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Da Redação
Publicado em 4 de dezembro de 2009 às 10:42
- Atualizado há 2 anos
Com bíblias na mão e a certeza de que a “fé não costuma faiá”, 15 mil fiéis da Igreja Adventista do Sétimo Dia de todo o Brasil enfrentarão uma jornada neste fim de semana para fazer as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Eles vão para os locais de prova no mesmo horário dos outros 909 mil concorrentes, às 13h (horário de Brasília), contudo terão que esperar o pôr-do-sol para iniciar o exame. >
Como na Bahia anoitece por volta das 18h, eles ficarão confinados em salas por até cinco horas. A explicação para o confinamento vem da doutrina da religião, baseada nos ensinamentos bíblicos. Como Deus reservou o sétimo dia da criação do universo para descansar, a Igreja Adventista prega que seus fiéis façam o mesmo. Segundo o Antigo Testamento, o sétimo dia começa ao anoitecer da sexta-feira e termina quando o sol se põe no sábado, último dia da semana. Neste período, os adventistas se dedicam exclusivamente a orações e reflexões. >
Os adventistas creem que a fé ajudará a superar a espera. “Me sinto discriminada e em desvantagem, mas se há um prejuízo, haverá compensação de Deus”, afirma a estudante Mayra Damasceno, do 3º ano do Colégio Adventista de Salvador (CAS), em Nazaré. >
Já que estarão por cinco horas confinados e vigiados por um fiscal, os adventistas vão tentar reverter a desvantagem. Como? Enquanto os demais estarão fazendo a prova, eles aproveitarão o tempo extraparaestudar, e muito, a Bíblia. Nada de matemática, física ou geografia. História pode, mas só bíblica. Em vez de personalidades como Hitler, Stalin ou episódios da Segunda GuerraMundial, eles lerão sobre personagens como o príncipe Mezequias, o profeta Balaão e a fuga dos hebreus do Egito. Os adventistas não poderão levar qualquer material didático para a sala. Só a Bíblia será permitida. >
Para a estudante Jade Freitas, 17 anos, também aluna do CAS, os debates com os demais fiéis amenizarão o desconforto. “Estarei com outros adventistas e com Deus a todo momento. Não sei se poderemos fazer um culto, devido ao barulho, mas vamos orar e meditar juntos. Sei que isso me fortalecerá para a prova”, disse. >
Apesar das críticas, sem a exceção aberta pelo Inep, instituto que organiza as provas do Enem, muitos estudantes não fariam o exame. Mayra, que pretende estudar direito, não fez os vestibulares da Universidade Católica do Salvador nem da Faculdade Baiana de Direito, realizados aos sábado. “Se a prova não acontecesse à noite, não faria”, garantiu Mayra. >
Jade, que deseja cursar enfermagem, também afirmou que não há como abrir exceções. “Essa é a minha religião e não me arrependo da minha escolha”, declarou. Porém a participação dos adventista no Enem ainda está sob risco, segundo o diretor do CAS, pastor Marcelo Torres. >
Como os cartões pessoais que permitem aos candidatos acessar os locais de prova não especificam a religião, Torres teme que a brecha impeça os adventistas de esperar pelo pôr-do-sol. “A declaração da religião foi feita no momento da inscrição. Se houver falha, coisa que não duvido que aconteça, os adventistas não vão poder esperar e não vão fazer a prova”, disse. >
Torres lembra que, caso um candidato seja prejudicado por algum erro, ele pode entrar na Justiça e pedir a anulação da prova. “A igreja não pretende acionar a Justiça em caso de erro, mas não vai impedir um estudante de fazer” , explicou. >
Contudo, para o advogado Valdir Santos, especialista em concursos públicos, não há razão para os adventistas pedirem a anulação das provas. “Não há discriminação. Eles são uma minoria que está sendo contemplada pelo Estado. A iniciativa garante o direito deles de seguir o que prega sua religião”, assinalou. >
Para Santos, também não é possível afirmar que a exceção é inconstitucional, já que o Estado é laico - não adota uma religião oficial. “A medida não prejudica nem dá preferência a ninguém”, argumentou. Recentemente, 21 judeus paulistanos - cuja religião também dedica o sábado a orações, pediram na Justiça outra data para o Enem, mas o Supremo decidiu ontem (3) que o Ministério da Educação não precisa remarcar a prova, como havia determinado o Tribunal Regional Federal da 3ª Região. >
Dicas para superar as cinco horas de espera pela prova Respirar fundo, quando a ansiedade bater. Estar atento à postura, fazer exercícios de alongamento e caminhar pela sala onde aguardam a prova. Estas são as dicas de especialistas aos adventistas que ficarão confinados por cinco horas enquanto aguardam o início das provas. >
O professor de ioga Carlos Herculano lembra a importância de controlar a respiração. “É preciso respirar fundo e pausadamente. Isso ajuda a oxigenar o cérebro”, garante. Além da respiração, a professora de ioga Alice Becker sugere alguns exercícios para diminuir o desconforto. “É importante também manter a coluna sempre ereta e girar os ombros e articulações', aconselhou.>
(Notícia publicada na edição impressa do dia 4/12/2009 do CORREIO)>