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Da Redação
Publicado em 10 de setembro de 2022 às 05:00
O ano era 1968 e dezenas de fotógrafos saíram às ruas de Salvador com uma missão: fotografar a monarca inglesa, Rainha Elizabeth II, em sua passagem pela cidade. Entre eles, apenas um conseguiu uma imagem inédita e gravou seu nome na lista dos mais respeitados da fotografia brasileira: Anízio Carvalho, hoje com 92 anos. >
Posicionado próximo ao 2° Distrito Naval da Marinha do Brasil, no Comércio, o autor da foto real dividia o tempo de espera pela passagem da rainha com uma conversa persuasiva com o guarda civil que tentava impedir sua missão. “Tinha uma tira de papel que indicava para não passar dali, o agente estava bem do meu lado e eu tentava de todo jeito convencê-lo de que eu não tiraria a foto, porque era proibido”, relembra o fotógrafo.>
Enquanto Elizabeth II se aproximava em um conversível Lincoln de 1935, Anízio preparava disfarçadamente sua câmera Rolleiflex para o registro histórico. “Liguei a máquina e o cara [guarda civil] colou em mim e disse: ‘você não vai fazer a foto’. Eu respondi: ‘tudo bem rapaz’”, narra.“Então eu botei a Rolleiflex de cabeça para baixo. Quando ela colocou a perna para fora do carro, eu tossi para disfarçar o disparo e fiz a minha foto”, celebra, ao contar a estratégia.O momento é descrito por Anízio como “um dos seus maiores feitos”. Prova disso é a descrição detalhada que faz do momento. Nem a roupa da monarca se apagou da sua memória. Pouco mais de meio século depois - 54 anos, para ser preciso -, ele lembra da Rainha Elizabeth II como uma mulher linda, de vestido rosa claro, usando um sapato branco e um acessório na cabeça. >
Na época, a foto célebre foi um sucesso. Na manchete do dia seguinte, ela carregava o título de “joelho imperial”, como é conhecida até hoje. A imagem rodou o país e seguiu pelo mundo. Por causa disso, o fotógrafo ganhou uma gratificação salarial do jornal em que trabalhava naquele ano. “Eu peguei o dinheiro, dividi entre todos os meus colegas e ainda fiz mais uma porção de fotos dela”, conta Anízio.>
A atitude, digna de um nobre, não foi à toa. O homem que fotografou a rainha saiu às ruas com outros cinco colegas para tentar o feito que apenas ele conseguiu. Todos ficaram horas esperando o momento perfeito, apoiando um ao outro. A divisão foi a maneira que Anízio encontrou de reconhecer o esforço coletivo. >
De tudo que viveu naquele ano, a única coisa que o fotojornalista se arrepende é de não ter enviado as fotos para a majestade.“Era o que eu queria ter feito. Queria que ela também visse, mas os filhos foram crescendo, a vida seguindo e eu adiei até o dia em que não poderia mais ser feito”, lamenta o fotógrafo, que ainda guarda os filmes das fotos que fez da monarca, além do material revelado. Registro feito por Anízio logo após a rainha sair do carro (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Sonho Entretanto o que pouca gente sabe é que o hábito de colecionar imagens nasceu muito antes do amor por registrá-las. Com pouco mais de 10 anos, Anízio Circuncisão de Carvalho sentava no chão da sua casa no município de Conceição de Feira, interior da Bahia - onde nasceu -, e recortava as imagens “mais lindas” que encontrava nos papéis de jornais e revistas que embrulhavam os produtos adquiridos no mercadinho da esquina.>
Aos 14 anos, já trabalhava como pedreiro ao lado do pai. Mas, aquela não era a profissão desejada. Quando decidiu tentar a sorte longe de casa, o patriarca lhe impôs uma condição. “Ele me disse que eu só viria para Salvador se tivesse como me sustentar e ser alguém aqui”, lembra Anízio. >
Assim que chegou à capital baiana, na década de 1940, foi trabalhar como doméstico para a família do fotógrafo Leão Rosemberg. Não demorou e Anízio estava no “foto” - como eram chamados os locais usados para revelar as fotografias -, aprendendo os segredos da profissão. De lá, foi para o extinto Jornal da Bahia, em 1957.>
“Desde então a minha vida se tornou isso aqui”, afirma, mostrando dezenas de retratos pendurados nas paredes da sala de sua casa. “Trabalhei com Valter Lessa, Domingos Cavalcanti, Aristides Baptista e outros grandes da área”, conta, emocionado pela carreira que construiu. Entre uma foto e outra, casou-se com Dona Tereza, 85 anos, e se tornou pai de seis filhos. >
No entanto, as aventuras - como ele mesmo gosta de descrever -, vividas durante os 50 anos de carreira, já cobram a conta. Anízio toma oito remédios diariamente para controlar a pressão, aliviar dores na coluna e ajudar a dormir. Mas, se engana quem acha que esses problemas são maiores que o desejo que ainda nutre: montar uma exposição. Em seu acervo pessoal, guarda 6 mil fotos que contam a história da Bahia. >
No entanto, a falta de recursos financeiros tem impedido esse sonho. “Peço que Deus me dê um pouco de saúde para conseguir realizar essa exposição, que é a minha maior vontade”, deseja ele. Quem quiser ajudar Anízio, pode contribuir entrando em contato com a sua esposa Tereza, através do telefone (71) 99922-0910.>
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.>