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Publicado em 3 de outubro de 2015 às 06:36
- Atualizado há 2 anos
Encontrar a Igreja do Santíssimo Sacramento e Santana, em Nazaré, não é difícil. Duas ruas estreitas, paralelas à Ladeira de Santana, ladeiam a construção do século XVIII, cujas portas estão praticamente fechadas desde 2009 por conta de uma reforma. O que passa despercebido diante da imponência da construção em estilo neoclássico é o pequeno pátio no fundo da igreja, na Rua do Tinguí. É lá, no cemitério da igreja, que repousam os restos mortais da heroína baiana Maria Quitéria de Jesus.>
“Não é mais uma suposição. Nós encontramos nos documentos da paróquia o registro de que Maria Quitéria foi sepultada aqui”, contou o restaurador responsável pela obra, José Dirson Argôlo.Reforma da igreja inclui desmontagem quase que total das estruturas que decoram a nave e o altar(Foto: Marina Silva)O que eles ainda não sabem é em que ponto a heroína foi enterrada. Não há nenhuma lápide com o nome dela, embora existam dezenas de caixas de madeira identificadas por números. Talvez, a partir do número do registro e da data do sepultamento, seja possível localizar os ossos.>
De acordo com o registro da paróquia, Maria Quitéria foi sepultada no dia 21 de agosto de 1853, aos 56 anos, vítima de uma inflamação no fígado.>
O pároco da Igreja, padre José Abel Pinheiro, já sabe o que fazer com a descoberta confirmada: “Temos a intenção de, no final da reforma, como marco de inauguração, edificar no claustro do ossuário um monumento em homenagem a Maria Quitéria de Jesus”, afirmou. A igreja também passará a integrar a rota baiana do turismo religioso.>
Além dos restos da heroína, também foi localizada na restauração uma lápide com a inscrição “jazigo perpétuo da família Caymmi”. Quem da família foi de fato enterrado ali é outro mistério que os restauradores ainda pretendem descobrir. >
Reforma e descobertasHoje, o pátio do cemitério abriga restos de madeira corroída por cupim retirados de dentro da nave e do altar-mor. Em 2005, o teto da igreja, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 25 de setembro de 1941, desabou durante a missa de 30º dia de morte de dona Yolanda Pires, esposa do ex-governador Waldir Pires.>
A queda foi um sinal do que poderia vir a acontecer com outras partes da igreja. “Em 35 anos de profissão, eu nunca peguei uma igreja tão destruída como a de Santana. Quando nós fomos mexendo nas peças, fomos percebendo que estava tudo oco e podre pela ação do tempo e dos cupins. O douramento foi todo perdido”, disse o restaurador José Dirson.>
Segundo ele, quando a equipe de 45 profissionais começou a trabalhar na nave da igreja, vieram à tona pinturas de azulejos portugueses que, provavelmente, estavam em toda a capela. Também foram começando a aparecer os painéis, tanto na sacristia, de autoria de José da Costa Andrade, quanto na nave e no forro, de Antônio Joaquim Franco Velasco.O trabalho de Franco Velasco, um dos mais importantes pintores baianos do estilo neoclássico, também está em seis telas com imagens de santos e padres e em três painéis com cenas bíblicas.Parte do teto já foi restaurada e começa a ser montada por equipe(Foto: Marina Silva)Trabalho minuciosoO restauro de uma das telas de Velasco - o batismo de Cristo por João Batista, que ficava no Batistério - já foi concluído. As outras passam por um trabalho minucioso no ateliê do restaurador José Dirson Argôlo, no Garcia. Segundo ele, cada tela leva, em média, de um a dois meses para ficar pronta. É preciso fazer a limpeza, para retirar a camada de verniz oxidado, depois fazer a troca do tecido e, a seguir, os retoques. Só depois, a tela recebe a moldura. Além das telas e painéis, a equipe de restauração também trabalha em 25 imagens sacras, algumas delas em tamanho real, mas de autoria desconhecida.>
Investimento“Quando eu cheguei aqui, em 2006, descobri que tinha um projeto de reforma e restauro autorizado pelo Iphan e com apoio da Lei Rouanet pronto, mas arquivado, porque o padre Luna, que era o responsável pela paróquia, ficou muito doente e o projeto foi esquecido”, contou o padre José Abel Pinheiro.>
Ele levou o projeto de volta ao Iphan e a obra foi dividida em duas partes. A primeira, de reparos nas paredes, instalação de banheiros, elevador e cozinha, recebeu aporte de R$ 3,7 milhões do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - foram utilizados R$ 2,9 milhões.Antes disso, entre 2006 e 2007, com verba emergencial do Iphan e do governo do estado, a Arquidiocese de Salvador conseguiu restaurar o telhado. A igreja foi reaberta em 20 de julho de 2007, mas voltou a fechar as portas em 2009 para a reforma mais ampla. A segunda etapa, de restauro dos bens móveis e integrados, recebeu R$ 5,4 milhões do BNDE. O Iphan informou que não participa da obra, mas faz a fiscalização.Enquanto a nave era reformada, a equipe do Studio Argôlo, responsável pela reforma e restauro da igreja, iniciou os trabalhos na parte da sacristia. Esse trecho da obra foi concluído no ano passado. Desde a Quarta-feira de Cinzas de 2014, a sacristia passou a funcionar como capela, onde são celebradas missas e até casamentos. A capacidade é para 120 pessoas sentadas. A expectativa da equipe de restauro é concluir a obra em um ano e meio.No ossuário ao fundo da igreja estão restos mortais de Maria Quitéria e também da família Caymmi(Foto: Marina Silva)Técnica italiana se aproxima das pinceladas do autorQuase todo o material utilizado no restauro da igreja, incluindo pincéis e tintas, é importado da Itália. A tinta, chamada maimeri, é específica para restauro. A técnica utilizada na recuperação das obras também é italiana, chamada de abstração ou seleção cromática. Segundo o restaurador italiano Gianmario Finadri, trazido pelo Studio Argôlo para trabalhar no restauro, a técnica se aproxima das cores usadas pelo artista Franco Velasco e também permite que, caso seja necessário, a camada de tinta utilizada agora também seja retirada. >
Para fazer o restauro do forro, as tábuas de madeira foram retiradas. Como o material estava roído por cupim, uma equipe de marceneiros e carpinteiros recupera a madeira, que depois tem a pintura restaurada. >
Parte do forro já começou a ser reinstalada no local. A pintura não voltará a ser furada por pregos. A proposta é utilizar suportes de alumínio em formato de L, parafusados às vigas. Outro detalhe interessante é o processo de douramento. Quase tudo está recebendo novas camadas de folhas de ouro 23 quilates. Até o momento, já foram utilizados 200 livros de ouro, cada um com 25 folhas de 10x10 centímetros. No mercado brasileiro, cada livro custa R$ 600.>
Franco Velasco pode não ter concluído a pintura do forroO restaurador italiano Gianmario Finadri, responsável pelo forro da nave da igreja, disse que é possível que o pintor Franco Velasco não tenha concluído a pintura. “Eu suspeito que o autor não completou. É uma hipótese provável, porque em alguns locais há um esboço do desenho que parece ter sido completado por outro autor”, disse. >
O também restaurador José Dirson Argôlo pondera e diz que a pintura original pode ter sido lavada. Isso porque, após a pintura de Franco Velasco, em 1814, o discípulo dele, José Rodrigues Nunes, fez uma restauração e repintou o forro no final do século XIX. Foram encontradas duas camadas de tinta diferentes da original. Por conta da oxidação, nem mesmo a imagem do medalhão central podia ser identificada. >
Outra percepção dos restauradores é que Franco Velasco tinha um estilo de pintura à frente de sua época: suas pinceladas se assemelhavam às dos impressionistas. Ele também demonstrava conhecimento de anatomia e pintava os santos como homens do povo. A pintura do forro, vale destacar, foi feita depois de a Igreja, construída originalmente em estilo barroco, ter sido transformada em neoclássica após a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808.>
Igreja tem trabalhos do pintor franco velascoQuem foi O pintor baiano Antônio Joaquim Franco Velasco (1780-1833) foi discípulo de José Joaquim da Rocha. Entre os trabalhos está o retrato de Dom Pedro I e o forro das igrejas de Santana, do Bonfim e da Ordem Terceira de São Francisco.Obras encontradas Além do forro, Franco Velasco tem seis painéis de santos e papas: Gregório, Jerônimo, Ambrósio, Agostinho, Pedro e Paulo. Também há na igreja três telas com cenas bíblicas pintadas pelo baiano.>