Com ordem de despejo, projeto voltado para capacitação de pessoas negras corre risco de parar

Projeto Focus tem dívidas de dois anos com a Casa Pia, parceira da iniciativa

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  • Da Redação

Publicado em 6 de outubro de 2022 às 06:30

. Crédito: Foto: Paula Fróes

O caminho até a Rua do Passo, no Pelourinho, não esconde as evidências de um lugar marcado pela cultura. É ali, no seio do Centro Histórico, que está localizada a Casa das Sete Mortes, sede do Projeto Focus. É também ali que pulsam os corações, os sonhos e as ideias de mais de 300 pessoas, sobretudo jovens, que vivem da arte e educação coletiva. Mas agora, com dívidas e ordem de despejo, o projeto corre o risco de parar.

Criado em 2013 pelo modelo, artista e gestor Jonas Bueno, de 29 anos, o Focus surgiu do desejo de capacitar, incluir e trazer visibilidade para pessoas negras de baixa renda de todas as idades. Nascido em Tubarão, no Subúrbio Ferroviário, o projeto está há dois anos no Pelourinho, abrigado no espaço cedido através da parceria com a Casa Pia, instituição que realiza trabalho filantrópico e de assistência social.

Desde a fachada do local, o convite para a história e a arte é claro. As atividades oferecidas pelo Projeto Focus contemplam moda, teatro, dança, música, artes plásticas, escrita criativa, costura, cenografia e comunicação digital. Através desses cursos, crianças, adolescentes, adultos e idosos se reúnem para experimentar habilidades e se aquilombar a partir do conhecimento da cultura negra e da troca de afetos.

No projeto há 6 meses, Daiane Santos, de 36 anos, frequenta o lugar com seu filho Marlon, modelo mirim de 5 anos. “Para mim, o Focus é uma segunda família, porque foi aqui onde eu me encontrei e meu filho gosta muito. Durante a semana, ele pede para vir. O Focus dá o direito de nos expressarmos, de as crianças serem modelos ou artistas lá na frente. Então, ele representa tudo”, diz.

Com 15 cômodos, dois andares e um jardim com vista para a Baía de Todos os Santos, os custos para manter a casa funcionando com água e luz chegam a R$ 6 mil por mês. Além desse valor, R$ 7 mil devem ser destinados à Casa Pia. Contudo, Jonas conta que nunca conseguiu cumprir com o combinado por falta de receita.

“A Casa Pia foi e é nossa parceira durante todo esse tempo, mas hoje ela não tem [recurso] também e isso compromete o outro espaço da instituição por causa do montante de dívida”, explica o gestor do Focus, que tem até o dia 30 deste mês para deixar o local. 

Foi durante a reunião do grupo que estava ensaiando para a apresentação da peça teatral Navio Negreiro, nesta quarta-feira (5), que parte dos alunos de Jonas Bueno ficaram sabendo da notícia. Emocionados, alguns jovens e mães chegaram a chorar enquanto as crianças menores brincavam. Juntas, pessoas de gerações distintas improvisaram cantos entre lágrimas e sorrisos para afirmar que, além de resistir, elas iriam florescer.

Para a pedagoga e atriz Geinara Assis, de 46 anos, o Focus é referência de educação antirracista. “O Estado tem que pegar esse projeto como referência. Eu fico abismada em saber que o Focus não tem mais casa”, lamentou, ainda em choque.

De acordo com o gestor, o projeto arrecada R$1.200 por mês. É cobrado dos alunos uma mensalidade de R$40, mas somente cerca de 60 pessoas conseguem pagar o valor. Como alternativa, restam os desfiles e espetáculos, que complementam a renda para o transporte e alimentação de alunos em situação de vulnerabilidade social, quando o projeto consegue fazer apresentações em espaços culturais.

Jonas afirma que já submeteu o Focus a editais da Prefeitura e Governo, mas nunca foi contemplado. Ainda, afirmou que busca patrocínios como forma de subsídio e atualmente está organizando uma vaquinha para arrecadar dinheiro para a iniciativa. Segundo ele, o Projeto continuará, nem que seja na rua.

Fé pra quem é forte, fé pra quem não foge a luta. É movida por essa mesma fé que canta Iza e a juventude do Focus que a sogra de Jonas, Aidê Neves, de 52 anos, contribui diariamente para a alimentação de todos que frequentam a casa. Baiana de acarajé em todos os eventos que o Focus abre ao público, Aidê afirma que nem sempre a alimentação é garantida.

“Nós somos todos voluntários e às vezes damos do nosso bolso. Muitos meninos chegam aqui sem ter o que comer, sem casa, sem alimentação. Mas aqui, fazemos e damos. Nós conseguimos cesta básica e doamos”, salienta.

Para a mãe de Lis Reimão, de 10 anos de idade, perder o espaço é a interrupção de um sonho. Há dois meses Lis é modelo através do projeto e afirma que o Focus representa diversidade.

“É um campo de arte. Não é só teatro, tem criatividade, vários jogos que estimulam. Não deixem esse local fechar, não”, pede a jovem.  

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo