Zaporizhzhia: saiba o que aconteceria se usina nuclear tomada pelos russos explodisse

Acidente teria potência 10 vezes maior que o de Chernobyl, em 1986

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  • Andreia Santana

Publicado em 5 de março de 2022 às 11:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: AFP

A usina nuclear de Zaporizhzhia, na cidade ucraniana de mesmo nome, foi tomada pela Rússia nesta sexta-feira (04), horas depois de um ataque, na noite de quinta-feira (03), ter  provocado um incêndio de grandes proporções no prédio de treinamentos do complexo atômico, o maior da  Europa. A tomada da usina é mais um dos capítulos da invasão russa ao território ucraniano, que completou nove dias nesta sexta. 

Apesar de autoridades ucranianas e da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA, na sigla em inglês) afirmarem que os reatores não foram atingidos e que não houve vazamento de material radioativo, o risco de uma catástrofe semelhante àquela ocorrida em 1986, na Usina de Chernobyl (leia abaixo), também localizada na Ucrânia, ligou o alerta vermelho em todo o mundo, levando a Organização das Nações Unidas (ONU) a convocar reunião de emergência. Líderes como o francês Emmanuel Macron e o americano Joe Biden  se manifestaram, alertando para os impactos de um desastre.

Ainda na quinta-feira (03), o governo ucraniano disse que um acidente em Zaporizhzhia seria dez vezes pior do que aquele ocorrido em Chernobyl, 36 anos atrás. A explosão do reator 4 de Chernobyl, por sua vez, teve potência 400 vezes superior à explosão da bomba atômica de Hiroshima. 

Independente do tom preocupado e até alarmista dos governos mundiais, o fato é que a tecnologia nuclear se sofisticou desde Hiroshima até Chernobyl - que ainda hoje é considerada a maior catástrofe nuclear da humanidade - e de 1986 para 2022. 

Fonte de energia

Existem no mundo 440 reatores nucleares em operação atualmente, espalhados por 32 países.  Juntos, têm capacidade instalada de gerar 390 gigawatts de energia. Segundo a Associação Nuclear Mundial, no ano passado, essa fonte gerou 2553 terawatts hora (TWh), o suficiente para atender 10% da demanda global por energia elétrica. 

Uma usina nuclear emprega a fissão [divisão] do átomo de urânio para gerar eletricidade. Não é uma fonte renovável, mas é considerada melhor por não liberar  CO2, que agrava o efeito estufa e contribui para as mudanças climáticas. Embora não seja barato construir e manter uma usina nuclear, estima-se que o Urânio-235 produz 80 mil vezes mais energia do que o carvão mineral, por exemplo, que emite altas quantidades de CO2.

Mas, a produção de energia atômica traz riscos ao meio ambiente e aos seres vivos, pois baseia-se  na manipulação de produtos radioativos nocivos à vida e ao meio ambiente. Em meados dos anos 2000, uma pesquisa da Universidade americana de Princeton mostrou que 298 ucranianas que viviam a 80 quilômetros de Chernobyl e trabalhavam em uma fábrica de lã, adoeceram gravemente por terem contato com fibras contaminadas. Os fardos de lã que elas carregavam as deixaram doentes. Era como se cada uma abraçasse uma máquina de Raio-X sem nenhuma proteção.

E se tivesse vazado?

Mas, o que aconteceria se tivesse vazamento ou explosão em  Zaporizhzhia? Segundo especialistas, os danos da radiação se espalhariam além das fronteiras da Ucrânia, chegariam à própria Rússia e se expandiriam pela Europa e outros continentes, já que produtos contaminados poderiam ser exportados para todo o mundo. Seria uma catástrofe ambiental de proporções apocalípticas. 

O Brasil compra trigo da Ucrânia e fertilizantes e outros produtos russos, atualmente. Então, haveria o risco do país importar produtos contaminados com radiação, que no organismo humano, a depender da dose, provoca o surgimento de cânceres e outras doenças, como problemas cardiovasculares.

Entre 1986 e 1988, durante o Plano Cruzado, faltou leite nos mercados brasileiros e o país importou do Leste Europeu, região onde fica a Ucrânia. Após o acidente de Chernobyl, o governo brasileiro impôs a condição de que as cargas fossem testadas para radiação. Mas, denúncias da imprensa da época revelaram que parte do leite recebido  estava contaminado com radiação. Um dossiê sobre esse episódio tornou-se público em 2005 e hoje está no Arquivo Nacional.   Destruição na Usina de Chernobyl após explosão do reator 4, em 1986 (Foto: Reprodução) Tragédia de 1986 ainda têm consequências

Na madrugada de 26 de abril de 1986, o reator 4 da Usina de Chernobyl, localizada na cidade ucraniana de Pripyat, explodiu durante um teste  de segurança. O desastre foi causado por falha humana, pois os operadores de plantão descumpriram os itens do protocolo de segurança da usina. O incêndio que se seguiu à explosão durou dias e o volume de material radioativo lançado na atmosfera - 70 toneladas de urânio e 900 de grafite - equivalia a uma potencia 400 vezes maior do que a emitida pela bomba atômica detonada pelos Estados Unidos sobre a cidade japonesa de Hiroshima, na II Guerra Mundial.

Em 1986, a Ucrânia integrava a União Soviética e o governo central, em Moscou, fez de tudo para abafar as consequências do desastre. Em documentos oficiais, se fala entre 31 e 50 mortos, mas pesquisas recentes mostram que ao menos 2.4 milhões de pessoas morreram por efeitos da radiação liberada do reator de Chernobyl. O acidente foi classificado com o nível 7, o mais grave da Escala Internacional de Acidentes Nucleares (INES, na sigla em inglês).

A radiação de Chernobyl espalhou-se pelo mundo, afetando a Polônia, Áustria, Suécia, Bielorrússia e até Reino Unido, EUA e Canadá, que ficam distantes milhares de quilômetros da Ucrânia. Pripyat foi evacuada e criou-se uma área de exclusão algumas milhas ao redor da usina, que foi desativada.

Um cubo gigante de concreto foi erguido, somente em 2010, para selar o reator que explodiu. A durabilidade do cubo é de 100 anos, mas frequentemente ocorrem denúncias de rachaduras na estrutura, que foi erguida somente 24 anos depois do vazamento da radiação. Trinta países, inclusive os Estados Unidos, pagaram pela tumba de concreto do reator 4. A radiação em Chernobyl, no entanto, ainda traz riscos e milhares de pessoas afetadas pelo acidente ou já morreram ou tiveram a saúde abalada para o resto de suas vidas.

Outros desastres:

1957 - Na Rússia, a usina de Mayak sofreu falha no sistema de refrigeração e um tanque explodiu, liberando 80 toneladas de material radioativo. No mesmo ano, na Inglaterra, durante a tentativa de construção de uma bomba atômica em Windscale, após a II Guerra Mundial, falha humana provocou incêndio no reator, com vazamento de radiação;

1970 - Em Nevada, nos EUA, um dispositivo de alta potência atômica foi detonado no subsolo de uma área de testes, mas provocou rachaduras que resultaram em detritos radioativos na atmosfera. Ao todo, 86 trabalhadores foram expostos à radiação; 

1999 - A cidade de Tokaimura, sede da indústria nuclear do Japão, foi palco de um acidente que expôs mais de 600 pessoas a uma altíssima carga de radiação;

2011 - A usina nuclear Daiichi, em Fukushima, também no Japão, sofreu danos em três dos seis reatores, depois de um terremoto de 9 graus, seguido de tsunami, ter atingido o arquipélago.

*Com informações de agências e pesquisa em acervo histórico