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Da Redação
Publicado em 29 de maio de 2019 às 23:11
- Atualizado há 2 anos
Após cinco horas de intensas discussões, o Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa foi aprovado no plenário da Câmara de Salvador, nesta quarta-feira, 29, por unanimidade. A aprovação encerra os 10 anos de tramitação do projeto de lei, que foi protocolado pela agora deputada estadual Olívia Santana (PCdoB), na época que era vereadora da cidade. O estatuto seguirá para a sanção do prefeito ACM Neto que, por lei, tem o direito de fazer alterações, se julgar necessário.>
A validação na Câmara foi possível após acordo entre os vereadores, que resultou na alteração de um artigo através de emenda, e na supressão de outro. Toda a discussão girava em torno da criação de um novo artigo que incluísse o termo “e outras religiões” após cada menção às de matriz africana no projeto. Isso porque o estatuto possui um capítulo dedicado à defesa da liberdade religiosa focado nas doutrinas de matriz africana. Com o acordo dos vereadores, a emenda foi retirada de pauta e não foi acrescentada ao projeto.>
A vereadora Lorena Brandão (PSC), integrante da bancada evangélica, foi uma das que defendeu a inclusão da emenda que adiciona todas as outras religiões. "A única coisa que nós pedimos foi isso. Não existe nada de dolorido, injustiça. O que nós queríamos era que negros de todas as religiões fossem incluídos. Não tem negro budista? Ele não merece proteção? Merece. Nós não podemos ser excludentes", opinou.>
Igualdade>
O projeto, que iniciou relatoria do vereador Sílvio Humberto (PSB) e passou para Duda Sanches (DEM) busca garantir igualdade à população negra da capital baiana. Dentre as realizações do estatuto estão a inclusão igualitária dos afrodescendentes nas políticas públicas, a instituição do Sistema Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Sismupir), a criação de um Sistema Municipal de Financiamento das Políticas de Promoção da Igualdade Racial, além de um sistema de Política Municipal de Saúde Integral da População Negra. >
Antes de ser aprovado nesta quarta-feira (29), o projeto passou por nove audiências públicas distintas e foi também aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.>
Cotas para mulheres>
A redação do artigo 42, que dispunha sobre uma cota de 30% para mulheres negros em cargos na administração municipal, foi alterada. Agora, a cota incluirá o acesso a cargos, empregos e contratos com a administração pública direta e indireta.>
O artigo 61, que determinava que estabelecimentos, entidades, representações e associações que praticassem atos de racismo, discriminação racial e intolerância religiosa deveriam ter a licença cassada, foi suprimido. Os vereadores entenderam que a questão deveria ser tratada na Justiça e que o artigo 63, que dispõe que a prefeitura penalize - dentro dos limites constitucionais - os estabelecimentos que discriminem pessoas por raça, cor ou etnia, já contemplava a questão.>
Articulação>
A aprovação do projeto contou com a articulação do presidente da Câmara, o vereador Geraldo Junior (SD), que levou às discussões ao ponto de consenso entre os edis. Foi após o pedido do líder do governo, o vereador Paulo Magalhães (PV), que os vereadores retiraram a emenda que causou discussões. >
“A primeira câmara municipal das capitais conseguiu mostrar ao mundo o que se pode fazer quando se quer. Mostrei que o futuro da cidade continua passando por aqui e vai passar por aqui. Tivemos que sensibilizar todos os líderes da necessidade de dar uma resposta ao mundo. Imperaram aqui o bom senso, a parcimônia, o equilíbrio, o entender as diferenças, posições partidárias e ideológicas. Tive um papel de líder, de ouvir e tentar estabelecer a arte do consenso”, comemorou o presidente. >
A ex-vereadora e deputada estadual Olívia Santana acompanhou a sessão de perto e comemorou a aprovação do estatuto: “Salvador é a primeira capital do país e a mais negra fora da África. Penso que Salvador precisa ser referência nesse tipo de política pública. Preciso parabenizar e agradecer ao vereador Silvio Humberto que deu sequência a esse projeto. Embora sejam 10 anos depois, a sentença ainda é necessária. Temos que dizer não ao racismo, à intolerância. O estatuto de igualdade racial tem que fazer referência às religiões de matrizes africanas porque são elas que sofrem racismo e discriminação pela sua origem. Não faz sentido fazer um estatuto retirando isso. Nós não estamos falando do que é igual, e sim do desigual”, afirmou a deputada. >
Emenda inegociável>
À frente de toda a articulação, os vereadores Sílvio Humberto (PSB) e Moisés Rocha (PT), membros da Comissão de Reparação da Câmara, protestaram a todo o momento com relação à emenda para incluir a expressão “e demais religiões” sempre que o artigo se referisse a “religiões de matriz africana”. Moisés Rocha chegou a afirmar que a emenda era inegociável e que não poderia ser aprovada por alterar todo o texto do projeto de lei e “deturpar” o estatuto. Segundo os dois vereadores, o termo iria fazer com que o estatuto deixasse de fazer a reparação necessária aos povos negros.>
“Esse foi o estatuto possível que foi muito bem conduzido pelo presidente, que teve a paciência histórica, construindo a ideia do consenso. Nós resistimos e não deixamos que o racismo escrevesse mais uma página. Algumas pessoas foram vencidas e outras convencidas, mas nós precisamos tratar com dignidade aqueles que são a base dessa cidade. Nós somos 83%, mas somos a capital da desigualdade racial. Isso é um processo histórico. Tem coisas que podem ser ajustadas. Existem algumas coisas que estão no estatuto que já existem, mas é importante do ponto de vista simbólico Salvador ter algo que é bom para todo mundo”, afirmou Sílvio Humberto após a aprovação do projeto de lei.>
Confira os principais itens do Estatuto:O projeto - O Estatuto da Igualdade Racial visa garantir à população negra a igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos individuais, coletivos e difusos, além do combate à discriminação e intolerância racial e religiosa.>
Sismupir - O estatuto institui o Sistema Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Sismupir) para definir, implementar e acompanhar as políticas públicas municipais de enfrentamento à desigualdade, discriminação e intolerância racial e religiosa.>
Financiamento - O projeto também institui um Sistema Municipal de Financiamento das Políticas de Promoção da Igualdade Racial para alocar recursos e aperfeiçoar o controle das políticas de promoção da igualdade racial de Salvador. Serão destinados 0,5% da receita corrente líquida do município para o sistema.>
Política de Saúde Integral da População Negra - A prefeitura deverá adotar políticas públicas para reduzir as doenças, com foco nas que mais atingem a população negra de Salvador. O estatuto Prevê, por exemplo, a produção de conhecimento científico e tecnológico em saúde da população negra.>
Educação, Cultura, Esporte e Lazer - Há também a previsão de adoção de ações para ampliar o acesso da população negra a educação, cultura, esporte e lazer>
Educação - Além de efetivar a obrigatoriedade do ensino da História e da Cultura Africana, Afro-brasileira e Indígena nas escolas da rede municipal, o município também deverá realizar incentivos e prêmios para estimular a adoção dos temas.>
Cultura - A prefeitura deve reconher as manifestações culturais pelas sociedades negras como blocos afros, afoxés, irmandades, clubes e outras formas de expressão cultural da população negra; além do incentivo à celebração das personalidades e datas comemorativas relacionadas ao samba e outras manifestações culturais da população negra.>
Liberdade religiosa - O estatuto prevê assistência religiosa aos praticantes de religiões de matrizes africanas internados em hospitais ou outras instituições, incluindo presos. Também prevê a adoção de medidas para o combate a intolerância e discriminação.>
Acesso à terra - Há a previsão da regularização fundiária em comunidades remanescentes de quilombos, além de templos de culto das religiões de matrizes africanas.>
Emprego e renda - Há a previsão de implementação de políticas públicas para o acesso ao trabalho, qualificação profissional, empreendedorismo, emprego, renda e desenvolvimento econômico para a população negra.>
Racismo institucional - O estatuto prevê a criação de um censo para averiguar a diversidade étnico-racial dos servidores públicos municipais a cada cinco anos.>
Penalidades para estabelecimentos - A prefeitura deve penalizar estabelecimentos comerciais, industriais, entidades, representações, associações, sociedades civis ou prestações de serviços que discriminem a pessoa em razão de sua cor ou etnia.>