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Casal faz a dieta só com proteínas de origem animal, 'zero carb' e sem vegetais há dois anos. Especialistas desaprovam
Alexandre Lyrio
Publicado em 16 de junho de 2019 às 05:19
- Atualizado há um ano
Maurício e Tati só comem carnes e outras proteínas de origem animal (Foto: Marina Silva / CORREIO) O corte de lombo bovino caiu como um míssil sobre a mesa. No mundo das carnes, o tomahawk, também conhecido como “a carne dos Flinstones”, não é um projétil de guerra como o nome sugere, mas tem consequências devastadoras no paladar. “Ai, meu Deus. Eu já estou aguando aqui!”, disse, só de sentir o cheiro, a administradora Tatiane Melo, dentro da churrascaria Cutelo Prime, no Itaigara.
Ávida por um pedaço da iguaria, alguns poderiam imaginar que talvez fizesse um bom tempo que ela não comia um corte com tanta qualidade e maciez. Mas, pelo contrário, era meio-dia e tinha apenas algumas poucas horas que havia devorado um bife ancho no café da manhã. Isso mesmo! No café da manhã. Na verdade, Tati só come carne. Ela e o marido, o analista de sistemas Maurício Lima, são 100% carnívoros.
Aqui estamos falando de um estilo de vida completamente novo em Salvador. Também chamada de dieta carnívora ou “zero carb”, o carnivorismo é o oposto do veganismo. Em vez de evitar qualquer alimento de origem animal, ‘dieters carnívoros’ evitam todos os alimentos vegetais. Frutas e verduras são excluídas. Grãos e fibras também.
Tati e Maurício iniciaram a dieta 100% carnívora em setembro de 2017. Foram os primeiros do Brasil a apostar só na carne. Antes disso, a partir de 2015, optavam pela dieta cetogênica, que tem alto teor de gordura e proteína e pouco carboidrato. Daí para o carnivorismo foi um pulo.
Ambos, mesmo com todas as restrições alimentares de antes, afirmam que não conseguiam estar com a saúde em dia. Os exames sempre indicavam alterações. Ela sentia dores articulares, que foram embora com dois meses de dieta carnívora. “Isso sem falar os outros benefícios como melhor sono, pele, cabelo. Melhora tudo!”, afirma Tati.
Cadeia alimentar Cercados por outros amantes da cadeia alimentar de carnes como o mestre churrasqueiro Edd Campos, o chefe de cozinha Anderson Lívio, o dono do Natamme Açougue Gourmet, Wendell Silveira, e o sócio da Cutelo Prime, Caio Coelho, o casal Tati e Maurício deixou todos com o queixo caído ao explicar sua rotina. Amantes da carne, mestres churrasqueiros Anderson Lívio e Edd Campos se surpreenderam com dieta do casal (Foto: Marina Silva/CORREIO) Só há três coisas que Tati e Maurício ingerem além das carnes. Café preto, bebidas destiladas e, esporadicamente, vinho. A rotina alimentar do casal é bem diferente de alguém que faz uma dieta comum. Comem duas vezes ao dia, logo cedo e no final da tarde. Acordam cedo, tomam um café preto e vão malhar.
Em seguida, tomam café da manhã à base de carne, bacon, ovos e, de vez em quando, um queijo “de qualidade”. Os ovos são fritos na manteiga. Eles não usam nenhum tipo de óleo vegetal. Só animal. “Usamos banha de porco e manteiga ghee, um tipo de manteiga clarificada cozida sem resíduos lácteos”.
Tati e Maurício sempre foram avessos a comer frutas e verduras. Faziam isso pela saúde. “Me virava para acordar cedo e ir nas feiras orgânicas comprar os melhores produtos. Mas, não gostava daquilo ali. Sempre gostei de carne”. Hoje, eles consomem entre 45 kg e 50 kg de carne por mês e, em média, comem 250g por refeição. Fazem isso pela saúde também. “É a nossa preocupação número 1. A questão aqui não é estética!”. De bacon a carne de búfalo, bife ancho e vísceras, casal cortou vegetais (Foto: Marina Silva / CORREIO) Os cortes preferidos do casal são acém moído, bife ancho, costela, prime rib, costela suína, chorizo, chupa molho, vísceras (fígado, rins e coração), contra-filé e qualquer outro tipo de cortes gordos. “O bife ancho é o meu corte preferido porque é bem gordo”.
Os cortes magros são sempre acompanhados de manteiga ghee. “A base de nossa alimentação é proteína animal (cortes gordos), ovos e queijos esporadicamente. Só comemos embutidos artesanais, sem aditivos químicos”. Detalhe: o único tempero usado é o sal. O casal também come peixes, como sardinha e salmão, além de frutos do mar e aves.“Mas é preciso comer carne vermelha. A carne é o único alimento que você pode viver comendo só ele e ficar saudável. Não tem outro”. Claro, no início, para os que vêm de uma dieta tradicional, é possível que sofra com a abstinência de carboidratos. Tati e Maurício sofreram ainda mais porque, nos primeiros seis meses de teste, fizeram uma viagem para a Itália, terra da pizza, massas e sorvetes. “Só comemos carne!”.A essa altura, diz eles, os resultados já eram visíveis. “Nesses primeiros seis meses, nossos exames já estavam melhores do que antes, quando, além da carne, comíamos vegetais e usávamos suplementação”, compara Tati. O casal disponibiliza todos os exames e check-ups no site que administra: www.estilodevidacarnivoro.com.
Eles admitem que o colesterol (LDL) em alguns momentos ultrapassa os parâmetros considerados normais. “Mas, existe um mito de que o LDL traz riscos cardiovasculares. Desde que os outros indicadores estejam ‘ok’, não tem problema”, diz Maurício. Para eles, é preciso estar atento ao triglicérides (gordura) e à quantidade de insulina (hormônio responsável pela ‘quebra’ do açúcar no sangue).
Médico acompanha Especialistas ouvidos pelo CORREIO (nutricionista e médico cardiologista) condenam a dieta carnívora (ver depoimentos mais abaixo). Mas, Tati e Maurício são acompanhados pelo médico Adolfo Duarte, pós-graduado em Prática Ortomolecular e em Nutrição com extensão em Nutrigenômica. Duarte diz que não chega a incentivar os pacientes a fazerem a dieta carnívora, mas apoia os que tomam essa decisão.
O médico confirma que os exames do casal são normais e sem qualquer alteração. “Os resultados são, de fato, excepcionais. Os relatos das pessoas que aderiram a esta prática em todo o mundo são impressionantes. Eu trabalho com alimentação com baixo teor de carboidratos há mais de 15 anos e atesto os benefícios. Não indico, ainda e especificamente, o carnivorismo para meus pacientes, mas apoio completamente”.
Libertador O casal afirma que a dieta carnívora é libertadora. Segundo afirmam, não é necessário contar calorias ou macros. “Nós comemos conforme a fome. Este estilo de vida é libertador”, afirma Tati. Em todo caso, para quem está iniciando a alimentação, o cálculo básico mínimo é de 1,8 gramas de proteína por peso corporal.
“Por exemplo: Eu peso 48 kg. Multiplico isso por 1,8 gramas. Então, necessito de 86,4 gramas de proteína por dia. Lembrando que 100 gramas de carne tem aproximadamente 25 a 30 gramas de proteína. Depende do corte e do tipo de proteína animal”, ensina. “Mas não precisa de neura. O melhor balizador é comer de acordo com a fome. Saciou, parou. Muito simples”.
Estudos Para a dieta carnívora, a ideia de que se tem que comer frutas e vegetais é um mito. Aliás, eles acreditam que, enquanto a carne é isenta de toxinas, as plantas liberam substâncias químicas prejudiciais à saúde. “Você até pode comer se você gosta e tolera. Mas, você não tem que comer”. Da mesma forma, os carboidratos, especialmente os industrializados, que ao serem ingeridos se transformam em glicose.
Pelo que acreditam os defensores da dieta carnívora, a grande vilã de qualquer dieta é a glicose vinda dos carboidratos. Aos nutricionistas que contestam a dieta, principalmente pela falta total de carboidratos, Maurício afirma que a falta de glicose é compensada pela gordura da carne.
“A partir do momento que você tem pouca glicose ou nenhuma, o corpo diz: ‘opa, vou tirar da gordura corporal. Você treina seu corpo a queimar sua própria gordura". Por isso, explica, a dieta carnívora tem que ser feita com carnes gordas para que a gordura compense a falta de glicose.
“Na verdade não é uma dieta da proteína ou hiperproteica. Ela é uma dieta com mais gordura que proteína. No mínimo 60% tem que ser de gordura. Senão seu intestino trava e você não tem energia. Carne magra não mata a fome e não produz energia para o corpo”.
Estudioso do assunto, Maurício diz que há diversos livros e estudos publicados sobre carnivorismo fora do país. Essas publicações seriam responsáveis por quebrar todos os mitos relacionados a proteínas, inclusive a de que ela prejudica os rins. “Tem médicos que tratavam pacientes com a dieta carnívora desde a década de 40. Na verdade somos carnívoros desde sempre. Havia tribos no Ártico que só comiam carne”.
Cresce consumo de carne de alto padrão O almoço de degustação com o casal Tatiane e Maurício foi oferecido pelo mestre churrasqueiro Edd Campos e o chefe de cozinha Anderson Lívio, da Cutelo Prime. Eles dizem que as carnes de alto padrão são uma tendência e o consumo desses cortes tem crescido muito. Edilson Demétrio e Caio Coelho promovem churrascadas e encontros de mestres churrasqueiros (Foto: Marina Silva / CORREIO) Apaixonados por carnes, os donos do Cutelo, Caio Coelho e Edilson Demétrio, realizam churrascadas, eventos e workshops sobre carnes, além de participar de encontros como o Fire, com a presença de grandes mestres assadores. Todos destacam o aumento no consumo de carnes premium. Carnes nobres são cada vez mais procuradas (Foto: Marina Silva/CORREIO) Segundo Wendell Silveira, que trabalha no comércio de carne há mais de 30 anos, finalmente está se criando um padrão de alta qualidade aqui. Sócio da Natamme Açougue Gourmet junto com Tiago Medina, ele diz que a quantidade de consumidores cada vez mais exigentes só cresce. Wendell Silveira e Tiago Medina enxergam mercado mais exigente (Foto: Marina Silva / CORREIO) “Em determinado momento sentimos a necessidade de produzir o que há de melhor”, diz Wendell, que também cria gado. “Nosso gado aqui tem dois tipos de criação: semi-confinado ou 100% no pasto. A tendência mundial hoje é voltar ao boi de capim, que preserva o sabor da carne”.
Carne de búfalo Wendell só trabalha com animais locais. A ideia é mudar o conceito de que a Bahia não produz carne de alto padrão. “Quase 99% dos restaurantes de Salvador ainda usam a carne trazida de fora. Mas, aqui já produzimos proteína com a mesma qualidade”, garante. Carne de búfalo: mais adocicada e cada vez mais apreciada (Foto: Marina Silva / CORREIO) Uma das carnes produzidas por Wendell é a carne de búfalo, outra tendência. Levemente mais adocicada, o rebanho atual no estado é de 30 mil animais. A carne de búfalo, diz Wendell, tem 40% menos colesterol, 55% menos calorias, 11% a mais de proteínas e, depois do peixe, é a carne que mais tem ômega 3. “Ó búfalo tem uma proteína fantástica e tem uma carne mais completa que a bovina”.
Nutricionista e cardiologista condenam carnivorismo Leia o depoimento de uma nutricionista e um médico cardiologista referências em sua áreas na Bahia. Eles desaprovam a dieta com 100% de proteína animal:
Viviane Sahade: Professora da Escola de Nutrição da Ufba, especialista em Nutrição Clínica, mestre em Epidemiologia Clínica e doutora em Medicina e Saúde Nutricionista Viviane Sahade: 'Há de se ter muito cuidado' (Foto: Divulgação) “Nunca tinha ouvido falar de dietas tão radicais quanto essa. A gente escuta falar muito de pacientes com low carb, inclusive dietas cetogênicas, que incluem alguns legumes e folhosos, que não têm muito carboidrato, mas pelo menos são fontes de fibra e minerais.
Uma dieta só com proteína animal tem riscos para a saúde do indivíduo. O que levou essas pessoas a uma dieta tão restritiva, uma vez que a alimentação é um dos prazeres da vida e deve ser feita de forma equilibrada? A dieta hiperproteica realmente promove perda de peso. Quando o indivíduo diminui ou até mesmo zera o carboidrato da alimentação, a proteína, que é mais lentamente digerida e absorvida, promove uma sensação de saciedade por mais tempo.
Além disso, sem carboidrato, o corpo vai utilizar como fonte de energia a gordura dele próprio. No entanto, o organismo paga um preço por isso. É aí que entram os riscos.
Os primeiros sintomas das pessoas que fazem essas dietas com restrição de carboidrato são cansaço, fadiga extrema, falta de ânimo e dor de cabeça. São sintomas clássicos do indivíduo que tá com hipoglicemia.
O organismo tenta desacelerar o indivíduo porque ele percebe que está havendo uma agressão externa, que é a ausência do carboidrato.Esses pacientes também passam a sofrer uma sobrecarga renal. O rim é o órgão que mais sofre com esse excesso de proteína e a longo prazo o indivíduo pode sofrer com cálculos renais e até mesmo insuficiência renal. Há de se ter muito cuidado com essas dietas sem fundamentação científica, que são dietas empíricas no sentido de: 'funcionou para mim, então funciona para todo mundo'. Não. A ciência se baseia em dados relevantes conduzidos por estudos bem feitos. E nenhum estudo científico publicado em revistas de grande impacto demonstrou que dietas exclusivamente com proteínas são as dietas que respondem melhor em termos de expectativa de vida ou de prevenção e tratamento de nenhum tipo de doença.
Por fim, essas dietas são extremamente difíceis de serem aderidas pela questão da monotonia. É sempre o mesmo cardápio. Isso se torna extremamente enfadonho, além de acarretar uma série de carências de nutrientes como vitaminas, minerais e principalmente a fibra. Quando a gente não ingere fibra a tendência é que nosso ritmo intestinal desacelere, há uma tendência de risco de câncer de colo e do aumento do colesterol. Esses modismos têm que ser vistos com muito cuidado. Não há uma dieta com respostas tão perfeitas. O que a gente sabe é que o equilíbrio entre os nutrientes é a chave da questão”. 'Não tem referência nas sociedades médicas', afirma cardiologista (Foto: Divulgação) Luiz Eduardo Ritt – Cardiologista vice-Presidente da Regional Bahia da Sociedade Brasileira de Cardiologia
"Dietas exclusivas em carne podem trazer prejuízos à saúde. O corpo humano precisa de nutrientes (proteínas, vitaminas, carboidratos complexos, gorduras poliinsaturadas, micronutrientes) que são encontrados necessariamente em alimentos de diversas e diferentes fontes necessariamente. Sejam de origem animal ou vegetal.Nenhum alimento contém todo tipo de nutriente necessário para uma saúde plena, ou seja, faz-se necessário uma dieta balanceada e diversificada. Do total de calorias necessárias em 1 dia (que varia de indivíduo para indivíduo) em torno de 30% deve ser composto de proteínas. O excesso de proteínas pode sobrecarregar órgãos como rim e fígado devido a produção exacerbada de purina, por exemplo. As proteínas de origem animal como a carne vermelha não são poibidas da dieta, mas algumas carnes são também ricas em gordura saturadas, que em excesso podem elevar o colesterol ruim (LDL) que está associado a aterosclerose (depósito de gordura nas artérias) e ao infarto.
Para uma dieta saudável a palavra chave é moderação. Deve-se evitar alimentos industrializados, excesso de sal, alimentos com gorduras trans (leia os rótulos), o excesso de açúcar e o excesso de carboidratos (massas) simples (prefira as raizes e os integrais).
Essas são as recomendações baseadas nas sociedades nacionais e internacionais de cardiologia e endocrinologia. Medicina é realizada baseada em evidências, ou seja, o que foi demonstrado em estudos clínicos controlados e que demostraram efeito positivo. Uma dieta exclusiva de carne não tem a referência das sociedades médicas ou de nutrição".