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Da Redação
Publicado em 1 de setembro de 2013 às 08:42
- Atualizado há 2 anos
Alexandre [email protected] ambulância do Samu cortando o trânsito denso no Iguatemi. A orquestra de bate-estacas dos prédios erguidos na Paralela. Os sons dos carrões de playboys reverberando a voz de Pablo no Hiperposto. A pregação do crente dentro do Lapa-Ribeira. A freada de ar comprimido da caçamba. As buzinas. Muitas buzinas. Do carro, do ônibus e do caminhão. Sai da frente que lá vem a polícia. O silêncio tornou-se um privilégio para poucos em Salvador. Apontada a capital mais barulhenta da América Latina pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2005, essa cidade castiga os ouvidos mais urbanos. Em constante construção - e sem ordenamento – a soterópolis cresce como uma metrópole e sofre como uma província.Mas, ainda que você esteja no meio desse império do volume alto, é possível, sim, encontrar refúgios de dar inveja a monges budistas. Acredite, há locais nesta cidade em que o silêncio é quase ensurdecedor. O CORREIO encontrou dez deles e registrou tudo em vídeo. Confira abaixo. São ilhas cercadas pela ausência de ruídos. Pelo menos os irritantes. ###YOUTUBE###Às 8h de uma terça-feira, na Ponta de Humaitá, na Cidade Baixa, só se ouve três tipos de sons: o das ondas batendo nas pedras, os passos de um sujeito solitário que faz cooper, e a respiração profunda do fotógrafo Daniel Campadello, 36 anos. Daniel aproveita a quietude do lugar para, em posição de lótus, fazer meditação. “Aqui é como se você estivesse em outro tempo. É a ponta da cidade, está mais fora do que dentro de Salvador”, diz. Mas, não é preciso ir ao limite geográfico da capital baiana para experimentar a cidade pacata. Até mesmo bairros dentro de grandes aglomerados urbanos têm seus pontos de refúgio. Bem perto do Iguatemi, a Praça dos Eucaliptos, no Caminho das Árvores, é uma impressionante ilha de silêncio, apesar de cercada de barulho por todos os lados. Se alguma coisa incomoda é o som de pisadas sobre os galhos secos, já que a praça é utilizada para caminhadas. Carros passam intervalados e bem-te-vis passeiam no meio da rua junto com cães e seus donos. “Moro do lado do shopping (Iguatemi) e venho para cá. Não tem trânsito, não tem buzina e não estressa o animal”, explica Sueli Ferreira, 53 anos, acompanhada do cão labrador Aquiles, que também sente o cheiro agradável dos eucaliptos. Bolha No quesito barulho, há um lugar que pode ser considerado dos mais hostis no planeta. O trânsito caótico e o comércio nervoso infernizam - normalmente ao mesmo tempo - a vida de quem passa e, principalmente, de quem vive no local. Até em Brotas, bairro que ocupa o segundo lugar no número de reclamações de barulho da prefeitura, existe um espaço envolvido pela bolha de sossego.Com olhar fixo no gramado repleto de flores do Cemitério Jardim da Saudade, a aposentada Maria Nair Trindade, 70 anos, não saiu do Subúrbio Ferroviário para visitar o túmulo de qualquer ente querido. Queria, na verdade, dar um tempo da vida comum. “É um hábito meu. Aqui parece que estou no céu”, disse dona Nair, como se estivesse sentada em um banco de praça.Nair gosta de natureza e odeia barulho. “Esse silêncio me traz uma paz”. No Jardim da Saudade, até o choro é contido. “É que rico não chora alto”, justificou o motorista do CORREIO, Romenil Silva. O som do trânsito de Brotas até pode ser ouvido ao longe, mas perde para o das flores sacudindo ao vento e desaparece quando o pássaro preto resolve cantar. “Olha um ninho de João de Barro ali. Eles só fazem ninho em lugares beeeeem tranquilos”, aponta Romenil.Azulejos mudos O silêncio quase absoluto também encontra morada eterna no Convento da Ordem Primeira do São Francisco, bem no meio da loucura que é o Centro Histórico de Salvador. A maioria dos mosteiros e conventos é fechada à visitação. Mas, no São Francisco, há um espaço em que qualquer um pode curtir a paz que emana das pilastras e azulejos antigos, sempre mudos. “Nada mais útil que o silêncio”, diz, em três línguas, um pequeno cartaz na entrada. Aos 91 anos, Sther Portela frequenta o local desde os 7. Isso mesmo. Há 84 anos, encontra a paz na antiguidade das paredes espessas, erguidas em 1708, que impedem a passagem de barulho. “Isso aqui é meu refúgio. Morava aqui no Pelourinho quando criança. Amo esses azulejos, o piso, as pilastras, os sinos”.Experimente conhecer a área verde que contrasta com os prédios da maior foto desta página. A Lagoa dos Patos, enfiada entre as torres de concreto e o trânsito caótico da Pituba, é um oásis abençoado pelo sossego. Francisca Lima, 70 anos, alimenta as espécies, em especial as dezenas de patos, que se aproveitam da tranquilidade dali. “Aqui é tão calmo que, de vez em quando, um jacaré sai da lagoa para tomar sol”, diz Francisca.Enfiada entre os prédios da Pituba, a Lagoa dos Patos é refúgio para quem, às vezes, cansa de tanto barulhoEm uma procura que se iniciou sem esperanças, encontramos mais lugares do que imaginávamos. No ranking dos espaços que resistem incólumes ao barulho, apontamos também a Praia do Buracão, no Rio Vermelho; o Passeio Público, no Centro; o Morro do Cristo, na Barra; o Solar do Unhão, na Avenida Contorno e o Largo do Santo Antônio Além do Carmo.OMS apontou Salvador como capital mais barulhentaNo ano de 2005, a Organização Mundial de Saúde (OMS) fez um estudo em que mediu o ruído nas grandes cidades da América Latina. Salvador foi considerada a mais barulhenta. O problema se confirmou em outra pesquisa, dessa vez do IBGE, em 2009. A capital baiana aparece em segundo lugar no país em reclamações. As queixas relacionadas com abusos sonoros só crescem. Em 2011, a Sucom registrou 20.125 denúncias, enquanto que em 2012, o número mais que triplicou para 69.520. Até aqui, em 2013, foram registradas 35.870 reclamações. No período foram emitidas 1.525 notificações e gerados 637 termos de apreensão de bens, que resultaram na retenção de 1.851 equipamentos sonoros. Os níveis de ruído aferidos eram superiores a 60 decibéis entre as 22h e 7h ou 70 decibéis das 7h às 22h.Fazenda Grande do Retiro lidera ranking de reclamaçõesAli o trânsito buzina, o comércio grita e a população cai na gandaia com gosto. O bairro da Fazenda Grande do Retiro lidera o ranking entre os mais barulhentos de Salvador. Este ano, entre as fontes emissoras, os veículos estão na frente no número de reclamações. Foram 505 denúncias. Em seguida estão as residências (234) e os bares / restaurantes (117). No total, 900 reclamações de barulho na Fazenda Grande foram registradas em 2013. “Aqui o pessoal não se contenta em usar o som do carro. Agora colocam caixas de som no meio da praça”, reclama a vendedora de sorvetes Rosemeire Santiago, 40 anos. O CORREIO tentou, sem sucesso, encontrar uma “ilha de silêncio” no bairro. “Rua silenciosa só as dominadas pelo tráfico. Aí o povo respeita”, disse um senhor sem se identificar. No ranking de queixas, a Fazenda Grande é seguida por Brotas (882), Uruguai (834) e Liberdade (817).Top 10 do sossego 1 - Ponta de HumaitáOnde o sol se põe em silêncio 2 - Praça dos Eucaliptos Paz no Caminho das Árvores 3 - Jardim da Saudade Lugar para pensar na vida 4 - Conv. São FranciscoEntre e ouça o silêncio 5 - Lagoa dos PatosOásis na barulhenta Pituba 6 - Passeio Público Refúgio ao lado do C. Grande7 - Solar do UnhãoQuietude na beira da baía8 - BuracãoA praia mais silenciosa9 - Largo do S. Antônio Ruídos, nem Além do Carmo10 - Morro do CristoA vista mais calma da Barra>