que aquela de ser mordido por um cachorro (um em 100.000). Essa probabilidade aumenta em até 2,5 vezes se você estiver desprotegido em uma área descampada durante uma tempestade típica, que produz cerca de três raios por minuto – neste caso, em apenas 30 minutos, a probabilidade de morrer atingido por um raio é em torno de um em 10.000, similar à de sofrer um acidente aéreo. Para pessoas que estejam em áreas descampadas durante uma tempestade mais forte, que produz cerca de 30 raios por minuto, a probabilidade de morrer atingido por um raio é de um em 1.000, ou seja, 25 vezes maior.  O que explica o susto da quinta-feira?

Com os conceitos em dia, é hora de entender qual fenômeno está acontecendo na Bahia para a geração de tantos relâmpagos e tanta chuva. De acordo com Osmar Pinto Jr., coordenador do Elat/Inpe, alguns fatores ajudam a explicar. “A incidência de raios é influenciada por aspectos como proximidade com o oceano, florestas e montanhas e a latitude em relação ao Equador”, diz.    “No caso da Bahia, por estar muito próxima ao oceano, a tendência é de menos descargas, principalmente na região de Salvador e todo o litoral. No interior do estado, no Oeste, a incidência já é mais alta. No geral, na Bahia temos incidência relativamente baixa de raios. Por isso, uma tempestade forte como essa que está acontecendo ganha destaque”, acrescenta. 

O coordenador diz ainda que, há um sistema frontal atingindo a região da Bahia, trazendo fortes tempestades desde setembro. “Com as mudanças climáticas, temos tido tempestades mais fortes em diversas regiões do Brasil. Por agora temos um sistema frontal que está na altura da Bahia. E nesse período, que vai desde 15 de setembro desse ano até agora, os sistemas estão trazendo tempestades muito fortes, com grande quantidade de raios”, finaliza.    De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), foi formada no último dia 2 a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), faixa de nuvens que se estende desde o sul da Amazônia até o oceano Atlântico Sul. A ZCAS, que é um dos principais sistemas meteorológicos responsáveis pela reposição hídrica em parte do Brasil no período chuvoso, tem como característica a persistência de uma faixa de nuvens que fica praticamente estacionada, provocando muita chuva sobre as mesmas áreas por, pelo menos, 4 dias consecutivos.

Com a atuação da ZCAS, a condição de instabilidade atmosférica é extremamente elevada especialmente sobre o estado da Bahia, onde os modelos numéricos indicam grandes acumulados de chuva entre a quinta (4) e o sábado (6). Os totais de chuva podem superar os 100 mm/24h em algumas localidades, chamando atenção especial para áreas do litoral e região do Recôncavo Baiano devido às áreas de risco e grande vulnerabilidade destas regiões.

“Estamos com áreas de instabilidade em diversos pontos do país, com destaque para a Bahia. Do dia 4 até a manhã do dia 5, tivemos diversos acumulados de chuva. A região da Bahia com mais chuva foi Brumado, que acumulou 112 mm. Em Salvador, foram 13 mm. E a tendência é de que isso persista e mantenha esse padrão de chuvas tanto para o sábado quanto para o domingo. No sábado, a concentração é maior do Centro para o Leste do estado, atingindo Salvador e a faixa litorânea. No domingo, a área se expande para praticamente toda a Bahia”, diz a meteorologista do Inmet Andreia Ramos. 

A meteorologista ainda informa que a Bahia está com aviso laranja, ou seja, alerta de chuvas intensas e perigosas. “São chuvas superiores a 60 mm no acumulado do dia. Também temos previsão de ventos superiores a 100 km/h. Então tem risco de danos em edificações, queda de energia elétrica, queda de árvore, descargas elétricas, alagamentos, enxurradas e transtornos para o setor rodoviário. O alerta principal vai para a região Sudeste da Bahia”, acrescenta.

Procurada, a Coelba não informou quantas quedas de energia foram registradas na quinta-feira (4), mas disse que registrou aumento de ocorrências desde quinta-feira (4) e, por isso, incrementou em 113% o seu efetivo de turmas de operação. O efetivo seguirá em campo até que as condições climáticas se normalizem. 

A Coelba informa que, para a comunicação em caso de ocorrências relacionadas à rede elétrica, os clientes têm disponíveis os seguintes canais: o envio gratuito de torpedos SMS para o número 28116, informando apenas o número da conta-contrato da unidade consumidora; o WhatsApp, através do (71) 3370-6350; a central gratuita de teleatendimento 116; a agência virtual, na página de serviços do site www.neoenergiacoelba.com.br e o aplicativo Neoenergia Coelba.

Balanço da chuva em Salvador

Em Salvador, o mês de outubro foi o mais chuvoso dos últimos oito anos, com registro de 144,4mm, 51,7% acima da normal climatológica para o período, que é de 95,2mm. Os dados são registrados pela Estação Pluviométrica do Inmet, que fica em Ondina, e divulgados pela Defesa Civil de Salvador (Codesal). O mês de novembro pegou o embalo e também começou com chuvas.    Segundo a Codesal, no último dia 4, até às 20h, os principais registros de chuva ocorreram na Ilha dos Frades (7.6 mm), no Caminho das Árvores (6.0 mm) e na Palestina (4.2 mm). No dia 5, os maiores acumulados de chuvas em 24h (atualizados às 15h40) foram registrados em Pau da Lima (32,6mm), Cajazeiras VIII (30,8mm), Sussuarana (30mm),Brotas (29,8mm) e Novo Horizonte (29,4mm).   De quinta até às 17h de sexta, a Codesal registrou 72 solicitações. Foram 7 ameaças de desabamento de muro, 14 ameaças de desabamento, 2 alagamentos de imóvel, 24 ameaças de deslizamento, 13 árvores ameaçando cair, 4 deslizamentos de terra, um destelhamento, um galho de árvore caído, uma infiltração, 4 desabamentos parciais. A Codesal permanece de plantão 24 horas atendendo às solicitações pelo telefone gratuito 199.   A previsão é de ocorrência de chuvas, acompanhadas por trovoadas, com risco para alagamentos e deslizamentos de terra. No sábado (06/11), a previsão é de céu nublado com chances de até 90% de chuvas fracas a moderadas, acompanhadas por trovoadas, mas não se descarta a possibilidade de eventos significativos. No domingo (07/11), a previsão é de céu nublado a parcialmente nublado com chances de até 90% de chuvas fracas a moderadas.  

*Com orientação da subeditora Monique Lôbo