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Da Redação
Publicado em 19 de maio de 2009 às 10:55
- Atualizado há 2 anos
A rua é de Deus, mas as leis que prevalecem são as do mercado. Especificamente do mercado imobiliário. Não bastasse o sofrimento em ter as suas casas derrubadas pela enxurrada, os moradores da localidade que mais padeceu com as chuvas em Salvador até aqui, a Rua de Deus, em Paripe, agora têm que conviver com uma “infernal” especulação dos preços dos aluguéis na região. >
A tragédia ocorrida há pouco mais de uma semana aumentou a procura por um teto e fez com que os valores dos imóveis inflacionassem. O aluguel de casas que antes custava R$ 180, em média, hoje chega a R$ 300, um aumento de mais de 65%. >
Com os altos preços e sem o “auxílio-moradia” prometido pelas autoridades, 100 das 130 famílias desabrigadas continuam sem ter onde morar. Não há santo que empurre para baixo os preços dos aluguéis. >
Desse jeito, além de rezar bastante, os desabrigados têm preferido utilizar casas de familiares, vizinhos, instituições não-governamentais e abrigos da prefeitura. >
Para quem perdeu quase tudo, a especulação é um sacrilégio. “Isso é o que eu chamo de se aproveitar da desgraça alheia. Os corações dessas pessoas foram tocados por alguma força maligna”, diz o operador de produção e evangélico fervoroso Paulo Henrique Ferreira. >
Há oito dias, o ex-morador da Rua de Deus tem como teto a própria casa do criador: improvisou morada no terraço de uma igreja pentecostal. Levou para o templo tudo o que salvou no meio dos escombros. Beliche, armário, móveis da cozinha e fogão. >
“Prefiro ficar aqui a pagar os olhos da cara de aluguel. E ainda estou protegido pelo Espírito Santo”, diz, à espera do dinheiro da prefeitura. O próprio titular da Secretaria Municipal do Trabalho, Assistência Social e Direitos do Cidadão (Setad), Antônio Brito, se diz surpreso com a subida repentina dos preços dos aluguéis. “Não contávamos com isso. Essa especulação atrapalha o assentamento das famílias”, admite. >
Mas o Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci-BA) não vê nenhum milagre imobiliário na especulação em pleno subúrbio. “Isso não é novidade. A especulação existe desde que o mundo é mundo. É a velha lei da oferta e procura”, diz Nilson Araújo, vice-presidente do Creci , para quem o fenômeno será passageiro. >
“A especulação em lugares sem infraestrutura não costuma durar muito”, ensina. Aparentemente, foi estabelecido até mesmo uma espécie de piso mínimo de R$ 250 nos aluguéis. >
Não por acaso, o mesmo valor que a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Bahia (Conder) oferece para os desabrigados. Um prato cheio para o pecado da avareza. >
“Quando souberam da ajuda de custo, os donos de imóveis botaram os preços lá em cima”, denuncia o líder comunitário Gilberto Santos Nascimento. Já o auxílio de R$ 150 da Setad é bem abaixo das mensalidades praticadas nas redondezas. >
Uma rápida circulada pelo bairro mostra que a denúncia dos moradores procede. Na Rua da Bélgica, uma casa de cerca de 70m², dois quartos, varanda e área de serviço foi alugada a R$250 antes das chuvas. >
Perto dali, na Rua Maceió, a dona de casa Ana Cláudia Ornelas, que teve a residência destruída, alugou uma casa de 25m², sem piso e teto de amianto, pelos mesmos R$ 250, só que depois das chuvas. “A casa tá cheia de goteira. Não valia mais que R$ 150”, calcula Ana Cláudia, que não esperou pela ajuda das autoridades. Preferiu um esforço financeiro. >
Na mesma Rua Maceió, moradores denunciam que o proprietário da casa 114, que tinha aluguel estipulado em R$ 180, fez o preço subir para R$ 300. São vários os exemplos. E mesmo que encontrem um teto mais barato em outros bairros, moradores como Ana Cláudia insistem em ficar. >
Ali construíram não só casas, mas suas próprias vidas. “Minha filha estuda numa escola aqui perto.Como é que eu vou deixar esse lugar?”. Para não perder as esperanças, há os que recorrem à resignação. “Deus não iria fazer isso com umarua que tem esse nome se não fosse a vontade dele”, diz, saudoso, Dermeval Correia Santos, que fundou a rua há 33 anos. >
Assim como ele, os demais ex-moradores a descrevem como um lugar tranqüilo, que faz jus ao nome.“Isso aqui era um paraíso”, define a líder comunitária Edna Pereira. >
Índices ParipeEconomia33,05% dos moradores ocupados recebiam menos que o minímoColeta de lixo46,65% dos domicílios contam com o serviçoTransporte3,99% das pessoas moram em domicílio que tem carro. No Itaigara, o percentual é de 95,21%.>
(notícia publicada na edição impressa do dia 19/05/2009 do CORREIO)>