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Da Redação
Publicado em 22 de setembro de 2018 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
“Caruru que se preze tem que levar camarão e frango!”, sentencia dona Luzia dos Santos, moradora do Santo Antônio Além do Carmo e veterana no preparo da iguaria para Cosme e Damião. Está coberta de razão, diria Dorival Caymmi, autor do clássico Vatapá, com direito a receita e tudo. Mas há quem ande deixando os dois ingredientes de lado e substituindo por um bom reforço no tempero. O caruru vegano está virando tendência em Salvador. Além de inclusivo, ainda sai mais barato. É que as proteínas de origem animal são os itens mais caros da lista.>
A tradição de servir caruru no dia dos santos gêmeos - próximo dia 27 de setembro - inclui receita completa: camarão, frango, quiabo, feijão fradinho, banana da terra, azeite de dendê e outros ingredientes típicos da culinária baiana. Mas, este ano, o prato ganhou nova versão e muitas mesas vão receber a versão vegana. Nada de camarão e, no lugar do frango, as panelas recebem brócolis e o famoso feijão fradinho.>
A novidade pode desapontar alguns dos mais devotos - de todas as religiões. Mas já tem muita gente aderindo ao cardápio saudável de Cosme e Damião. Há 12 anos, as empresárias Luciana Rangel e Carol Reis criaram o restaurante Rango Vegan que serve a iguaria - vegana - todas as sextas-feiras do ano.>
“Desde criança, vejo minha família preparando caruru, é uma comida muito típica. Então, quando criamos o restaurante, ele não podia ficar de fora do cardápio. Substituímos o camarão e o frango por legumes e aumentamos a quantidade de tempero, como castanha, amendoim e tempero verde, o que dá mais sabor”, conta Luciana, que ainda é cozinheira.>
Ela garante que quem experimenta a versão vegana do tradicional caruru não sente falta do camarão nem do frango. O CORREIO percorreu as principais feiras da cidade e descobriu que a substituição dos dois ingredientes pode agradar mais do que o paladar, já que alivia também o bolso. Para comprar pronto, um prato de caruru vegano, por exemplo, sai por R$ 18. O tradicional custa entre R$ 20 e R$ 25, em média. Na falta de frango e camarão, vale o reforço no tempero para não perder o sabor (Foto: Marina Silva/CORREIO) E é caruru? Dona Luzia dos Santos, para quem caruru tem que ter frango e camarão, faz questão de preservar a tradição em casa. Mas assegura que respeita os adeptos do veganismo. “Eu como o frango e o camarão, mas, se alguém pedir para tirar, claro que não vou negar. Cada um come o que pode e gosta”, destacou.>
Já o feirante Raimundo Souza, 63 anos, há 50 vendendo quiabo na Feira de São Joaquim, diz que “sem camarão e frango, não existe tradição”. Para ele, o prato vegano “pode ser chamado de qualquer nome, menos de caruru”.>
Nisso, o professor Vilson Caetano, responsável por disciplinas de alimentação e cultura na Escola de Nutrição da Ufba e pós-doutor pela Unesp, concorda. E ele é enfático quando diz que caruru vegano não é caruru.>
“Candomblé vegano é igual a Sítio do Pica-Pau Amarelo: onde a boneca de pano fala e o sabugo de milho é visconde. Eu não sei se São Cosme aceita caruru vegano. Não existe candomblé sem sangue”, destaca.>
“Não se trata apenas de um prato, mas toda uma celebração que envolve a ancestralidade. Não é apenas sobre preparar os ingredientes, é preciso olhar todo o contexto ao redor”, completa Caetano.>
Quanto aos valores nutricionais, Lilian Lessa, professora de Nutrição da Ufba, explica que não há grandes perdas na receita vegana e que, olhando por um lado, pode ser até positivo.>
“Muita gente é alérgica a camarão, que é utilizado na receita mais como um tempero. A saída desse ingrediente deixa o caruru com um sabor mais suave. Além disso, a proteína que viria do camarão é compensada pela castanha já que, normalmente, essas receitas veganas aumentam a quantidade de tempero para realçar o sabor”. Os mais tradicionalistas não abrem mão do camarão, item mais caro da receita (Foto: Marina Silva/CORREIO) A hora da feira Vegano ou tradicional, o importante é preparar a lista de compras e não deixar para a última hora. Na Feira de São Joaquim, uma das maiores da capital baiana, o dono de um box de tempero verde Edson Freitas de Oliveira explica que, a depender da colheita, é possível que os preços subam na próxima semana.>
“Tudo depende se chove ou faz sol. Quando chove, a colheita aumenta e a gente recebe mais produtos. Já quando o clima fica seco, a colheita diminui. Como a procura aumenta e os produtos são mais escassos, os preços também sobem”, diz o feirante. Lá, o valor médio do maço do tempero verde é R$ 2,50, mesmo preço encontrado pelo CORREIO no Mercado Municipal de Periperi. Já nas Sete Portas, o valor é menor - R$ 1, economia de 60%. >
O camarão, eliminado do prato vegano, está ainda mais caro esse ano. Em São Joaquim, o quilo foi encontrado a R$ 41, valor quase 15% mais alto do que o registrado em 2017, quando custava R$ 36. Já o quilo do frango foi encontrado em São Joaquim a preço médio de R$ 14 - sendo R$ 7,49 o animal morto na hora e R$ 20 a ave viva. Na Sete Portas, o quilo do frango custa, em média, R$ 30. >
Uma vez eliminados os ingredientes de origem animal, é a vez de buscar o melhor preço nos outros itens. O quiabo mais barato é o de São Joaquim: R$ 7. O quilo da cebola foi encontrado a R$ 1 na Sete Portas e a R$ 1,50 em São Joaquim. Já em Periperi, um saco com menos de 1 quilo custa R$ 4. No ano passado, custava R$ 2. Foi o que mais caiu de preço. O amendoim torrado mais barato é vendido em São Joaquim, a R$ 6,50 o quilo. Parente do amendoim, a castanha de caju não sofreu aumento - o quilo pode ser encontrado a R$ 34. O gengibre sai de R$ 7 a R$ 11 o quilo.>
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Leide Garcia Santos vai fazer o caruru para distribuir e afirmou que não sentiu diferença de preço em relação ao ano passado: “Esse caruru é de geração, que vem desde minha avó. Os preços aqui continuam os mesmos”. Já o feirante Antônio José dos Santos, 38, disse que já observou que a crise tem pesado no bolso dos clientes. “Tenho clientes que faziam caruru com mil quiabos e hoje vêm aqui comprar cerca de 300. Mas eu continuo atendendo a todos sem distinção, até porque também estou no meio dessa crise e preciso vender”, brincou.>
Crise A crise econômica ganhou força total em 2018. É o que afirmam os donos de boxes nas feiras de São Joaquim e Sete Portas, além do Mercado Municipal de Periperi, em Salvador. Nesse último, por exemplo, a equipe do CORREIO encontrou muitos espaços vazios e os itens do caruru quase não eram vistos nas bancadas.>
A feirante Denise Souza, 59 anos, há 20 na profissão, é uma das poucas que vendem - ou tenta vender - azeite de dendê, feijão fradinho, castanha e amendoim no local. “Este ano, o movimento está muito fraco. Acho que as pessoas desistiram de manter a tradição, por causa da crise”, diz.>
Outra dona de box, que preferiu não se identificar, disse que nem chegou a investir nos produtos. “Eu sempre vendia os ingredientes do caruru no mês de setembro, mas, este ano, eu nem comprei, porque já sabia que não iria vender muito”, concluiu.>
Já na Feira de São Joaquim, o vendedor de quiabo Paulo Roberto, que atua na atividade desde os 10 anos de idade, ainda ajudando o pai, não demonstrou preocupação com as vendas. “Quiabo sai o ano todo. Eu estou aqui trabalhando normalmente, como sempre faço. Se as vendas aumentarem, ótimo”, contou.>
Veja onde comer ou encomendar seu caruru: - Dra. Caruru: São vendidos potes congelados de caruru, vatapá e galinha de xinxim. Os potes de caruru e vatapá custam (cada um) R$ 33, já o de galinha de xinxim é vendido por R$ 35. Cada unidade serve de 3 a 4 pessoas - (71) 9 9974-2606 / (71) 71 3017-3676.- Empório do Recôncavo: São vendidos por encomenda potes com os principais ingredientes do caruru - (71) 99336-1122.- Dona Mariquita: O restaurante, que fica no Rio Vermelho, também vai vender caruru para os devotos de São Cosme e Damião e para todos os amantes da iguaria. Mas, só para aqueles que forem até o local. O estabelecimento não trabalha com encomendas. O valor do prato com 12 itens é R$ 50 - (71) 3334-6988 / (71) 3334-6947.- Coisas da Bahia: O prato com caruru completo sai a R$ 35 por pessoa. Em encomendas a partir de 50 pessoas o valor cai para R$ 30. Eles aceitam encomendas até segunda-feira (24). Tel: (71) 98754-2590 / 99342-9933, esse último só Whatsapp.- Du Carmo Delivery e Rivas Food: Aceita encomendas a partir de 20 pessoas. O caruru completo sai a R$ 25 por pessoa. No caso de encomendas maiores, dá para negociar um preço mais baixo. Tel: (71) 99194-5018.- Thinna Eventos: O caruru completo para 20 pessoas, incluindo refrigerante e sobremesa (cocada puxa, de coco e leite condensado) sai por R$ 420. Para 30 pessoas sai por R$ 630. Por conta do aumento da demanda no período, o ideal é solicitar com até 48 horas de antecedência. Tel: (71) 99164-6094.- Rango Vegan: O prato do caruru vegano para comer no local sai por R$ 18. Para levar, custa R$ 19. No Santo Antônio Além do Carmo.>
*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier>