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Monique Lobo
Rodrigo Daniel Silva
Publicado em 24 de julho de 2025 às 05:00
Uma portaria editada pelo governo Jerônimo Rodrigues (PT), na última sexta-feira, 18 de julho, pode colocar em risco a imparcialidade das investigações criminais na Bahia. A medida, publicada pela Secretaria de Segurança Pública (SSP), criou o Serviço Integrado de Atendimento a Locais de Crime (SIALC), que passa a reunir, em um mesmo espaço, o Departamento de Polícia Técnica (DPT), o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil, o Serviço de Investigação de Local de Crime (SILC) e a Coordenação de Crimes Contra a Vida (CCCV). >
A integração começou a valer nesta quarta-feira (23). Para o presidente do Sindicato dos Peritos Criminais da Bahia (Asbac), Leonardo Fernandes, a medida compromete a neutralidade das apurações.>
“Isso é muito perigoso. Uma questão de letalidade policial, por exemplo, em que houve um confronto, a investigação do óbito será feita dentro do mesmo espaço físico da polícia que vai investigar. Então, nós avisamos ao Ministério Público, à Defensoria Pública, à Defensoria Pública da União, ao Conselho Nacional de Direitos Humanos. Avisamos a todos esses órgãos sobre esse risco, porque compromete a imparcialidade da investigação”, declarou.>
A Bahia, inclusive, lidera o ranking de mortes por intervenções policiais no país. Segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, só neste ano, até agora, 836 pessoas foram mortas por policiais. O estado está à frente do Rio de Janeiro (331) e do Pará (324). Leonardo Fernandes ressaltou que, desde 1977, ainda no governo Roberto Santos, há uma separação formal entre o Departamento de Polícia Técnica e a Polícia Civil.>
“Então, (essa portaria) é um retrocesso histórico. Nós fomos separados e agora, 50 anos depois, a gente volta para a Polícia Civil. Não há nenhuma melhora (com essa junção). A gente não entende que tipo de integração é essa. Isso não melhora em nada a investigação, até porque o nosso tempo de resposta (para a conclusão da perícia) é rápido. A gente chega antes da Polícia Civil ao local do crime”, pontuou.>
O sindicalista também salientou o fato de a equipe de peritos contar com profissionais recém-ingressos na carreira, o que, segundo ele, pode prejudicar ainda mais a imparcialidade das investigações. “A gente não entende por que colocar peritos criminais dentro da estrutura da DHPP. E são peritos em estágio probatório, sem experiência. São pessoas competentes, mas que têm seis meses de casa. Ou oito meses. Não têm malícia ainda. Ainda estão em fase de aprendizado”, destacou.>
Para o diretor-executivo da Iniciativa Negra, Dudu Ribeiro, a portaria abre caminho para a impunidade.>
“Essa medida vai na contramão do fortalecimento da proteção da vida, porque a baixa resolutividade dos crimes contra a vida permite uma possibilidade de utilização da força de forma discricionária e não controlada pela sociedade civil. Não favorece que a gente construa processos de perícia independente, que devem ser a base do Estado democrático. A gente está correndo o risco de comprometer ainda mais as investigações livres. Nós abrimos caminho para mais impunidade, menos investigação, menos proteção dos Direitos Humanos de pessoas negras e perícias. O principal da violência do Estado”, analisou.>
O especialista em segurança pública Antônio Jorge Melo também frisou a relevância da independência da perícia nas investigações. “Sempre defendi a necessidade da independência da polícia técnico-científica, pois julgo a não subordinação à Polícia Civil fundamental para garantir a imparcialidade e a qualidade das perícias criminais, evitando influências externas e pressões que possam comprometer a análise dos vestígios e a produção de laudos”, observou ele, que é mestre em Desenvolvimento e Gestão Social e professor do curso de Direito do Centro universitário Estácio da Bahia.>
Leonardo Fernandes informou ainda que, há dois meses, o sindicato solicitou à SSP a abertura de uma mesa de diálogo, sem obter retorno. Somente agora a secretaria marcou um encontro para a próxima semana. O Ministério Público da Bahia arquivou o pedido feito pela entidade.>
Leonardo Fernandes também relatou que o DPT passou por melhorias nos últimos meses, após anos de abandono, segundo ele, durante o governo Rui Costa (PT), atual ministro da Casa Civil. A unidade, que antes funcionava no bairro do Garcia, foi transferida para o novo SIALC, em Itapuã.>
Segundo ele, esse período de sucateamento impactou diretamente a capacidade do estado de esclarecer crimes. Dados do Instituto Sou da Paz indicam que a Bahia é o estado com a menor taxa de elucidação de homicídios no país: em 2022, apenas 15% dos 5.044 casos foram solucionados.>
“Nos últimos oito anos de Rui Costa, o DPT foi abandonado. Foi totalmente esquecido. A parte de genética, que antes atendia o Norte e o Nordeste, agora estava pedindo apoio a Sergipe, porque os nossos aparelhos estavam quebrados ou obsoletos. A gente saiu de um polo do Norte e Nordeste para fazer perícia em outro estado porque nossos equipamentos foram sucateados na gestão Rui Costa”, acrescenta, ao lembrar que o departamento ficou 18 anos sem realizar concursos públicos.>
Em nota enviada ao CORREIO, a SSP afirmou que “a integração garantirá mais celeridade na elucidação dos crimes, preservando a independência e as atribuições das instituições envolvidas”. Em publicação no Instagram, o secretário Marcelo Werner também defendeu a portaria.>
“Com a implantação do Serviço Integrado de Atendimento a Locais de Crime, peritos e policiais civis atuarão lado a lado, cada um com a sua atribuição e independência, somando esforços na identificação e captura dos autores de crimes graves contra a vida”, afirmou o titular da SSP.>
Na mesma linha, o DPT declarou que a unificação tem como objetivo “aumentar as taxas de elucidação desses crimes em nosso Estado, culminando com a prisão e posterior condenação dos autores, baseada em provas robustas, garantindo mais segurança aos cidadãos a partir da retirada destes homicidas do convívio social”. O Ministério Público da Bahia foi procurado pela reportagem, mas não se posicionou até o fechamento desta edição.>